“Comentários à Reforma Trabalhista” –
Homero Batista Mateus da Silva
Resenha Livro - “Comentários à Reforma
Trabalhista” – Homero Batista Mateus da Silva – Ed. Revista dos Tribunais
Há uma certa percepção generalizada no
pensamento social da esquerda que, influenciado pelo “Contribuição à Crítica da
Economia Política[1]”
(1859) de Marx, irá reduzir o problema do direito a uma mera expressão ou
superestrutura dos movimentos econômicos – o direito é o reflexo ou projeção da
dominação econômica cuja expressão jurídica mais importante é o da propriedade
privada. Seria a partir da contribuição de Pashukanis no contexto da Revolução
Russa que se constataria como o Direito, mais do que uma expressão de dominação
político ideológica do estado capitalista, está antes no próprio DNA do modo de
produção – não só resultado das alterações societárias produzidas pela
indústria, pelo trabalho assalariado e a conformação do estado nacional, mas
como elemento que garante a própria reprodução societária capitalista. Neste
sentido o direito tal como o conhecemos é especificamente capitalista, afirmará
Pashukanis. Institutos jurídicos como a noção de sujeito de direito e a
existência de um Estado Nacional que garanta segurança jurídica para as
operações econômicas exige que não se reduza o alcance do estudo das leis ao
âmbito de sua inserção na história e na sociedade mas produza também discussões
sobre o direito positivo em si.
Certamente, levará algum tempo para se
descobrir quais serão os efeitos concretos das muitas mudanças na legislação
trabalhista durante o inverno do ano de 2017 no Brasil. Um estudo mais acurado
das mudanças legislativas deve ter como premissa o contexto político associado
ao golpe de estado e a construção de uma maioria parlamentar que propiciasse a
retirada de direitos sem a devida reação dos trabalhadores do Brasil. A dura e
amarga verdade é que o trabalho insalubre a ser exercido pela mulher grávida
(art. 394 CLT), a jornada de 12 por 36 igualmente em ambientes de
insalubridade, a formalização do bico por meio do trabalho intermitente ou a
relativização do princípio da irredutibilidade salarial (art. 444 CLT) entre outros, foram discutidas, aprovadas e
convertidas em lei numa velocidade até então não vista e sem a reação à altura
dos trabalhadores e, especialmente, dos sindicatos. Não houve sequer tempo para
que as próprias instituições do estado capitalista assimilassem as mudanças:
enquanto via de regra a vacatio legis da lei (como no código civil de 2002 ou o
código de processo civil de 2015) duram 1 ano, o tempo entre a publicação e
vigência da reforma trabalhista foi de apenas 180 dias.
Ainda que o objetivo destes
comentários seja o de discutir a reforma legislativa de um ponto de vista
estritamente jurídico, fica evidente como as mudanças procuraram mostrar-se
como suposto meio de tolher o desemprego e modernizar as relações no trabalho.
Falsificação do problema nos dois casos. Com relação à urgência, observa-se que
a mesma esteve longe de atender a reais necessidades de mudanças/reformas ao
menos no que tange os interesses dos trabalhadores. Para ficar com dois
exemplos: o capítulo da CLT acerca de saúde e segurança do trabalho que
disciplina os efeitos do trabalho sob condições insalubres (calor, frio,
contatos com radiação, agentes biológicos, etc.) data ainda dos anos 1970
enquanto os estudos sobre o tema avançaram bastante nos últimos anos – todavia,
em nada foi mudada as normas da CLT e deverão ser mantidas as resoluções do MTE
acerca do tempo de exposição, grau de insalubridade, espécies de agentes
associados ao adoecimento no trabalho etc. Por outro lado, o adicional de
penosidade do trabalho, previsto na CF/88 no art. 7º XXIII, ainda carece de
regulamentação mas, pelo visto, passou ao largo das preocupações do legislador.
Como se sabe, antes da queda da
presidenta Dilma, o governo estabeleceu um movimento sinuoso e equívoco no
sentido de procurar conciliar os interesses entre o governo e setores da
burguesia ainda indecisos quanto à exigência da derrubada pelo golpe de estado.
Foi neste contexto em que se deu a nomeação de Levy, um liberal nomeado
ministro da economia. O que se esquece é que Dilma igualmente sinalizou ataques
que de certa forma prenunciaram artigos de lei mudados pela reforma
trabalhista. Esteve em pauta no governo uma definição legislativa para tema que
vinha sendo tratado pela jurisprudência trabalhista em face do vazio legislativo
– trata-se da possibilidade de ampliação da terceirização, não só desenvolvida
na atividade meio, mas agora desenvolvida na atividade fim da empresa.
