quarta-feira, 17 de junho de 2020

“Notas Sobre a Revolução Iraniana”


“Notas Sobre a Revolução Iraniana”



“Em janeiro de 1979, depois de retirar dos bancos elevadas quantias de dinheiro da família real, Mohammed Reza Pahlavi fugiu do Irã. Quinze dias mais tarde, em 31 de janeiro de 1979, o Aiatolá Ruhollah Khomeini voltou triunfante para o seu país. Jornalistas presentes em Teerã calcularam que mais de 2 milhões de pessoas foram recebê-lo. No decorrer dos últimos meses ele havia ganho o apoio de quase todos os grupos de oposição e sua popularidade era dominante. Mas a ascensão ao poder de Khomeini e a fuga do xá eram o coroamento de uma série de outros acontecimentos” (GORDON, Matthew).

A Revolução Iraniana de 1979 corresponde a mais um capítulo de tantos outros levantes e revoluções populares de países periféricos em face da dominação imperialista norte-americana e europeia.

Mobilizações neste sentido foram frequentes a partir do pós II Guerra Mundial, começando pela Revolução Chinesa de 1949, passando pela Revolução Cubana de 1959, pela Guerra Vietnamita e pelos incontáveis levantes de orientação anticolonialista na África. Contudo, o problema da religião, no caso do islamismo xiita, certamente deu contornos específicos à experiência iraniana e, em certa medida, já sinalizou os próprios limites daquele movimento – uma revolução baseada antes na luta contra a “ocidentalização” do país e, por conseguinte, contra a infidelidade religiosa. Não se tratou de um movimento que passaria da etapa democrática e anti-imperialista para a revolução propriamente socialista e anticapitalista, como em Cuba e China.

ANTECEDENTES    

A tradição islamita no Irã, antiga Pérsia, não deve ser negligenciada para a compreensão da Revolução. Isto porque, desde o ponto de vista da doutrina xiita, quando um governo se mostra cruel e corrupto, é legítimo o levante para destitui-lo. São antigas as imbricações entre política e religião na história do islamismo xiita.

“Depois do século XVI houve um número crescente de exemplos de ulemás xiitas que ousaram falar contra governantes opressores. Eles desenvolveram uma tradição de ativismo político. Um produto tardio dessa tradição seria o próprio Khomeini. Organizando a oposição ao xá, ele provaria ser um hábil estrategista político, um religioso capaz de aliar os princípios doutrinários com uma visão adequadas dos diferentes momentos políticos. Além disso, Khomeini também se revelaria um excelente orador, com uma capacidade notável para infundir num só discurso as reivindicações, a história do Islã e as necessidades do povo iraniano”. (GORDON, Matthew).

De certa maneira, naquela sociedade religiosa de tipo milenar, as lideranças religiosas e, em especial, os núcleos formados nas universidades não laicas em Teerã e Qum, corresponderam ao papel dos nossos partidos políticos quanto à organização para oposição, combate e derrubada do regime de Reza Pahlavi.

O termo “aiatolá” tem o significado de guia espiritual, “milagroso sinal de Deus”.  Há o grupo dos “Ulemás” e “Mulás”, homens de instrução religiosa que foram paulatinamente se opondo ao regime do Xá, considerando que as suas reformas ocidentalizantes contrariavam o islamismo.

SOBRE AIATOLÁ KHOMEINI



Khomeini era uma destas lideranças religiosas que granjeou apoio popular por sua oposição à monarquia bem como pela defesa da instituição de uma república islâmica sob novas bases constitucionais.

Consta que Ruhollah Khomeini nasceu numa pequena vila em Khomein, na Pérsia. O país passaria a se chamar Irá no ano de 1935, sob o regime de Reza Xá.

Mustafá, pai de Khomeini também era um Mulá e direcionam, assim, o filho para a cidade de Arak, a fim de estudar a lei e a religião islâmica. Em 1921, Khomeini prossegue seus estudos em Qum, cidade que viria a ser no futuro um dos centros de efervescência da Revolução de 1979. Já em 1931, Khomeini passaria a lecionar na escola Faizieh e, posteriormente, participar da vida política do país.

