“Revolucionários: Ensaios Contemporâneos” – Eric J Hobsbawm
Resenha Livro - 215 - “Revolucionários: Ensaios Contemporâneos” – Eric J Hobsbawm – Ed. Paz e Terra
“Pode ser que a forma mais simples de enfocar o problema de minha geração seja através da introspecção, ou, se se preferir, da autobiografia. Um intelectual de meia idade, e razoavelmente bem estabelecido, dificilmente pode considerar-se um revolucionário no sentido real da palavra. Porém, alguém que se tenha considerado um comunista durante quarenta anos tem pelo menos muito a recordar para contribuir à discussão. Pertenço, talvez como um de seus membros sobreviventes mais jovens, a um meio hoje virtualmente extinto, o da classe média judia da Europa central posterior à Primeira Guerra Mundial. Este meio viveu sob o triplo impacto do colapso do mundo burguês em 1914, da Revolução de Outubro e do antissemitismo. Para a maioria de meus parentes austríacos mais velhos, a vida normal terminou com o assassinato em Sarajevo. Quando diziam “em tempo de paz”, queriam dizer antes de 1914, quando a vida de “gente como nós” se abria ante eles como um caminho amplo e reto, previsível mesmo em suas imprevisões, comodamente segura e enfadonha, que compreendia desde o nascimento e passava pelas vicissitudes da escola, profissão, noites de ópera, férias de verão e vida em família, até o túmulo no Cemitério Central de Viena. Depois de 1914, tudo foi catástrofe e sobrevivência precária. Sobrevivíamos a nós mesmos e sabíamos. Fazer planos a longo prazo parecia algo sem sentido para pessoas cujo mundo havia ruído já por duas vezes em dez anos (primeiro com a guerra, mais tarde com a Grande Depressão).”
O depoimento supracitado é do historiador marxista Eric J. Hobsbawm, morto em 2012. Trata-se certamente do mais importante historiador do mundo moderno e contemporâneo das últimas gerações.
Hobsbawm tem uma vasta produções bibliográfica envolvendo as suas análises das Revoluções Francesas e Revolução industrial Inglesa – consignadas como a era da “dupla revolução” envolvendo 1789 e 1848 em “Era das Revoluções”; Sua análise da fase da expansão do capital, das suas repercussões pelo mundo em “Era do Capital”; e sua tese do “curto século XX” que teria como ponto de partida a Revolução Russa e conclusão a queda do mundo soviético em “Era dos Extremos”.
O historiador britânico é capaz de conjugar minucioso exame analítico se servindo sempre das chaves explicativas do marxismo – sem, ao certo, fazê-lo por meio dogmático – e ao mesmo tempo produz uma narrativa abundante de detalhes e fatos que revelam um assombroso repertório cultural. Neste livro, uma compilação de artigos, ensaios e palestras, somos a todo momento surpreendidos com análises em que as explicações vão se dar a partir de exemplos históricos desde países da Ásia, África e América Latina. Esta erudição vasta combinada com um rigoroso método analítico fizeram daquele historiador e seus livros, fontes seguras para uma aprendizagem do passado. Estes “Ensaios Contemporâneos” dividem-se nos seguintes tópicos: “Comunistas”, em que se descreve a origem e a conformação de alguns partidos comunistas europeus no âmbito da terceira internacional; “Anarquistas” onde há algumas considerações gerais sobre tal movimento e sua intervenção prática na Guerra Civil Espanhola; “Marxismo”, com algumas resenhas envolvendo pensadores em voga nos anos 1960 como Althusser e Karl Korsch; “Soldados e Guerrilhas” em que se discute as razões do fracasso norte americano no Vietnã, como se conforma o golpe de estado, dentre outras ideias; e finalmente “Rebeldes e Revoluções” com temas variadores desde Maio de 1968 até a geografia urbana das revoluções
Os Partidos Comunistas e a III Internacional
Sabe-se que desde Marx supunha-se necessária a criação de uma organização internacional dos trabalhadores. Uma questão complexa para o movimento operário seria a forma como esta organização internacional lidaria frente as organizações proletárias de cada país. No contexto da II Internacional, o que dilacerou qualquer possibilidade de solução de continuidade a esta coordenação entre os partidos operários nacionais e a luta internacional foi a primeira guerra mundial – com a exceção de pouquíssimos grupos, destacando-se a vigorosa denúncia de Lênin na Rússia – os partidos social democratas capitularam ao social chauvinismo e apoiaram suas respectivas nações na Guerra. Ou seja, enquanto a tática justa era de denunciar a Guerra (1914) como uma Guerra imperialista, voltada à repartição do domínio neocolonial e uma nova configuração de fronteiras na Europa, sendo certo que o papel reservado à classe trabalhadora era o de servir como bucha de canhão para suas burguesias, a social-democracia por sua vacilação política junto à classe dominante levou junto à si os trabalhadores e a II Internacional à ruína.
