Sobre o Levante Vermelho de 1935:
Notas Sobre a “Intentona Comunista”.
Luiz Carlos Prestes, em julgamento pelo Tribunal de Segurança, 1937.
“Dominada a cidade,
instalava-se o Governo Revolucionário Popular, na residência oficial do
governador, composto por um sapateiro, um funcionário público, um estudante, um
funcionário dos Correios e um sargento. Esse governo fez circular numerário no Banco
do Brasil, retirando-o ante a recusa do gerente em entregá-lo; e se manteve até
quarta feira, expandindo o seu domínio por vários municípios próximos. A
população da cidade confraternizou com os rebeldes: “Era mais uma festa
popular, um carnaval exaltado, do que uma revolução” – escreveu um historiador.
Um dos protagonistas do episódio fixou o seu depoimento assim: “O povo de Natal
topou a revolução de pura farra. Saquearam o depósito de material do 21º BC e
todos passaram a andar fantasiados de soldado. Minha primeira providência como “Ministro”
foi decretar que o transporte coletivo seria gratuito. O povo se esbaldou de
andar de bonde sem pagar”. (SODRÉ, Nelson Werneck. “A Intentona Comunista de
1935”. Ed. Mercado Aberto.).
O levante dirigido pela
Ação Nacional Libertadora em Novembro de 1935 ficou conhecido na história como
a “Intentona Comunista”. O ensaio de insurreição durou 6 (seis) dias, não teve
adesão do proletariado brasileiro. Houve apenas um modesto apoio popular na
cidade de Natal.
O Levante estourou no dia
23/11 em Natal, no dia 24/11 em Recife e no dia 27/11 no Rio de Janeiro. Na
antiga capital estavam Luís Carlos Prestes (presidente de honra da ANL), Olga
Benário e “Miranda” (secretário-geral do PCB).
São conhecidas as críticas
que os historiadores suscitam quanto à denominação do movimento como “intentona”.
A palavra tem inequívoco sentido pejorativo, e foi uma forma com que a
repressão oficial buscou estigmatizar o levante, dentro da costumeira perspectiva
anticomunista. O caráter pejorativo do termo certamente não passou
desapercebido pelo historiador marxista Nelson Werneck Sodré: o último capítulo
do seu livro sobre o tema se chama “a difamação ideológica” e trata detidamente
da campanha contra os rebelados. Uma reação não só mediante o assassinato, a
entrega de militantes comunistas para a Gestapo, a tortura, a prisão
indiscriminada e a repressão generalizada pela Lei de Segurança Nacional, aprovada
em 1935. Mas mediante o discurso anticomunista:
“O anticomunismo como
doutrina, como princípio, como cerne ideológico tem alimentado, com
intencionalidade indesmentível, o acobertamento das maiores e mais infames
violências, e não só no Brasil, evidentemente. Todas as vezes que a reação
sente a necessidade de apelar para meios extremos, na defesa dos seus extremos,
na defesa de seus interesses, apela para o anticomunismo”. (SODRÉ, Nelson
Weneck. Ob. Cit.).
Ainda assim, o historiador
marxista manteve a denominação “Intentona Comunista” como título do seu livro
sobre o levante da ANL. Além desta denominação ter prevalecido nos livros
escolares, parece-nos que a caricatura, aqui, ajuda a entender o caricaturado. “Intentona”
remete a conduta intempestiva e temerária: analisando o levante, verifica-se de
plano que se tratou de uma projeção tardia do tenentismo, movimento que vinha
em descenso desde a vitória da Aliança Liberal de 1930. Este misto de
socialismo e tenentismo é ressaltado na análise de Sodré: ralas conspirações, focos
iniciais que deveria deflagrar levantes, expectativas de adesões prometidas que
se frustravam, ausência de adesões, sacrifícios daqueles que cumpriam os
compromissos. Tudo levando-nos a crer que o “levante” tinha também o seu caráter
militarista, dentro do espírito tenentista que o influenciou.
Havia um cenário de agitação
política no país, especialmente na cúpula do poder, com crises institucionais,
mudanças de interventores, nomeações sucessivas de ministros, conflitos entre governadores
eleitos e interventores. Contudo, o clima de agitação política foi confundido pelas
lideranças revolucionárias – nitidamente Prestes e Miranda – por uma situação
revolucionária no Brasil, que não existia. Consta que os dirigentes da IC, que
naquele período adotava uma política que variava entre esquerdismo e constituição
de frentes amplas antifascistas, manifestaram discordância com a política de
levante armado no Brasil. Contudo, prevaleceram as opiniões de Prestes e da direção
do PCB.
Contexto e Organizações
Políticas
O contexto internacional
do período em análise envolve a vitória a Revolução Russa, sua consolidação e o
seu isolamento, que deveriam ser desafiados mediante a construção do socialismo
na Rússia e a constituição da solidariedade internacional.
A crise de 1929, a
ascensão do nazi-fascismo e do militarismo engendram a polarização política no
país. No caso do Brasil, a crise de 1929 coloca em crise a economia agrário
exportadora, inteiramente dependente do mercado externo, e acaba por fortalecer
a economia interna, mediante a substituição das exportações e um ascendente desenvolvimento
da indústria.
A Revolução de 1930 tem como
sentido mais essencial de fortalecimento da burguesia – a pausa momentânea da
exploração imperialismo possibilita à burguesia brasileira melhor moldar o seu
aparato estatal.
