segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

“Curso de Direito Processual do Trabalho” – Enoque Ribeiro dos Santos e Ricardo Antônio Bittar Hajel Filho


“Curso de Direito Processual do Trabalho” – Enoque Ribeiro dos Santos e Ricardo Antônio Bittar Hajel Filho



Resenha Livro - “Curso de Direito Processual do Trabalho” – Enoque Ribeiro dos Santos e Ricardo Antônio Bittar Hajel Filho – Ed. Atlas

Como qualquer outro fenômeno social de grande envergadura, o direito e o seu entendimento irá variar bastante a partir dos pressupostos teórico-metodológicos associados ao entendimento dos problemas jurídicos. Obviamente, nem sempre tais pressupostos exsurgem de forma consciente a partir de uma escolha do intérprete: assim, pode-se falar de uma certa hegemonia do positivismo jurídico que de maneira geral equipara o justo e o direito à sua expressão positivada, nas leis e outras normas jurídicas. O positivismo jurídico certamente cumpre um papel funcional na medida em que busca desvirtuar as decisões dos tribunais como imparciais, assim como os sentidos da norma ou mesmo a própria definição do direito: o direito é a lei e saber o direito é saber as normas jurídicas positivadas e escalonadas a partir da constituição.  Até mesmo as diferentes possibilidades de interpretação da norma jurídica são tecnicamente limitadas a certos arranjos doutrinários de modo a sempre conferir à norma jurídica o primado acerca das definições do justo, livre de influências da história, da sociologia, da filosofia. Daí a noção de Teoria “Pura” do direito do maior expoente do positivismo jurídico, Hans Kelsen.  

Nestes marcos, parece-nos que as teorias críticas do direito que remontam originalmente às ideias de Marx possibilitam por um lado uma visão mais abrangente do problema jurídico – muito mais do que uma expressão da dominação econômica e como um instrumento de dominação de classes desde o estado capitalista, o direito integra o próprio DNA do modo de produção capitalista. Foi e é necessária a criação de figuras jurídicas como o contrato e a noção de sujeito de direito de modo a substituir as formas de trabalho sob a servidão ou sob a escravidão para uma relação baseada na mercantilização da força de trabalho. As transações comerciais exigiram a criação do estado, do processo e do procedimento de modo a garantir segurança e previsibilidade nas operações comerciais. 

A atenuação dos conflitos tipicamente trabalhistas foram pelo menos desde o início do século XX suscitadas como objeto de preocupação do direito, ou do direito do trabalho, garantindo não só a mediação de conflitos com o condão de desafiar a ordem social capitalista constituída mas até mesmo criar condições de dignidade dos trabalhadores e poder aquisitivo no sentido de se desenvolver o mercado de consumo.

Se o direito é especificamente capitalista no sentido de que a forma jurídica como uma espécie de fôrma modulasse e pavimentasse o caminho para a reprodução da sociabilidade capitalista (extração de mais valia absoluta e relativa o que envolve normas sobre jornada de trabalho entre outros; institutos jurídicos de proteção da propriedade; e alienação do trabalho sob a forma assalariada). Certamente o exame do direito do trabalho e do direito processual do trabalho propiciam uma perspectiva privilegiada acerca da própria dinâmica da luta de classes no país e no mundo, possibilitando mesmo fazer algumas previsões envolvendo tendências atuais.

Como a reforma trabalhista perpetrada pelo governo golpista de Michel Temer demonstrou, com a inequívoca pressa com que o projeto de lei foi discutido, votado e aprovado, sem qualquer negociação entre capital e trabalho, e atropelando princípios do direito do trabalho, normas da CLT e da legislação extravagante e em alguns casos atropelando a constituição, este primeiro assalto só foi possível porque a correlação de forças políticas inverteu-se desde o período do fim do governo Dilma até o golpe de estado. Assim, entendemos que para a teoria crítica, não bastará a reflexão filosófica ou sociológica do direito em que pesem serem igualmente temas decisivos – é importante ir além e desvendas as contradições que envolvem o direito positivo, o direito posto, sem com isso reduzir o alcance teórico-metodológico ao nível do positivismo jurídico[1].

