“Curso de
Direito Processual do Trabalho” – Enoque Ribeiro dos Santos e Ricardo Antônio
Bittar Hajel Filho
Resenha
Livro - “Curso de Direito Processual do Trabalho” – Enoque Ribeiro dos Santos e
Ricardo Antônio Bittar Hajel Filho – Ed. Atlas
Como
qualquer outro fenômeno social de grande envergadura, o direito e o seu
entendimento irá variar bastante a partir dos pressupostos
teórico-metodológicos associados ao entendimento dos problemas jurídicos.
Obviamente, nem sempre tais pressupostos exsurgem de forma consciente a partir
de uma escolha do intérprete: assim, pode-se falar de uma certa hegemonia do
positivismo jurídico que de maneira geral equipara o justo e o direito à sua
expressão positivada, nas leis e outras normas jurídicas. O positivismo
jurídico certamente cumpre um papel funcional na medida em que busca desvirtuar
as decisões dos tribunais como imparciais, assim como os sentidos da norma ou
mesmo a própria definição do direito: o direito é a lei e saber o direito é
saber as normas jurídicas positivadas e escalonadas a partir da constituição. Até mesmo as diferentes possibilidades de
interpretação da norma jurídica são tecnicamente limitadas a certos arranjos
doutrinários de modo a sempre conferir à norma jurídica o primado acerca das definições
do justo, livre de influências da história, da sociologia, da filosofia. Daí a
noção de Teoria “Pura” do direito do maior expoente do positivismo jurídico,
Hans Kelsen.
Nestes
marcos, parece-nos que as teorias críticas do direito que remontam
originalmente às ideias de Marx possibilitam por um lado uma visão mais
abrangente do problema jurídico – muito mais do que uma expressão da dominação
econômica e como um instrumento de dominação de classes desde o estado
capitalista, o direito integra o próprio DNA do modo de produção capitalista.
Foi e é necessária a criação de figuras jurídicas como o contrato e a noção de
sujeito de direito de modo a substituir as formas de trabalho sob a servidão ou
sob a escravidão para uma relação baseada na mercantilização da força de
trabalho. As transações comerciais exigiram a criação do estado, do processo e
do procedimento de modo a garantir segurança e previsibilidade nas operações
comerciais.
A atenuação dos conflitos tipicamente trabalhistas foram pelo menos
desde o início do século XX suscitadas como objeto de preocupação do direito,
ou do direito do trabalho, garantindo não só a mediação de conflitos com o
condão de desafiar a ordem social capitalista constituída mas até mesmo criar
condições de dignidade dos trabalhadores e poder aquisitivo no sentido de se
desenvolver o mercado de consumo.
Se o
direito é especificamente capitalista no sentido de que a forma jurídica como
uma espécie de fôrma modulasse e pavimentasse o caminho para a reprodução da
sociabilidade capitalista (extração de mais valia absoluta e relativa o que
envolve normas sobre jornada de trabalho entre outros; institutos jurídicos de
proteção da propriedade; e alienação do trabalho sob a forma assalariada). Certamente
o exame do direito do trabalho e do direito processual do trabalho propiciam
uma perspectiva privilegiada acerca da própria dinâmica da luta de classes no
país e no mundo, possibilitando mesmo fazer algumas previsões envolvendo
tendências atuais.
Como a
reforma trabalhista perpetrada pelo governo golpista de Michel Temer
demonstrou, com a inequívoca pressa com que o projeto de lei foi discutido,
votado e aprovado, sem qualquer negociação entre capital e trabalho, e
atropelando princípios do direito do trabalho, normas da CLT e da legislação
extravagante e em alguns casos atropelando a constituição, este primeiro
assalto só foi possível porque a correlação de forças políticas inverteu-se
desde o período do fim do governo Dilma até o golpe de estado. Assim, entendemos
que para a teoria crítica, não bastará a reflexão filosófica ou sociológica do
direito em que pesem serem igualmente temas decisivos – é importante ir além e
desvendas as contradições que envolvem o direito positivo, o direito posto, sem
com isso reduzir o alcance teórico-metodológico ao nível do positivismo
jurídico[1].
Está ainda
em curso uma operação que visa enfraquecer tanto o direito do trabalho como
instituições consolidadas ao longo da história, como os tribunais superiores e
os sindicatos, que ao que tudo indica se opõem em certos aspectos aos
interesses atuais do regime golpista que dirige o país. A reforma trabalhista
por um lado extinguiu a contribuição sindical e buscou reduzir o papel dos
tribunais superiores do trabalho no que tange a conformação de sua
jurisprudência vinculante. Para dar um exemplo, temos a terceirização – neste caso as
condições objetivas do mundo do trabalho andaram à frente da justiça do
trabalho, tendo sido necessário que os juízes discutissem o tema através de
analogia com outros institutos. Da mesma forma como o teletrabalho previsto pela reforma já havia sido tratado por interpretação analógica do regime de sobreaviso dos ferroviários.