O movimento que leva a
Aliança Liberal ao poder corresponde a uma composição provisória do tenentismo e
de dissidências das oligarquias agrárias brasileiras. Esta aliança é provisória:
paulatinamente o tenentismo e sua política reformista é alijada em favor das
oligarquias. Após a derrota paulista na Revolução Constitucionalista de 1932,
já no ano seguinte é colocada em pauta uma nova constituição, de modo que os
paulistas, alijados do poder pela Revolução de 1930, reencontram em pouco tempo
o seu espaço. O contexto político, ainda assim. é de instabilidade, nitidamente
no meio militar. O levante de 1935, neste sentido, foi um levante de
dispositivos militares. Não saiu destes marcos estritos no Recife e no Rio de
Janeiro.
O Levante e a Repressão
“Aceito, finalmente, no PCB,
em agosto de 1934, por determinação da IC, Prestes viajou para o Brasil três semanas
depois. Miranda conseguira convencer os dirigentes da IC de que existiam aqui
condições favoráveis a um levante. Contavam ambos, para a vitória esperada, com
o prestígio de Prestes. Seus antigos companheiros, ao seu chamado, formariam com
ele. Tudo indica que os dirigentes da IC relutaram em aceitar a proposta de
Miranda, reforçada por suas informações triunfalistas, segundo as quais
existiam, no Brasil, condições propícias, e o país apresentava uma situação
revolucionária. A tais informações, Prestes dava ardorosa adesão.” (SODRÉ,
Nelson Wenerck. Op. Cit).
A Aliança Nacional
Libertada foi fundada publicamente num comício na data de 30/03/1935, no Teatro
João Caetano. Naquela ocasião, Prestes, que estava ausente, é aclamado presidente de honra da organização.
O dirigente aceitaria o
cargo em manifesto cerca de um mês depois.
Na ANL estavam presentes militares,
tenentistas, civis, socialistas, democratas, liberais e comunistas. Tratava-se
de uma frente ampla incluindo majoritariamente um setor social decepcionado com
a incapacidade do movimento de 1930 de resolver os problemas do povo.
Pode-se mencionar duas
fases da curta existência da ANL: no início um rápido crescimento abrigando os
decepcionados, inconformados e descontentes. Os comícios da ANL se sucederam no
Rio de Janeiro (13/05/1935), Fortaleza (25/05/1935), Madureira (28/05/1935), Vitória
(30/05/1935) e Petrópolis (09/06/1935). Neste processo de expansão, houve
choques com a polícia, como em Petrópolis, despertando o alerta das
autoridades. Uma segunda fase decorre da ilegalidade da ANL, que acabou levando
a organização a adotar posturas esquerdistas, afastando-se paulatinamente do
movimento de massas. A ANL começou como
uma frente ampla que foi se estreitando a medida que se radicalizava. O Levante
de Novembro de 1935, com a ausência da adesão do proletariado mediante uma
greve geral ou mesmo parcial, colocou coroou este isolamento.
Quanto ao programa
político da ANL, certamente não era estritamente socialista/comunista. Mas era
ainda assim um programa avançado, inclusive para os dias de hoje. Defendia-se
um governo popular, ampliação das liberdades democráticas, suspensão do
pagamento da dívida externa, nacionalização de empresas estrangeiras e entrega
dos latifúndios aos trabalhadores do campo. Pelo menos desde o seu pronunciamento de 1930
contra a Aliança Liberal e, especialmente, a partir de 1931 com a sua adesão ao
marxismo, Luís Carlos Prestes já defendia a via armada como via da tomada de poder no Brasil.
Já foi dito que a reação costuma
dar corda para que o extremismo de esquerda nela se enforque. No caso, a ilegalidade
da ANL e PCB pela Lei de Segurança Nacional (1935) empurraram o movimento para
o esquerdismo. Passou-se a uma análise da questão nacional em que a
instabilidade política da superestrutura foi interpretada como condições
subjetivas da revolução brasileira. A tentativa de insurreição foi rapidamente
detida, implicando no fortalecimento da reação: o ano de 1936 foi particularmente
trágico com a detenção de milhares de pessoas, assassinatos como o de Victor
Allan Barron que foi atirado pela janela de uma sala da delegacia, a tortura até
o cometimento da loucura em Harry Berger e a deportação de Olga Bernario para
um campo de concentração nazista. Este momento trágico da história brasileira é
bem retratado por Graciliano Ramos em seu “Memórias do Cárcere”. O escritor foi
detido e levado para diversas prisões, permanecendo posteriormente no RJ, sem
nunca ter sido julgado.
É inequívoco o aspecto heroico
do Levante de 1935: talvez fora mesmo uma “intentona”, mas certamente não
apenas “comunista”, por envolver uma frente política ampla, dos dissidentes
tenentistas de 1930 até os militantes do PCB. Contudo, o seu resultado trágico,
a facilidade com que foi derrotada, reforça uma lição elementar do marxismo
revolucionário: ligeiros desvios teóricos podem engendrar verdadeiras tragédias
políticas.
Sobre o autor
Nelson Werneck Sodré foi
professor da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, de 1948 e 1950. Foi
diretor do Departamento de História do Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB) de sua fundação até sua extinção, com o golpe de 1964. Foi historiador,
militar e militante do PCB.
BIBLIOGRAFIA
SODRÉ, Nelson Werneck. “A
Intentona Comunista de 1935”. Ed. Mercado Aberto.
RAMOS, Graciliano. “Memórias
do Cárcere”. Ed. Record. 2020.
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