Outra
discussão que já havia sido encampado pelo governo derrubado envolve as normas
das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho. Até então a negociação coletiva
(que é a realizada entre sindicato patronal e de trabalhadores ou entre
sindicato de trabalhadores e empresa) não poderia estipular normas com menos
direitos do que o previsto em lei. O art. 611-A muda este panorama:
''Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho
têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites
constitucionais;
II – banco de horas anual;
III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta
minutos para jornadas superiores a seis horas;
IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a lei 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição
pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como
funções de confiança;
VI – regulamento empresarial;
VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho
intermitente;
IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas
percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X – modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI – troca do dia de feriado;
XII – enquadramento do grau de insalubridade;
XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença
prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente
concedidos em programas de incentivo;
XV – participação nos lucros ou resultados da empresa.
§ 1º No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de
trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3º do art. 8º desta
Consolidação.
§ 2º A inexistência de expressa indicação de contrapartidas
recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará
sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.
§ 3º Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a
convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção
dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do
instrumento coletivo.
§ 4º Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de
convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula
compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito.
§ 5º Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo
coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em
ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas
desses instrumentos. ''
Observe-se que a Reforma reitera em
mais de um artigo o princípio da intervenção mínima à autonomia coletiva – isto
está expresso no art. 8º § 3º da CLT, igualmente reformado. Pelo requisito, o
judiciário deveria se ater a observar os requisitos formais da norma coletiva de
trabalho se omitindo quanto ao mérito.
Um sindicato poderia autorizar a contratação de mão de obra infantil,
observados os requisitos formais de elaboração da norma coletiva?
Seja como for, ainda no governo Dilma,
houve resistência nas ruas, culminando em grandes atos no largo da batata (SP)
contra as reformas. Aqueles movimentos não tinham clareza ou convicção de que o
governo do partido dos trabalhadores estava em risco, mas, por outro lado,
revelaram-se suficientes para intimidar o governo a engavetar o chamado projeto
ACE (acordo coletivo especial, apoiado pela CUT) bem como não passar o projeto
da terceirização. Por que então um pacote de ataques aos direitos dos
trabalhadores desta feita por um governo com zero popularidade foi concretizado
com tanta facilidade e sem resistência?
Talvez aqui não haja exagero na
afirmação do Juiz do Trabalho Jorge Souto Maior de que a reforma trabalhista de
2017 poderia ser reduzida em uma única norma fundamental – fica extinto o
direito do trabalho no Brasil. Cobrança de honorários de sucumbência ao
reclamante trabalhador, fim da contribuição sindical, possibilidade (ainda que
em casos por ora restritos) de arbitragem na justiça do trabalho, a rescisão
contratual por mútuo acordo, o fim a ultraatividade das normas coletivas do
trabalho que deixam de integrar de forma permanente o contrato de trabalho;
ataques ao quanto entendido e sumulado pelos tribunais superiores e regras
draconianas de produção de súmulas parecem expressar um movimento inverso na
história, de reaproximação do direito do trabalho com o direito civil, do
direito processual do trabalho ao direito processual civil, do século XXI ao
século XIX.
Um contrato de trabalho não deveria guardar a mais pálida coincidências
com um contrato entre particulares como um contrato de comodato ou compra e
venda. A margem de escolha de um trabalhador face a seu empregador não deveria
ser encarada sobre o viés do pacta sunt servanda. O princípio protetor que
reconhece a vulnerabilidade e hipossuficiência do trabalhador face ao
empregador são mitigados – talvez aqui o caso mais emblemático seja o do
trabalho intermitente, um bico oficial altamente precarizado em que empregado
registrado não tem assegurado por até um ano o salário, o trabalho e os
benefícios previdenciários.
Temos muito o que estudar e averiguar,
particularmente sobre os impactos da reforma trabalhista nos tribunais, a
postura dos juízes e das cortes superiores com função de unificar nacionalmente
a jurisprudência. Muitas normas serão submetidas ao crivo de
constitucionalidade pelo STF. Súmulas deverão ser moduladas e canceladas. A
única certeza é a de que apenas uma força material que se baseie na mobilização
popular poderá reverter a atual situação defensiva do movimento de
trabalhadores no brasil incluindo a revogação da Lei 13.467/17.
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