Acerca da terceirização, há alguns anos foi publicada a súmula 331 do TST que previa:
Acerca da terceirização, há alguns anos foi publicada a súmula 331 do TST que previa:
I. A contratação de trabalhadores por empresa
interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de
serviços salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.1974).
II. A contratação irregular de trabalhador, através
de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os Órgãos da
Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da
Constituição da República).
III. Não forma vínculo de emprego com o tomador a
contratação de serviços de vigilância (Lei 7.102, de 20.6.1983), de conservação
e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade – meio do
tomador dos serviços, desde que inexista a pessoalidade e a subordinação
direta.
IV. O inadimplemento das obrigações trabalhistas,
por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador de
serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da
administração direta, das autarquias, das fundações públicas e das sociedades
de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem
também do título executivo judicial (art. 71 da Lei 8.666/93). (Alterado pela
Res. N. 96, de 11.9.2000, DJ 29.9.2000)[1]
A reforma
trabalhista inovou ao estabelecer que a terceirização não seria lícita apenas
quando a empresa atuasse em atividade meio, mas em atividade fim da empresa
contratante. Na prática amplia substancialmente as possibilidades de terceirização enquanto se sabe que o regime de trabalho e a remuneração dos terceirizados são substancialmente reduzidos.
Aspectos Históricos
Aspectos Históricos
A justiça
do trabalho foi criada a partir da constituição de 1934 na Era Vargas
(1930-45). Num primeiro momento a justiça laboral tinha caráter do tipo administrativo e era ligada ao poder executivo. Haviam juízes classistas, com representação de capital e trabalho e a
execução das decisões eram realizadas na justiça comum. Em 1940 a justiça do
trabalho ganha maior autonomia . Quando da promulgação da Constituição Federal de
1946, durante o governo do liberal e anti-comunista de Dutra, a justiça do
trabalho passou a ser órgão integrante do Poder Judiciário da União desfrutando
a partir daqui de condição efetiva de justiça especializada. (Houve com a emenda constitucional 45/2004 ampliação importante da competência da justiça do trabalho com as mudanças do art. 114 da CF/88 que vale a pena ser conhecido).
Como explicar o atual cenário em que passados meio século, parece haver movimento no sentido de regressão ao séc. XIX, equiparando o direito do trabalho e as relações de empregos equiparadas às regras do direito privado (civil) desconsiderando o princípio da proteção ou especificidades que informam o contrato de trabalho[2]? Como é possível que haja discussões abertas sobre o fim da justiça do trabalho sem que haja qualquer reação dos diretamente envolvido, especialmente os sindicatos dos trabalhadores, face ao risco real e iminente da retirada de mais direitos? Certamente, o cenário aberto pelo fim da 2ª Guerra Mundial, quando o exército vermelho destruiu militarmente o nazi-fascismo e com a consolidação mundial da URSS, estes eventos criaram melhores condições para os trabalhadores obterem direitos e fazerem promover reformas sociais a seu favor. A reforma trabalhista de 2017 passou praticamente sem luta, mas nada significa que o gigantesco proletariado brasileiro permanecerá indefinidamente passivo diante da atual situação.
Como explicar o atual cenário em que passados meio século, parece haver movimento no sentido de regressão ao séc. XIX, equiparando o direito do trabalho e as relações de empregos equiparadas às regras do direito privado (civil) desconsiderando o princípio da proteção ou especificidades que informam o contrato de trabalho[2]? Como é possível que haja discussões abertas sobre o fim da justiça do trabalho sem que haja qualquer reação dos diretamente envolvido, especialmente os sindicatos dos trabalhadores, face ao risco real e iminente da retirada de mais direitos? Certamente, o cenário aberto pelo fim da 2ª Guerra Mundial, quando o exército vermelho destruiu militarmente o nazi-fascismo e com a consolidação mundial da URSS, estes eventos criaram melhores condições para os trabalhadores obterem direitos e fazerem promover reformas sociais a seu favor. A reforma trabalhista de 2017 passou praticamente sem luta, mas nada significa que o gigantesco proletariado brasileiro permanecerá indefinidamente passivo diante da atual situação.
[1] É
comum encontrar referência a uma suposta nova etapa do direito de forma geral
ou ao menos do direito constitucional a partir da expressão “pós-positivismo”.
Ainda que haja uma quase unanimidade acerca da auto-aplicabilidade de direitos
e garantias fundamentais previstos na constituição, sabemos que, dado o alto
nível de arbitrariedade institucional que grassa num país desigual como o Brasil,
nem as normas constitucionais nem os princípios (dignidade humana, presunção de
inocência, vedação do uso de provas ilícitas) são observados e concretizados no
país.
[2] É
o que se constata entre outros do art. 8º da CLT alterado pela reforma: §
3o No exame de convenção coletiva ou
acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a
conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o
disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil),
e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da
vontade coletiva.
(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
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