domingo, 19 de julho de 2020

Nikolai Bukharin e Sua Teoria do Materialismo Histórico


Nikolai Bukharin e Sua Teoria do Materialismo Histórico



Resenha Livro – “A Teoria do Materialismo Histórico: Manual Popular de Sociologia Marxista” – Nikolai Bukharin

“Na sociedade capitalista mercantil, a empresa trabalha “independentemente” para o mercado desconhecido. No fundo, cada trabalho é aqui uma parcela do trabalho social e todas as partículas dependem umas das outras. Mas isto se passa de tal maneira, que o laço social entre os homens, que trabalham de fato uns para os outros, escape aos olhos humanos. Se tivéssemos diante de nós uma sociedade socialista, onde tudo caminha de acordo com um plano, seria claro para todos que os homens trabalham uns para os outros, que cada aspecto separado do trabalho não é senão uma partícula do conjunto do trabalho social. As relações entre os homens seriam claras, nada os mascararia; mas não é assim no mundo capitalista. Aqui, este laço de trabalho entre os homens é invisível, esconde-se aos homens”.

Muitos anos antes do advento da psicanálise, Karl Marx na sua crítica da economia política suscitou o conceito do fetiche da mercadoria. A noção foi explicitada n’o Capital:

“Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Para encontrar uma símile, temos que recorrer à região nebulosa da crença. Aí, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantém relações entre si e com os seres humanos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias. Chamo isto de fetichismo”.

O fetiche é uma palavra oriunda do francês e quer dizer feitiço, encanto. Aplicado nas relações sociais, revela uma ideologia que oculta os laços entre os homens, enlaço fundado no trabalho, bem como atribui qualidades humanas à mercadoria. Na sociedade capitalista anárquica o fenômeno social não coincide com o desejo da maioria.



O fato é que as formas sociais oriundas do capitalismo apareceram para os ideólogos da burguesia como eventos naturais e dotados de imutabilidade. Já o marxismo, através da crítica, trabalha com a ideia de transitoriedade dos fenômenos sociais, extraindo daí o seu caráter revolucionário. Nestes marcos, este “Tratado de Materialismo Histórico” de Bukharin, publicado em 1921, é um manual para popularizar as ideias marxistas, nitidamente no que se refere às ciências sociais, à filosofia e à história.

TRATADO DE MATERIALISMO HISTÓRICO 

Não se trata de uma obra em que o dirigente bolchevique suscita ideias novas, de sua própria autoria. Partindo do quanto assinalado por Engels para quem os fundadores da teoria crítica tinham dado apenas os primeiros passos no domínio do materialismo histórico, Bukharin escreveu um manual extremamente didático e acessível para popularizar a teoria marxista.

O manual vai trabalhar os temas do que Bukharin chama de “sociologia marxista”, sendo certo que a sociologia a que se refere o autor não se reduz à sociologia acadêmica, subgênero das ciências sociais.

O trabalho começa com a reflexão da filosofia e da teoria do conhecimento marxistas. Destaca a importância prática das ciências sociais, suscitando a oposição entre a tradição materialista e o idealismo filosófico. Passa para as ciências sociais e a sociologia, não entendida como um organismo, o que era recorrente no pensamento da época, mas como um sistema de relações recíprocas. Chega ao estudo do materialismo histórico e da teoria da história, se servindo da noção de regularidade (ou leis) dos fenômenos da natureza e dos fenômenos sociais.

Neste ponto, Bukharin destaca que não existe “acaso” nos eventos históricos – tudo está submetido às leis causais. Existem, é certo, causas de maior ou menor prevalência. A I Guerra tem como causa essencial o acirramento das disputas imperialistas e como causa imediata o assassinato do arquiduque da Áustria. Sem a causa essencial, não haveria a guerra. Já a causa imediata poderia ser substituída por qualquer outro estopim, o que não nos autoriza a dizer que o assassinato e o começo da guerra decorrem de um “acaso”.

E o estudo de Bukarin prossegue da teoria da história para os conceitos de classes sociais, dialética, psicologia social e ideologia, estrutura e superestrutura, relações de produção, forças produtivas, revolução e a dinâmica da história.

NOVA POLÍTICA ECONÔMICA 

Escrito em 1921, o “Tratado” foi feito no mesmo ano em que houve uma importante mudança de orientação no desenvolvimento político da URSS e da Revolução Russa.

O país estava exausto da guerra civil, que de 1917 a 1921 mobilizou todas as forças internas contrarrevolucionárias, bem como a intervenção da totalidade das potências imperialistas para esmagar a revolução. A economia do país estava exausta, a fome assolava as cidades e a tática do  comunismo de guerra, a canalização de todos os recursos, agrários e industriais, para o sustento da guerra precisava ser alterada. Ademais, a expectativa que a direção bolchevique nutria de uma revolução socialista no ocidente que pudesse viabilizar a saída da política extremamente defensiva da URSS, esta esperança, viu-se inteiramente frustrada, nitidamente com a derrota da revolução alemã, reforçando a necessidade de uma mudança de rumos.

Como se sabe, Bukharin foi um dos principais propugnadores da chamada Nova Política Econômica ao lado de Lênin. A NEP reintroduziu o dinheiro na economia, fez concessões à propriedade privada e a práticas capitalistas na agricultura e na indústria leve. Este “Tratado” foi escrito no contexto desta mudança tática, razão provável pela qual muitos dos capítulos finais são dedicados ao tema da transição socialista, ao problema da revolução vista sob o ponto de vista da longa duração.

De uma forma mais geral, pode-se dizer que a revolução se produz quando o equilíbrio entre as forças produtivas da sociedade e os traços fundamentais da estrutura econômica (que se cristalizam nas relações de propriedade) se rompem. O conflito de fundo que a revolução deverá resolver será este, o que deverá implicar na passagem de uma forma social a outra nova forma social.

Contudo, afirma Bukarin, “enquanto a estrutura econômica torna possível o desenvolvimento das forças produtivas, as transformações sociais não assumem o caráter de desordem: elas se produzem na “ordem da evolução”’. O modo de produção não pode ser substituído sem que antes esgote todo potencial de desenvolvimento das forças produtivas. No caso da Rússia, verifica-se que a revolução estoura num país ainda predominantemente camponês, relativamente atrasado, onde a revolução deveria ainda promover e induzir o desenvolvimento das forças produtivas.

Ficou famosa uma das assertivas de Bukharin junto aos camponeses: “enriquecei-vos”! Posteriormente, a política da NEP seria substituída por Stálin pela política de coletivização forçada, abrindo o caminho para o isolamento político de Bukharin que ficou caracterizado como a “oposição de direita” de Stálin na direção do partido. No ano de 1929, Bukharin é afastado da direção do Pravda e expulso do Politburo. No ano de 1938, no contexto dos expurgos, Bukharin foi fuzilado na cidade de Moscou.

No ano de 1988, Bukharin foi reabilitado na URSS.
  

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