domingo, 3 de abril de 2016

“Três Anos” – A. P. Tchekhov

“Três Anos” – A. P. Tchekhov




Resenha Livro – 216 - “Três Anos” – A. P. Tchekhov – Editora 34

Esta novela deste escritor russo tão lembrado pelos seus contos foi publicada no ano de 1895. 

Podemos considerar a novela como um meio termo entre o conto e o romance: os contos são histórias mais curtas, devem ter maior poder de síntese quando buscam sinalizar alguma ideia ou algum fim/conclusão e costumam ter menos personagens; os romances podem ter uma solução de continuidade maior, com os mais diversos personagens e eventualmente concorrendo mais de uma história que vão se entrecruzar até o encerramento da narrativa. A novela é o elo intermediário entre o conto e o romance, tanto no que tange a extensão da história quanto ao número de personagens. De quando da publicação de “Três Anos” (1895), Tchekhov já adquirira sua fama como contista que aliás conquistara desde o tempo de estudante de medicina na Universidade de Moscou quando escrevia para o seu sustento e de sua família. Quando começa a trabalhar em 1886  na Novoie Vrêmie sua fama se alastra, destacando os trabalhos “A Estepe” (1888), “O Assassinato” (1895), conto baseado na sua experiência na ilha Sacalina participando do Censo de uma colônia Penal e a novela “Minha Vida” (1896) que tem muitas interfaces com a novela “Três Anos”

“Três anos” e uma particularidade de Tchekhov

Novela escrita em 1895, por um autor que apesar de ser filho de um humilde comerciante, ascende socialmente e recebe visitas de Górki e Lev Tolstói, A. Tchekhov observa o processo de modernização a que a Rússia passa a partir de meados e fins do século XIX. Trata-se aliás de um fenômeno mesmo mais global em que o desenvolvimento das ciências, incluindo o das ciências naturais, investe nos homens do fim daquele século a expectativa da explicação dos fenômenos do mundo a partir da ciência e das novas disciplinas que estavam sendo conformadas – a sociologia, a história e a economia enquanto disciplinas autônomas são daqueles períodos. Todo este arsenal teórico metodológico coloca-se a serviço de responder a seguinte questão: o que fazer? Qual o caminho a Rússia deve trilhar? 

Indagações especialmente pertinentes diante do novo contexto criado pela maior transformação social colocada por aquele país, o fim da servidão em 19 de Fevereiro de 1861. Certamente havia uma camada de intelectuais mais influenciados por ideias liberais do ocidente, havia setores mais conservadores pro Rússia que se ressentiam desta ocidentalização, setores intermediários. Estes pontos de vistas vão aparecendo pontualmente nas obras de Tchekhov mas sem se oferecer uma resposta conclusiva. Ou seja, em “Três Anos”, cujas temáticas principais poderíamos estabelecer como o problema geral do amor e da nova posição da aristocracia naquela sociedade em transformação, nenhuma indicação conclusiva por parte do escritor nos é colocada: é como se, para o escritor, sua função fosse a de levantar as questões sendo papel de juiz a do próprio leitor.

A questão o Amor

Aleksei Láptiev é filho de um comerciante rico de Moscou mas depois dos vinte anos muda-se com a irmã para uma cidade no distrito. Suas recordações de infância envolvem o trabalho no armazém onde era açoitado diuturnamente pelo pai o que até a vida adulta fez dele um homem fraco, vacilante e covarde. Ao que se percebe que tais hesitações acabam tendo influência direta em sua vida amorosa. Em carta a um amigo de Moscou vai revelando como sua percepção sobre o que é o amor nunca teve qualquer firmeza num sentido de uma segurança de si próprio: por um momento chegou a acreditar que o amor é um engodo, e que tudo o que existe é atração pelo sexo; logo posteriormente chegou a acreditar amar piamente uma ilustre desconhecida que sequer sabia de sua existência. Finalmente, descobriu amar Iulia Belavina, uma amiga que fazia visitas a sua irmã que estava adoentada com câncer e que objetivamente o tratava com toda a frieza e indiferença.
Certa feita Iulia esqueceu sua sombrinha na cada dos irmãos e Láptiev acreditou ser sua chance de investir sobre quem tinha por amor. Foi uma cena patética: ao devolver a sombrinha começou a beijar o objeto, fez uma declaração que o envergonharia gravemente depois e foi tratado com uma dura rejeição. Um amor não correspondido pelo visto. 

Após a declaração, porém, Iulia  fez reflexões “pragmáticas” e ponderou sobre um casamento sem amor:

“Ela estava extenuada, sem forças e agora se convencia de que recusar um homem honesto, bom e apaixonado apenas porque ele não a agradava, principalmente quando, com este casamento, havia a possibilidade de mudar a própria vida, a sua vida triste, monótona e ociosa, em que a juventude estava indo embora e não se previa no futuro nada mais agradável, recusar diante dessas circunstâncias, e por causa disso Deus até podia castigar”.

E aquele casamento até então pouco provável consumou-se sempre considerando não se tratar de um amor não correspondido, o que já era de conhecimento do casal. Iulia não o amava, mas era uma chance de se casar e sair da casa do pai, um médico opressor. O casal mudou para Moscou e ainda assim não foram felizes em sua vida marital: mesmo Láptiev que ainda amava a esposa hesitava se um casamento sem amor teria sido a melhor escolha. Após um desentendimento do casal, por exemplo:

“Mas ela (Iulia) continuou a chorar, e ele (Láptiev) sentiu que ela suportava os seus carinhos apenas como consequência inevitável do próprio erro. E a perna, que ele beijara, ela apertava contra si, como um passarinho. Então ele teve pena dela.

Iúlia deitou-se e cobriu-se inteira até a cabeça ele se despiu e também deitou. De manhã ambos sentiam constrangidos e não sabiam o que falar, e a impressão que ele tinha era que ela até mancada da perna que ele beijara”. 

A evolução ou desenvolvimento do sentimento do casal não pára por aí. Fatores externos, como o nascimento de uma filha, e o próprio tempo iriam cuidar de mudar os sentimentos recíprocos do casal. O que se conclui é que o amor não é um sentimento linear, conciso, hermético. Parece mesmo que ele domina os personagens como uma força interior e independente.      

Questões Sociais

A grande casa comercial do velho Fiodor Stepanich sinaliza os momentos de transição da Rússia em fins do séc. XIX. Se por um lado se trata de uma casa capitalista, com altos rendimentos pecuniários, intimamente é motivo de algumas pequenas desgraças familiares e revela a não superação do tratamento imposto aos servos, com o mais grave tratamento de violência às crianças e empregados, vigilância total sobre os trabalhadores e a noção de que o patrão é um grande benfeitor pelo qual todos os empregados devem rezar e agradecer. Ou seja, observa-se ainda muito de uma cultura feudal mesclada com o desenvolvimento do capitalismo o que tem implicações no próprio sucessor da grande casa comercial, Láptiev, que desde sua memória da violência que sofreu no armazém, apenas assume a direção dos negócios por obrigação, detesta tal trabalho e ao menos determina o fim dos castigos corporais. Tem-se aqui uma mudança de geração, decorrente de um gradual processo de fim de um instituto que ao acabar não poderia deixar de manter suas graves cicatrizes, como a servidão. 

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