Nikolai Bukharin e Sua Teoria do Materialismo Histórico
Resenha
Livro – “A Teoria do Materialismo Histórico: Manual Popular de Sociologia
Marxista” – Nikolai Bukharin
“Na
sociedade capitalista mercantil, a empresa trabalha “independentemente” para o
mercado desconhecido. No fundo, cada trabalho é aqui uma parcela do trabalho
social e todas as partículas dependem umas das outras. Mas isto se passa de tal
maneira, que o laço social entre os homens, que trabalham de fato uns para os outros,
escape aos olhos humanos. Se tivéssemos diante de nós uma sociedade socialista,
onde tudo caminha de acordo com um plano, seria claro para todos que os homens
trabalham uns para os outros, que cada aspecto separado do trabalho não é senão
uma partícula do conjunto do trabalho social. As relações entre os homens
seriam claras, nada os mascararia; mas não é assim no mundo capitalista. Aqui,
este laço de trabalho entre os homens é invisível, esconde-se aos homens”.
Muitos
anos antes do advento da psicanálise, Karl Marx na sua crítica da economia
política suscitou o conceito do fetiche da mercadoria. A noção foi explicitada
n’o Capital:
“Uma
relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica
de uma relação entre coisas. Para encontrar uma símile, temos que recorrer à
região nebulosa da crença. Aí, os produtos do cérebro humano parecem dotados de
vida própria, figuras autônomas que mantém relações entre si e com os seres
humanos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das
mercadorias. Chamo isto de fetichismo”.
O
fetiche é uma palavra oriunda do francês e quer dizer feitiço, encanto.
Aplicado nas relações sociais, revela uma ideologia que oculta os laços entre
os homens, enlaço fundado no trabalho, bem como atribui qualidades humanas à
mercadoria. Na sociedade capitalista anárquica o fenômeno social não coincide
com o desejo da maioria.
O fato
é que as formas sociais oriundas do capitalismo apareceram para os ideólogos da
burguesia como eventos naturais e dotados de imutabilidade. Já o marxismo,
através da crítica, trabalha com a ideia de transitoriedade dos fenômenos
sociais, extraindo daí o seu caráter revolucionário. Nestes marcos, este “Tratado
de Materialismo Histórico” de Bukharin, publicado em 1921, é um manual para
popularizar as ideias marxistas, nitidamente no que se refere às ciências
sociais, à filosofia e à história.
Não se
trata de uma obra em que o dirigente bolchevique suscita ideias novas, de sua própria
autoria. Partindo do quanto assinalado por Engels para quem os fundadores da
teoria crítica tinham dado apenas os primeiros passos no domínio do
materialismo histórico, Bukharin escreveu um manual extremamente didático e acessível
para popularizar a teoria marxista.
O
manual vai trabalhar os temas do que Bukharin chama de “sociologia marxista”,
sendo certo que a sociologia a que se refere o autor não se reduz à sociologia acadêmica,
subgênero das ciências sociais.
O trabalho
começa com a reflexão da filosofia e da teoria do conhecimento marxistas.
Destaca a importância prática das ciências sociais, suscitando a oposição entre
a tradição materialista e o idealismo filosófico. Passa para as ciências
sociais e a sociologia, não entendida como um organismo, o que era recorrente
no pensamento da época, mas como um sistema de relações recíprocas. Chega ao
estudo do materialismo histórico e da teoria da história, se servindo da noção
de regularidade (ou leis) dos fenômenos da natureza e dos fenômenos sociais.
Neste
ponto, Bukharin destaca que não existe “acaso” nos eventos históricos – tudo está
submetido às leis causais. Existem, é certo, causas de maior ou menor
prevalência. A I Guerra tem como causa essencial o acirramento das disputas
imperialistas e como causa imediata o assassinato do arquiduque da Áustria. Sem
a causa essencial, não haveria a guerra. Já a causa imediata poderia ser
substituída por qualquer outro estopim, o que não nos autoriza a dizer que o
assassinato e o começo da guerra decorrem de um “acaso”.
E o
estudo de Bukarin prossegue da teoria da história para os conceitos de classes
sociais, dialética, psicologia social e ideologia, estrutura e superestrutura,
relações de produção, forças produtivas, revolução e a dinâmica da história.
Escrito
em 1921, o “Tratado” foi feito no mesmo ano em que houve uma importante mudança
de orientação no desenvolvimento político da URSS e da Revolução Russa.
O país
estava exausto da guerra civil, que de 1917 a 1921 mobilizou todas as forças
internas contrarrevolucionárias, bem como a intervenção da totalidade das
potências imperialistas para esmagar a revolução. A economia do país estava
exausta, a fome assolava as cidades e a tática do comunismo de guerra, a canalização de todos os
recursos, agrários e industriais, para o sustento da guerra precisava ser
alterada. Ademais, a expectativa que a direção bolchevique nutria de uma
revolução socialista no ocidente que pudesse viabilizar a saída da política
extremamente defensiva da URSS, esta esperança, viu-se inteiramente frustrada,
nitidamente com a derrota da revolução alemã, reforçando a necessidade de uma
mudança de rumos.
Como
se sabe, Bukharin foi um dos principais propugnadores da chamada Nova Política
Econômica ao lado de Lênin. A NEP reintroduziu o dinheiro na economia, fez
concessões à propriedade privada e a práticas capitalistas na agricultura e na indústria
leve. Este “Tratado” foi escrito no contexto desta mudança tática, razão provável
pela qual muitos dos capítulos finais são dedicados ao tema da transição
socialista, ao problema da revolução vista sob o ponto de vista da longa
duração.
De uma
forma mais geral, pode-se dizer que a revolução se produz quando o equilíbrio
entre as forças produtivas da sociedade e os traços fundamentais da estrutura econômica
(que se cristalizam nas relações de propriedade) se rompem. O conflito de fundo
que a revolução deverá resolver será este, o que deverá implicar na passagem de
uma forma social a outra nova forma social.
Contudo,
afirma Bukarin, “enquanto a estrutura econômica torna possível o
desenvolvimento das forças produtivas, as transformações sociais não assumem o
caráter de desordem: elas se produzem na “ordem da evolução”’. O modo de
produção não pode ser substituído sem que antes esgote todo potencial de
desenvolvimento das forças produtivas. No caso da Rússia, verifica-se que a
revolução estoura num país ainda predominantemente camponês, relativamente
atrasado, onde a revolução deveria ainda promover e induzir o desenvolvimento
das forças produtivas.
Ficou
famosa uma das assertivas de Bukharin junto aos camponeses: “enriquecei-vos”!
Posteriormente, a política da NEP seria substituída por Stálin pela política de
coletivização forçada, abrindo o caminho para o isolamento político de Bukharin
que ficou caracterizado como a “oposição de direita” de Stálin na direção do
partido. No ano de 1929, Bukharin é afastado da direção do Pravda e expulso do
Politburo. No ano de 1938, no contexto dos expurgos, Bukharin foi fuzilado na
cidade de Moscou.
No ano
de 1988, Bukharin foi reabilitado na URSS.
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