Joseph Stálin – Para Além da Caricatura
“Stálin estava com os olhos rasos d’água. Eu mesmo vi.
Perfilou-se e beijou a espada, num gesto simbólico que, evidentemente, não
havia sido ensaiado. Foi magnífico, emocionante e sincero. Ele é um homem muito
interessante. Dizem que não passa de um camponês, nascido em uma das regiões
mais atrasadas da Rússia, mas, se você me permite, Stálin parecia mais fino,
mais elegante e mais bem-educado que qualquer um de nós” – Franklin D.
Roosevelt
O depoimento supracitado do presidente norte-americano
Roosevelt ocorreu no contexto da Conferência de Teerã, que reuniu Stálin e o
primeiro ministro inglês Churchill em novembro de 1943. O encontro ocorreu após
a vitória soviética em Stalingrado, quando pela primeira vez foi quebrado o
mito de invencibilidade militar do nazi-fascismo. Certamente o depoimento
contrasta bastante com a propaganda anti-comunista posterior à II Guerra
Mundial que chega até ao ponto de equiparar Stálin e Hitler, o socialismo
soviético e os regimes nazi-fascistas.
O totalitarismo igualaria os sistemas políticos em “ditaduras
terroristas de partido único e culto ao líder”.
Contudo, este revisionismo histórico deixa de lado fatos
(e não argumentos) fundamentais. O primeiro é que as vitórias militares de
Stalingrado e Leningrado foram o ponto de partido para a destruição militar do
nazi-fascismo, com todas as implicações que esta realidade teve para os
destinos de todos os povos do mundo. Aliás, antes da conferência de Teerã, os
líderes ocidentais hesitaram em intervir militarmente na frente ocidental, de
modo a ajudar o exército vermelho no oriente, estabelecendo uma guerra em duas
frentes para os alemães. Os soviéticos, em Teerã, já estavam numa posição mais
favorável, forçando Roosevelt a se comprometer com a invasão da França pela
primavera.
Um segundo fato (e não argumento) que abala o
revisionismo histórico anti-comunista envolve o respeito e a autoridade que o
exército vermelho e a URSS sob a liderança stalinista granjearam por todo o
mundo no pós 1945. É importante salientar que os soldados, com o fim da guerra,
voltaram armados para os seus países de origem, implicando num período
extremamente arriscado para a sobrevivência do capitalismo no ocidente: muitos
dos capitalistas e empresários haviam colaborado com os nazistas, sendo deste
período o início da constituição de estados de bem estar, a concessão de
benefícios aos trabalhadores de modo a impedir que novas revoluções de outubro
estourassem na Europa ocidental.
Os irmãos gêmeos de que fala a categoria do
totalitarismo configuram inimigos mortais à luz de categorias do racismo e do
colonialismo. Basta dizer que Hitler nunca omitiu sua simpatia com o processo
de ocupação do oeste dos EUA pelo elemento branco em face dos indígenas: sua intenção
no oriente europeu era promover uma campanha colonialista não diferente da que
EUA, Inglaterra e França já mantinham na América Latina, Ásia e África.
A caricatura pintada de Stálin pelo revisionismo
anti-comunista já é bastante conhecida: um velho burocrata do partido, um homem
brutal e sedento de vingança em face de seus adversários, sem preparo teórico
em oposição a intelectuais do partido como Trótsky e Bukharin. Ocorre que foi
justamente o período do pós-guerra, quando emerge a projeção mundial da URSS, sob
a liderança stalinista, que o capitalismo em nível mundial esteve sob o maior
risco de derrocada – a revolução chinesa de 1949 e a revolução cubana de 1959
realçaram a ameaça constituída e explicam a propaganda extremamente negativa
sobre o socialismo soviético e Stálin.
Lamentavelmente, este propaganda foi amplamente
direcionada aos partidos e organizações de esquerda, bem como ampliada a partir
da lenta restauração capitalista patrocinada pelas lideranças pós-stalinistas,
a começar por Nikita Kruschev, secretário geral do Partido Comunista entre
1953-1964.
Mais recentemente, algumas publicações disponíveis ao
público brasileiro vêm contribuindo no sentido de se restaurar os fatos diante
da propaganda anti-comunista. O trabalho do historiador italiano Domenico
Losurdo (“Stálin – História Crítica de Uma Lenda Negra – Ed. Revan) vem sendo
bem recepcionado no Brasil, quebrando um certo monopólio de organizações
trotskystas na sua narrativa da história da URSS e do movimento revolucionário
russo.
Autores antes não muito mencionados como o belga Ludo
Martens e o albanês Enver Hoxha já pedem novas publicações para o publico
brasileiro. Além disso, a editora Nova Cultura ligada à União Reconstrução
Comunista vem desde 2015 disseminando publicações de J. V. Stalin, Kim Jong Il, Mao Tsé-tung, Ludo
Martens, Ho Chi Minh, Nguyen Vo Giap, Andrei Zhdanov, entre outros.