A crescente perda de popularidade da dinastia Pahlavi estava relacionada com a brutal repressão política aos seus opositores patrocinada pela polícia política SAVAK. Em 5 de Junho de 1963 Khomeini é preso por acusar o regime do xá de querer destruir o islamismo: seguem-se na sequencia várias revoltas e a decretação da lei marcial. Em outubro de 1964, o futuro Aiatolá é preso novamente por criticar a lei que garante imunidade aos militares norte-americanos no Irã, forçando-o a exilar-se na Turquia, posteriormente no Iraque e, nas vésperas da revolução, na França.

Desde o exílio, Khomeini fez intensa propaganda política: seus discursos eram distribuídos clandestinamente em fitas cassetes no Irã.

Além da repressão política, da corrupção e da ingerência dos EUA nos negócios internos, as críticas de Khomeini direcionavam-se também ao pouco de democrático que havia dentro das reformas levadas a cabo pelo Xá. Não só Khomeini, mas a poderosa classe dos Ulemás se posicionaram contra a extensão do direito de voto às mulheres iranianas e a instituição do ensino laico – ainda que a iniciativa da reforma educacional também estivesse destinada a enfraquecer a liderança Ulemá em benefício do Xá.  

Seria importante salientar o papel desempenhado pelo Partido Tudech (Partido Comunista Iraniano) na oposição ao xá. Este grupo mantinha ligações com a URSS e a China e foi perseguido posteriormente pelo Khomeini, praticamente aniquilando a organização em 1984.  

 Reza Pahlavi

DA REVOLUÇÃO

No ano de 1973 o Xá do Irã esteve nos EUA em visita ao presidente Richard Nixon, que chamou o xá de um “estadista de primeira linha”. Por de trás destas relações, havia o interesse norte-americano nas reservas de petróleo iranianas, em regime de exploração desde a década de 1940 e em boa parte controladas por companhias estrangeiras. Havia também o interesse de manter o país como uma espécie de polícia subordinada da região do golfo pérsico.

A corrupção no Irã era generalizada e fortemente denunciada pelos Ulemás. Estas lideranças religiosas eram seguidas pelos estudantes, sendo certo que o movimento estudantil contribuiu decisivamente nas ruas para a radicalização da revolução – basta lembrar que foram estudantes que em 4.11.1979 tomaram de assalto a embaixada norte-americana em Teerã e mantiveram como reféns 52 pessoas por 444 dias.

A data de 7.8.1978 ficou conhecida como a “Sexta feira Negra”.  Durante o protesto, mais de 100 manifestantes foram mortos pela polícia em Teerã. Em 11.12.1978, 1 milhão de pessoas tomaram as ruas da capital protestando contra o Xá.  Cerca de 30 dias depois, Mohammed Reza Pahlavi fugiria do Irã, abrindo o caminho para a ascensão de Khomeini e a instituição de uma República Islâmica.

Aliados da revolução passaram a ser perseguidos, como o já mencionado partido Tudech. Estima-se que nos primeiros cinco anos da Revolução Iraniana, houve 10 000 executados e 40 000 presos políticos pelo novo regime. Outro desdobramento da revolução iraniana foi a Guerra entre este país e o Iraque, presidido então por Saddam Hussein.

REVOLUÇÃO PERDIDA?

A transformação radical das estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais, bem como a aceleração dos tempos históricos são os traços que caracterizam as revoluções. Nem sempre as revoluções assumem contornos anticapitalistas e apontam para a alternativa societária socialista/comunista. Na verdade, a maioria das revoluções corresponde a oportunidades perdidas: mesmo o seu triunfo inicial com a queda de um regime odiado pela população não garante a transformação qualitativa do regime político, das formas sociais e da estrutura econômica. Outra dificuldade criada pela história dos movimentos revolucionários: Como dar um fim à revolução vitoriosa sem rejeitá-la no plano ideológico e prático?

BIBLIOGRAFIA: GORDON, Matthew. “Khomeini – Os Grandes Líderes” – Ed. Nova Cultural. 1987.

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