“Por
que me ufano de meu país” – Afonso Celso
Resenha
Livro - “Por que me ufano de meu país” – Afonso Celso – Poeteiro Editor Digital
– São Paulo – 2014 – www.poeteiro.com
“Nestas
condições, o Brasil é um país privilegiado, reunindo elementos que lhe conferem
primazia sobre todos os mais. Importa ingratidão para com a Providência invejar
outras nações, não nutrir a ufania de ter nascido brasileiro. Foi belo o
quinhão que nos coube. Outros povos apenas se avantajam ao nosso naquilo que a
idade secular lhes conquistou. O Brasil poderá tornar-se o que eles são. Eles
nunca serão o que é o Brasil”.
Já
foi dito que o Brasil é o país do futuro. Muito mais do que uma passagem de
música do Legião Urbana, a assertiva é recorrente na história culminando até em
política de Estado. Do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek (1956/1961)
constava a consigna: fazer o país crescer 50 anos em 5.
Mesmo
antes, dentro do movimento modernista, de 1922 à geração de 1930, intelectuais
e artistas voltaram-se ao nosso passado colonial com o intuito de criar as
bases da nação, uma tarefa em aberto já que a nossa independência política
antecedeu em muito à constituição da nossa nacionalidade. Autores como Caio
Prado Jr., Sérgio Buarque de Hollanda e Gylberto Freire estavam olhando para o
passado remoto do país com preocupações acerca do nosso futuro, buscando, de
formas diferentes, aferir os sentidos do desenvolvimento histórico.
Se
quisermos voltarmos ainda mais, verificamos uma característica frequentemente
esquecida do nosso romantismo literário: no seu indianismo não foram poucos os
artistas que buscaram atribuir as origens mais remotas dos nossos índios a
grandes civilizações do passado, como a egípcia – nossos primitivos habitantes
seriam o elo perdido de civilizações milenares do passado e, dentro de si, possuíam
a potencialidade de promover grandes civilizações.
Afonso
Celso, monarquista, filho do Visconde de Ouro Preto, este último presidente do
último conselho de ministros do Império, também é tributário desta ideia de que
o Brasil seria o país do futuro.
Nesta
sua apologia do Brasil verifica-se por uma lado a ideia de que a nossa nação
seria predestinada ao êxito, predestinação revelada em primeiro lugar por Deus
que não nos outorgaria tantas belezas naturais para serem desperdiçadas
esterilmente. Por outro lado, a história revela um país jovem, ao menos em face
da velha Europa, de modo que o Brasil, ainda em sua aurora, teria diante de si
um longo caminho em direção ao topo das nações.
SOBRE
O AUTOR E A OBRA
Afonso
Celso Assis Figueiredo Júnior, natural de Ouro Preto-MG, nasceu em 31 de Março
de 1860 e veio a falecer no Rio de Janeiro em 1938. Cursou leis na Faculdade de
Direito de São Paulo, na qual colou grau em 1880.
Ingressando
na vida política, foi eleito quatro vezes deputado geral por Minas Gerais. Com
a proclamação da República em 1889 abandonou a política e acompanhou o pai no
exílio, que se seguiu à partida da família imperial para Portugal em novembro
daquele ano.
Foi
sócio do Instituto Geográfico Brasileiro e um dos fundadores da Academia
Brasileira de Letras.
Este
“Por que me ufano de meu país” foi publicado no ano de 1900 por ocasião das
comemorações de 400 anos do descobrimento. Ele vale ser lido nem tanto pelos
seus argumentos, alguns deles bastante discutíveis a luz da pesquisa histórica
científica, mas pelo que ele revela no que se trata da história de nossas
ideias.
