“A Ilusão Americana” – Eduardo Prado
Resenha Livro - “A Ilusão Americana” – Eduardo Prado –
Edições do Senado Federal – Volume 11
REVISÃO DA DOUTRINA DE MONROE
“Eis o que dizia o Sr. Evarts, entre as gargalhadas dos
yankees e os sorrisos amarelos dos mexicanos: ‘A doutrina de Monroe é por certo
uma boa cousa, mas, como todas as cousas boas antiquadas, precisa ser
reformada. Essa doutrina resume-se nesta frase: A América para os americanos.
Ora, eu proporia com prazer um aditamento: Para os americanos, sim senhor, mas,
entendamo-nos, para os americanos do norte (aplausos). Comecemos pelo nosso
caro vizinho, o México, de que já comemos um bocado em 1848. Tomemo-lo
(hilaridade). A América Central virá depois, abrindo nosso apetite para quando
chegar a vez da América do Sul. Olhando para o mapa vemos que aquele continente
tem a forma de um presunto. Uncle Sam é bom garfo: há de devorar o presunto
(aplausos e hilaridade prolongada)’ (...)”
“Ilusão Americana” é uma polêmica redigida em outubro de
1893, um texto contundente que tem como destinatários políticos, juristas,
intelectuais e representantes do pensamento social brasileiro que alimentavam diferentes
tipos de ilusões em face dos EUA.
Eduardo Prado irá demonstrar não haver motivos para o Brasil
querer imitar os americanos, particularmente quanto ao seu sistema político e
suas leis; revela não haver laços de afinidade mas antes uma relação de
subalternidade dos yankees em face dos nacionais; ausência mesmo de benevolência
entre EUA e Brasil e os demais país latino-americano; com a ridicularização de
diplomatas e nacionais pela imprensa do país do norte; e até mesmo de uma
influência negativa dos EUA na história do país, citando-se por exemplo o
término tardio da escravidão no Brasil que Eduardo Prado põe na conta da Guerra
Civil norte-americana, que, certamente, deveria ter suscitado hesitações dentre
as classes dominantes e parlamentares brasileiros.
Esta polêmica de Eduardo Prado pode ser classificada como um
panfleto, sem com isso dar ao opúsculo uma conotação menor, no sentido de ser
uma obra datada, sem relevância para um leitor atual. É possível encontrar
neste panfleto[1],
dentre diversas críticas lúcidas e ancoradas em documentos em face dos EUA,
teses bastante atuais ou até mesmo proféticas, como a mobilização de
mercenários pelos exércitos de guerra, uma tendência que se verificou na última
invasão do Iraque pelos EUA (2003) :
“A instituição dos mercenários pode deixar de ser privilégio
dos governos que, sentindo-se fracos no interior, procuram no estrangeiro
braços para defendê-los e coragem e ambição para sustentá-los. Em breve haverá
mercados francos de armamentos e de invenções bélicas; alugar-se-ão, por meio
de agência, capitães valentes, soldados decididos, que renovarão os feitos das
tropas mercenárias de Cartago ou dos Suíços e lasquenetes da Renascença. Quanto
custa um general? Por quanto um almirante? Alugar-se-ão Temístocles por mês,
Nelsons por empreitada e Napoleões a tanto por dia, com comida.
Os governos que têm chamado mercenários, tarde ou cedo
tiveram de se arrepender. A lealdade do mercenário é nula, e o país que lhes
cabe defender é muita vez a sua primeira vítima. O estrangeiro chamado para, a
qualquer título, tomar parte nas lutas nacionais, torna-se depois da luta, uma
calamidade. O mesmo talvez acontecerá com o capitalismo: os braços que ele
tiver armado contra o proletariado armado se voltarão um dia contra ele”.
Estas e outras passagens revelam um autor bastante lúcido: o
mais provável é que o fato de Eduardo Prado ser monarquista tenha contribuído naquele
contexto para uma percepção crítica da situação brasileira – o livro foi
escrito 4 anos após o golpe militar que instaurou a República no Brasil e tal
fato por si já se desenvolvia aos olhos do monarquista E. P. como parte da “Ilusão
Americana”.
Com a nossa Independência, de acordo com Prado, o Brasil
teria trilhado uma rota original com a criação de uma monarquia aos moldes do I
e II Reinado, com especificidades próprias. A república de 1889 significaria mais
um funesto resultado de sistemas políticos transplantado de um país para outro,
incluindo o velho fetiche da “Ilusão Americana”, dos Estados Unidos republicano.