Neste contexto, parece-nos que faltam trabalhos
especificamente biográficos de Joseph Stálin para o leitor brasileiro. Neste
caso, biografias oriundas de um trabalho de historiador: pois tanto as
caricaturas anti-comunistas quanto as histórias oficiais de mera exaltação da
liderança são evidentemente limitadas para a compreensão do indivíduo e seu
papel na história.
Josef Vissarionovitch Dzhuganhvili nasceu em 21 de
dezembro de 1879 em Gori, cidadezinha da Georgia, que tinha então 5000
habitantes. Era filho de Ekaterina Geladze e Vissarion Dzhuganshvili, um
sapateiro que, de acordo com alguns relatos, era dado à bebida e batia na
mulher e nos filhos. O pai de Stálin morreu numa briga de rua quando o filho
tinha 11 anos de idade.
Aos quinze anos de idade, Stálin foi admitido no
Seminário Teológico de Tíblissi, capital da Georgia. Permaneceu na instituição
entre 1894 e 1899. Dentro do seminário, Stálin adquiriu ódio feroz contra a
administração do seminário, contra a burguesia e contra qualquer coisa que
remetesse ao czarismo. Abandonou o seminário sem conclui-lo para o desalento de
sua mãe, Ekaterina Geladze, que desejava ver o filho como padre.
Ainda em 1889 ingressa num grupo de marxistas georgianos
e no ano seguinte ajuda a construir manifestação de Primeiro de Maio na Geórgia.
Filia-se ao Partido Operário Social-Democrata Russo em 1901, tornando-se a
partir de então, até 1917, um militante clandestino, sob o nome de “Koba”.
Este codinome é oriundo de um folclore popular
georgiano: Koba era uma espécie de Robin Hood, aquele que tomava dos ricos para
dar aos pobres.
Stálin conheceu pessoalmente Lênin em dezembro de 1905,
em uma reunião do partido bolchevique em Tammerfors, na Finlândia.
Em 1908, Koba dirige um importante movimento grevista em
Batum:
“Batum era uma cidade de mais de 30.000 habitantes,
quase todos de ascendência turca, localizada junto ao mar negro, conhecida como
um dos principais entrepostos do petróleo extraído da região do mar Cáspio.
Ali, Stálin colaborou na organização de uma greve que gerou um confronto aberto
entre polícia e trabalhadores. Houve quatorze mortos, muitos feridos e foram
presos mais de quinhentos trabalhadores. A polícia czarista também capturou
Stálin, que ficou preso durante um ano e meio, e depois foi mandado para a
Sibéria por mais três anos”. DOROTHY e THOMAS HOOBLER
No que diz respeito à vida mais íntima de Stálin, consta
que em 1903 casou-se pela primeira vez com Ekaterina Svadize, uma jovem
georgiana e devota da igreja cristã ortodoxa. Consta que Stálin amara muito sua
primeira esposa que faleceu ainda jovem, em 1907. Seu segundo casamento daria-se
em 24 de Março de 1919 com Nadezhda Alliluyeva. Mais um momento trágico na vida
de Stálin ocorreu em 9 de novembro de 1932 quando Nadezhda suicidou-se em seu
quarto com um tiro. Do casal nasceram dois filhos, sendo um deles, Jacob,
piloto de Guerra em Stalingrado e, ao que consta, capturado e morto por alemães
na II Guerra.
Muito se falou sobre o culto à personalidade de Stálin,
especialmente no contexto do XX Congresso do PC da URSS em 1956. Por outro
lado, também é um fato que 20 milhões de russos foram mortos na II Guerra
Mundial, entre civis e militares. Stálin dirigiu a campanha durante toda a
guerra dentro do Kremlin, inclusive despachando durante os duros dias de cerco
a Moscou, quando os nazistas já estavam aos redores do palácio de governo. A
energia e disposição da liderança traduziram-se numa mobilização populares em
torno da resistência aos invasores, com a participação de civis e militares,
criação de guerrilhas e até barricadas. A defesa de Staingrado foi feita palmo
e a palmo e a fome a que a população foi submetida pelo cerco alemão fez com
que os russos se alimentassem da solo de sapatos. E ainda assim triunfaram.
Não parece haver muitas dúvidas de que a liderança
comunista, temperada pelos anos da guerra civil, pelo gigante desenvolvimento industrial
e pelo engajamento político foram decisivos para a unidade ideológica e
militar da nação, a não capitulação e a posterior vitória militar russa na II Guerra. Um
fato que não poderá ser compreendido através de caricaturas.
Bibliografia:
DOROTHY e THOMAS HOOBLER - “Os Grandes Líderes – Stálin”
– Ed. Nova Cultural
Nenhum comentário:
Postar um comentário