Este
otimismo quanto à nossa nação é bastante revelador do espírito da Belle Epóque
que informa o período. Vivia-se um momento notadamente ambíguo na história do
país em que o passado e o futuro coexistiam de maneira marcante: nos sertões a
permanência da pobreza e seu messianismo expresso em Canudos e Contestado. Nas
cidades grandes reformas urbanas voltadas a modernizar o país, com a ampliação
de grandes avenidas, ao estilo europeu, e a expulsão dos extratos populares de
seus cortiços para as periferias da cidade.
Este
pequeno ensaio é contemporâneo e um primo próximo do “Ilusões Americanas” de
Eduardo Prado. Os dois autores são monarquistas e escrevem no contexto da
transição do II Império para a Primeira República. O advento republicano se
inspirava não só nas ideias iluministas francesas mas na concreta experiência
histórica norte-americana: neste contexto, Eduardo Prado desenvolve uma crítica
surpreendentemente atual aos EUA, rejeitando as propostas políticas que buscavam
copiar as instituições norte americanas e já denunciando o que poderíamos
chamar de imperialismo, revisitando por exemplo, a doutrina Monroe[1].
Afonso
Celso, na sua apologia ao Brasil, não polemiza tanto com o sistema republicano,
mas não deixa de suscitar os grandes políticos do império, incluindo os dois
imperadores, como uma das fontes de engrandecimento nacional.
Qual
é a razão para se ufanar do Brasil? Cada capítulo suscita temas que informam a
grandeza do país: a sua natureza exuberante, da cachoeira de Paulo Afonso à Baía
do Rio de Janeiro, por exemplo. As suas riquezas naturais, notadamente o ouro e
diamante, além do seu clima relativamente ameno. O conhecido argumento da
ausência de calamidades: no Brasil não há furacões, vulcões e pestes de longa
duração. No que se refere à história existem pequenos capítulos dedicados aos
jesuítas, aos bandeirantes, às guerras holandesas e palmares.
O
livro, em sendo uma apologia do Brasil, incorre em algumas evidentes
falsificações grosseiras. Palmares por exemplo é pintada quase como uma
república romana. Os indígenas, dentro da tradição do romantismo, são pintados
como afidalgados, sempre mantendo sua palavra de honra e possivelmente oriundos
de grandes civilizações do passado. O brasileiro é pintado de acordo com um
senso comum nitidamente conservador: ordeiro, hospitaleiro, respeitador de
hierarquias.
Chega-se
ao ponto de afirmar que no Brasil não existem preconceitos de raça e credo
religioso!
Evidentemente,
muitas das ideias suscitadas pelo autor estão há muito superadas. Ninguém
acredita que a escravidão foi benevolente aqui no Brasil em que pese ter durado
mais do que qualquer outro país nas américas.
Em
todo o caso, a leitura do livro possibilita, quem sabe, uma reconciliação com o
Brasil, um despertar sentimental por parte da esquerda que viu, neste último
período, a extrema direita apropriar-se indevidamente das cores da bandeira
nacional para propugnar um programa de total capitulação aos EUA – neste sentido,
é interessante observar como este monarquista observava lá em 1900 que um dos
perigos que o Brasil enfrentaria no futuro seria justamente a intervenção de
potências estrangeiras nos nossos negócios.
O
nacionalismo chauvinista, militarista, xenófobo ou ao menos preconceituoso em
face de haitianos e bolivianos, mas não em face de norte americanos residentes
na pátria é a face direitista do verde amarelo.
Existe
uma outra face, a patriota, a anti-imperialista, a que defenda a soberania
nacional, a ligada afetivamente à cultura popular e a internacionalista no que
se refere à comunhão universal de interesses da classe trabalhadora: aqui
poderia partir uma contraofensiva contra o sequestro de nossa bandeira. Não por
causa de sua bandeira verde da casa de Brangança, mas pela efetiva e
consequente defesa dos interesses nacionais.
[1] Resenha – “A Ilusão
Americana” – Eduardo Prado - http://esperandopaulo.blogspot.com/2016/10/a-ilusao-americana-eduardo-prado.html
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