Ao longo do ensaio, são muitos os lances em que transparece as preferências
políticas do autor pela monarquia, em alguns momentos até sustentando teses
duvidosas como a de que as monarquias europeias (Rússia czarista, Alemanha do
Kaiser e Inglaterra ou mesmo a Igreja católica) estariam mais capacitadas e
engajadas para resolver a chamada questão social e os problemas dos
trabalhadores. Ao que se sabe, o movimento proletária indistintamente não
devotou confiança nem em estados republicanos como EUA e França – donde saíram
importantes greves – nem na Rússia czarista quando em 1905 o czar promoveria o
domingo sangrento fuzilando uma marcha pacífica e matando milhares.
Sobre o Autor
Eduardo da Silva Prado nasceu em 1860 em São Paulo. Adveio da
tradicional e aristocrática família Silva Prado, ligada à atividade cafeeira daquele
estado. Após diplomar-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, trabalha
e conhece diversos países na Europa. Trava amizade com o escritor realista Eça
de Queirós. Diz-se que o personagem sentimental Jacinto de “A Cidade e as
Serras” foi baseado em Eduardo Prado – um milionário que se entedia pelo
conforto da cidade e termina seus dias numa província pacata serrana em Portugal
chamada Tormes.
O impacto de “Ilusão Brasileira” foi tamanho que no dia
04/12/1893, quando foi posto à venda, todos os exemplares foram vendidos.
Na manhã seguinte, a tipografia em que o livro foi impresso foi cercada e todos
os livros recolhidos. Houve casos de pessoas que lendo o livro em bondes acabaram
intimadas à polícia. A justificativa era a de que as denúncias das ações
diplomáticas e das manobras econômicas norte americanas criariam inimizade
junto à nação poderosa do norte – o que de certa forma justifica a tese da “Ilusão
Americana” quanto à nossa subserviência.
Em síntese, a “Ilusão Brasileira” exposta e com farta
documentação e argumentos poderosos, ao ponto de necessária interdição estatal
sobre o livro, diz respeito ao que Eduardo Prado chama de “Fraternidade
Americana”.
Não existe tal fraternidade, quando se pensa na espoliação
histórica perpetrada pela diplomacia e pelo poder econômico norte americano
sobre os demais países da América. Citemos o Havaí, apenas como um exemplo
aleatório da quimera da “Fraternidade Americana”:
“No Havaí a usurpação americana foi simples e rápida. A raça
indígena, isto é, perto de um milhão de habitantes, raça que tem a brandura de
índole própria de todos os polinésios, havia perto de um século que ia sendo
educada por missionário de várias nações, e tinha chegado já a um grau de
civilização que lhe permitiu construir um governo regular. Há no arquipélago
uns quinhentos americanos e uns seis ou oito mil portugueses. Pois bem, os
americanos, auxiliados por um vaso de guerra do seu país, expeliram do governo
os indígenas, e, fazendo desembarcar tropa, tomaram conta de todo o país,
excluindo inteiramente os havaianos de toda a administração de sua terra. Os
governantes americanos, impostos pelas baionetas, decretaram a federação com os
Estados Unidos tal queria talvez os insensatos brasileiros que em 1834 apresentaram
um projeto análogo na Câmara dos Deputados.”
O aspecto problemático da tese da “Fraternidade Americana”
ou da ausência dela é que Eduardo Prado estende as inimizades aos Estados Nacionais
dos país latino-americanos, como se os povos de Brasil, Paraguai, Venezuela,
Argentina, Peru, Bolívia, etc., estivessem também condenados a uma situação de
ódio mútuo. Faltou ao monarquista o tino que teve presente em Bolívar
(Venezuela) no cubano José Martí, em Carlos Fonseca (Nicarágua), Sandino, Fidel
(Cuba) e outros que sinalizaram um sentido de um união e fraternidade dos povos
latino-americanos, em especial nos momentos em que se colocam em mobilização –
afinal há algo que dá identidade aos povos latino-americanos: o passado de
opressão colonial e o presente de dominação imperialista.
Todavia, “A Ilusão Americana” ainda se revela em diversas
passagens num panfleto curiosamente (e diríamos infelizmente) atual. Há muitos trechos de denúncia das ações de espoliação norte americana desde a Guerra do
México (1848); sua intervenção diplomática maquiavélica no Canal do Panamá; a
quimera da Doutrina Monroe (1823); ou mesmo relatos interessantes de repressão
dentro dos EUA de mobilização operária dão a este opúsculo um interesse
especial a historiadores das ideias, pesquisadores do direito internacional,
além dos marxistas brasileiros, que devem sempre ter como premissa o estudo
sistemático da questão nacional e como perspectiva o combate ao imperialismo.
[1]
Referimo-nos aqui ao estilo da narrativa. Segundo Paulo Louis Courier, o panfleto
é “uma ideia muito clara saída de uma convicção muito forte, rigorosamente
deduzida em termos curtos e límpidos com muitas provas, muitos documentos,
muitos exemplos....”.
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