Está ainda em curso uma operação que visa enfraquecer tanto o direito do trabalho como instituições consolidadas ao longo da história, como os tribunais superiores e os sindicatos, que ao que tudo indica se opõem em certos aspectos aos interesses atuais do regime golpista que dirige o país. A reforma trabalhista por um lado extinguiu a contribuição sindical e buscou reduzir o papel dos tribunais superiores do trabalho no que tange a conformação de sua jurisprudência vinculante. Para dar um exemplo, temos a terceirização – neste caso as condições objetivas do mundo do trabalho andaram à frente da justiça do trabalho, tendo sido necessário que os juízes discutissem o tema através de analogia com outros institutos. Da mesma forma como o teletrabalho previsto pela reforma já havia sido tratado por interpretação analógica do regime de sobreaviso dos ferroviários.

Acerca da terceirização, há alguns anos foi publicada a súmula 331 do TST que previa:

I. A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.1974).
II. A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os Órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).
III. Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei 7.102, de 20.6.1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade – meio do tomador dos serviços, desde que inexista a pessoalidade e a subordinação direta.
IV. O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei 8.666/93). (Alterado pela Res. N. 96, de 11.9.2000, DJ 29.9.2000)[1]

A reforma trabalhista inovou ao estabelecer que a terceirização não seria lícita apenas quando a empresa atuasse em atividade meio, mas em atividade fim da empresa contratante. Na prática amplia substancialmente as possibilidades de terceirização enquanto se sabe que o regime de trabalho e a remuneração dos terceirizados são substancialmente reduzidos. 

Aspectos Históricos

A justiça do trabalho foi criada a partir da constituição de 1934 na Era Vargas (1930-45). Num primeiro momento a justiça laboral tinha caráter do tipo administrativo e era ligada ao poder executivo. Haviam juízes classistas, com representação de capital e trabalho e a execução das decisões eram realizadas na justiça comum. Em 1940 a justiça do trabalho ganha maior autonomia . Quando da promulgação da Constituição Federal de 1946, durante o governo do liberal e anti-comunista de Dutra, a justiça do trabalho passou a ser órgão integrante do Poder Judiciário da União desfrutando a partir daqui de condição efetiva de justiça especializada. (Houve com a emenda constitucional 45/2004 ampliação importante da competência da justiça do trabalho com as mudanças do art. 114 da CF/88 que vale a pena ser conhecido). 

Como explicar o atual cenário em que passados meio século, parece haver movimento no sentido de regressão ao séc. XIX, equiparando o direito do trabalho e as relações de empregos equiparadas às regras do direito privado (civil) desconsiderando o princípio da proteção ou especificidades que informam o contrato de trabalho[2]? Como é possível que haja discussões abertas sobre o fim da justiça do trabalho sem que haja qualquer reação dos diretamente envolvido, especialmente os sindicatos dos trabalhadores, face ao risco real e iminente da retirada de mais direitos? Certamente, o cenário aberto pelo fim da 2ª Guerra Mundial, quando o exército vermelho destruiu militarmente o nazi-fascismo e com a consolidação mundial da URSS, estes eventos criaram melhores condições para os trabalhadores obterem direitos e fazerem promover reformas sociais a seu favor. A reforma trabalhista de 2017 passou praticamente sem luta, mas nada significa que o gigantesco proletariado brasileiro permanecerá indefinidamente passivo diante da atual situação.  






[1] É comum encontrar referência a uma suposta nova etapa do direito de forma geral ou ao menos do direito constitucional a partir da expressão “pós-positivismo”. Ainda que haja uma quase unanimidade acerca da auto-aplicabilidade de direitos e garantias fundamentais previstos na constituição, sabemos que, dado o alto nível de arbitrariedade institucional que grassa num país desigual como o Brasil, nem as normas constitucionais nem os princípios (dignidade humana, presunção de inocência, vedação do uso de provas ilícitas) são observados e concretizados no país.   
[2] É o que se constata entre outros do art. 8º da CLT alterado pela reforma: § 3o  No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.                (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)         (Vigência)

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