“A
Hora da Estrela” – Clarice Lispector
Resenha
Livro - “A Hora da Estrela” – Clarice Lispector – Editora Rocco Ltda.
“A
vida é um soco no estômago”
Clarice
Lispector nasceu em Tchetchelnik, pequena cidade da Ucrânia, no ano de 1920.
Chegou ao Brasil com dois meses de idade, naturalizando-se brasileira
posteriormente, mas conservando desde sempre o sotaque estrangeiro. Criou-se em
Maceió e Recife, transferindo-se aos dezoito anos para o Rio de Janeiro onde
ingressou na faculdade de Direito. Clarice viveu muitos anos no exterior em
função de casamento com um diplomata brasileiro. Teve dois filhos e faleceu em
dezembro de 1977.
“A
Hora da Estrela” foi o último livro publicado pela autora, no ano de 1977.
Trata-se de uma novela em que os fatos e acontecimentos tem menos importância
do que a análise da personagem principal, bem como a exposição das inquietações
do narrador, que ocupa uma função estratégica na narrativa.
A
história se passa no Rio de Janeiro. Macabéa, a protagonista, é alagoana: aos
dois anos de idade perdeu pai e mãe e passa a ser criada por uma tia beata que
a educa com cocorotes na cabeça. Com esta única parente viva, transfere-se para
o Rio de Janeiro onde arranja trabalho como datilógrafa. A morte da tia tem
como implicação a ausência de qualquer referência parental por Macabéa, um fato
decisivo para explicar alguns aspectos da personalidade da protagonista. Macabéa
é feia, sem graça, totalmente ignorada pelo mundo. O seu primeiro e único
namorado, Olímpico de Jesus, rompe com a datilógrafa para ficar com sua colega Glória.
A justificativa pelo rompimento do namoro é a seguinte:
-
Você Macabéa é como uma mosca na sopa. Não dá vontade de comer.
As
primeiras passagens da novela são inusitadas: o narrador parece protelar o
início da história. Contar a história de Macabéa envolve ao autor uma alta dose
de sofrimento emocional: medo e hesitação decorrentes de um esforço de
alteridade que o escritor procura estender ao leitor. O narrador exige do
leitor a mesma capacidade de se colocar no lugar de Macabéa. A verdade da
narrativa não são apenas os fatos mas o sussurros do narrador que envolvem a
emoção associado ao ato de escrever.
Esta
alteridade também está relacionada ao aspecto representativo de Macabéa:
“Macabéa
pertence a uma raça anã que talvez um dia reivindique o direito ao grito” – tratar-se-ia
do povo brasileiro adormecido e anestesiado ante as arbitrariedades e injustiças
produzidas pela história, pela dominação ideológica pelas relações sociais
vigentes?
Macabéa
é um parafuso inútil numa sociedade técnica. Contudo, a personagem não sofre
quanto ao seu destino: a protagonista não sabe sequer quem ela é como um cachorro
não sabe que é um cachorro.
A
Hora da Estrela corresponde ao momento da morte, talvez o único instante em que
Macabéa deu notícias de sua existência. Antes do atropelamento, fora a uma
cartomante que lhe dera uma “sentença de vida” e suscitara em seu espírito um
fiapo de esperança. Mas a esperança se dissolve ante a dura realidade que
reitera a inutilidade de Macabéa. Sempre sem questionar, sempre sem criticar,
sempre admitindo a realidade com uma paciência bovina, Macabéa é patética na
medida em que tem algo de engraçado e algo de triste.
Acho interessante que o senhor Rodrigo S.M. é o narrador da história e, dar ares, ser uma representação da própria autora. Ele faz ao longo do livro várias reflexões sobre o ato de escrever. Clarice escreve de forma peculiar este livro, se colocando ora como narradora ora com como personagem. A autora aqui parece tentar compreender o ser humano de forma mais profunda para entender sua natureza.
ResponderExcluirMuito boa a sua Resenha!