sexta-feira, 5 de junho de 2020

“A Hora da Estrela” – Clarice Lispector


“A Hora da Estrela” – Clarice Lispector 



Resenha Livro - “A Hora da Estrela” – Clarice Lispector – Editora Rocco Ltda.

“A vida é um soco no estômago”

Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik, pequena cidade da Ucrânia, no ano de 1920. Chegou ao Brasil com dois meses de idade, naturalizando-se brasileira posteriormente, mas conservando desde sempre o sotaque estrangeiro. Criou-se em Maceió e Recife, transferindo-se aos dezoito anos para o Rio de Janeiro onde ingressou na faculdade de Direito. Clarice viveu muitos anos no exterior em função de casamento com um diplomata brasileiro. Teve dois filhos e faleceu em dezembro de 1977.

“A Hora da Estrela” foi o último livro publicado pela autora, no ano de 1977. Trata-se de uma novela em que os fatos e acontecimentos tem menos importância do que a análise da personagem principal, bem como a exposição das inquietações do narrador, que ocupa uma função estratégica na narrativa.

A história se passa no Rio de Janeiro. Macabéa, a protagonista, é alagoana: aos dois anos de idade perdeu pai e mãe e passa a ser criada por uma tia beata que a educa com cocorotes na cabeça. Com esta única parente viva, transfere-se para o Rio de Janeiro onde arranja trabalho como datilógrafa. A morte da tia tem como implicação a ausência de qualquer referência parental por Macabéa, um fato decisivo para explicar alguns aspectos da personalidade da protagonista. Macabéa é feia, sem graça, totalmente ignorada pelo mundo. O seu primeiro e único namorado, Olímpico de Jesus, rompe com a datilógrafa para ficar com sua colega Glória. A justificativa pelo rompimento do namoro é a seguinte:

- Você Macabéa é como uma mosca na sopa. Não dá vontade de comer.

As primeiras passagens da novela são inusitadas: o narrador parece protelar o início da história. Contar a história de Macabéa envolve ao autor uma alta dose de sofrimento emocional: medo e hesitação decorrentes de um esforço de alteridade que o escritor procura estender ao leitor. O narrador exige do leitor a mesma capacidade de se colocar no lugar de Macabéa. A verdade da narrativa não são apenas os fatos mas o sussurros do narrador que envolvem a emoção associado ao ato de escrever.

Esta alteridade também está relacionada ao aspecto representativo de Macabéa:

“Macabéa pertence a uma raça anã que talvez um dia reivindique o direito ao grito” – tratar-se-ia do povo brasileiro adormecido e anestesiado ante as arbitrariedades e injustiças produzidas pela história, pela dominação ideológica pelas relações sociais vigentes?

Macabéa é um parafuso inútil numa sociedade técnica. Contudo, a personagem não sofre quanto ao seu destino: a protagonista não sabe sequer quem ela é como um cachorro não sabe que é um cachorro.

A Hora da Estrela corresponde ao momento da morte, talvez o único instante em que Macabéa deu notícias de sua existência. Antes do atropelamento, fora a uma cartomante que lhe dera uma “sentença de vida” e suscitara em seu espírito um fiapo de esperança. Mas a esperança se dissolve ante a dura realidade que reitera a inutilidade de Macabéa. Sempre sem questionar, sempre sem criticar, sempre admitindo a realidade com uma paciência bovina, Macabéa é patética na medida em que tem algo de engraçado e algo de triste.

Um comentário:

  1. Acho interessante que o senhor Rodrigo S.M. é o narrador da história e, dar ares, ser uma representação da própria autora. Ele faz ao longo do livro várias reflexões sobre o ato de escrever. Clarice escreve de forma peculiar este livro, se colocando ora como narradora ora com como personagem. A autora aqui parece tentar compreender o ser humano de forma mais profunda para entender sua natureza.
    Muito boa a sua Resenha!

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