Seria no contexto da terceira internacional comunista, sob o impacto da revolução vitoriosa de outubro, que seriam erigidos os partidos comunistas. Já é notória uma certa crítica segundo a qual o internacionalismo da III Internacional consistia na suposição de que uma dada situação internacional implicava reações idênticas em partidos situados em contextos muitos distintos.
Houve problemas nesse sentido aqui no Brasil, no que se refere às primeiras tentativas de análise de conjuntura. Já é conhecida a interpretação feita pelas primeiras gerações de comunistas ligados ao PCB de que as relações de produção no campo do Brasil eram do tipo feudal ou semi-feudal, o que certamente decorria de uma análise mecanicista e influenciada pelos modelos interpretativos externos. Sabe-se que o feudalismo é um modo de produção baseado numa relação pessoal de vassalagem em que não há qualquer margem de remuneração pecuniária e em que há um forte lastro entre ou vínculo entre os servos e sua gleba. Dentro deste esquema interpretativo, uma tática adotada para agitar e organizar os camponeses imigrantes da fazenda de café seria supostamente a luta pela terra. Ocorre que a análise das relações de produção estavam equivocadas: como Caio Prado Jr. demonstraria depois, o sentido de nossa colonização é todo ele formatado como um empreendimento comercial destinado ao mercado externo. E mais: no que se refere às fazendas de café, já temos a superação do trabalho escravo, tratando-se de um empreendimento comercial com lastro capitalista.
A tática adequado junto ao setor camponês ao que parece não era terra, mas melhores condições de trabalho e remuneração. Fizemos todo este resgate apenas como forma de apontar os riscos que envolvem a construção de um partido cujas diretrizes, para usar uma expressão de Lênin, não partem da “análise da situação concreta”, no caso, da realidade brasileira.
Todavia, existe um outro lado da moeda. A existência de um partido internacional coordenado e articulado, lembra Hobsbawm, cumpriu um decisivo na luta contra o fascismo desde as frentes populares, contribuindo para a sua articulação, especialmente em locais onde não havia conjuntura revolucionária.
Ademais, diferente do que possa parecer, em cada país, diante de suas particularidades, resultou-se em desdobramentos diferentes de partidos comunistas.
A história do movimento político marxista Inglês pode remeter ao séc. XIX. Sabe-se que Marx chegou a depositar alguma esperança nos anos de 1840 que o movimento operário inglês poderia dar um salto qualitativo, de seu trade-unismo (reformismo) para um patamar revolucionário.
Esta esperança decorria do fato da Inglaterra ser o país capitalista mais avançado e o único com um movimento de trabalhadores da massas. Todavia, a série de revoltas e insurreições que varreu a Europa em 1848 passou imune na Inglaterra. Posteriormente, perderiam Marx e Engels tal otimismo, mesmo com a greve geral inglesa em 1880. O marxismo apenas começaria a se difundir na Inglaterra também nos anos de 1880. O movimento operário inglês fora hegemonizado até então pelos Cartistas, um movimento iniciado na década de 1830, com reivindicações bastante tímidas, a “Carta do Povo”, que pleiteava Sufrágio Universal Masculino, Eleição Anual, Participação de Operários no Parlamento e Voto Secreto. Havia ainda uma fração política ainda mais à direita, os Fabianos, que se opunham à luta de classes e defendiam o “gradualismo” por meio de reformas.
Posteriormente, o Labor Party hegemonizaria a maior massa de todo este setor reformista – a formação do Partido Comunista Inglês (1920) foi antes uma somatória de pequenos grupos que havia saído do Labor Party, fazendo com que Zinoviev afirmasse que a “Inglaterra é o local onde se faz progressos mais lentos”.
Temos por outro lado um exemplo bastante vitorioso da conformação do partido comunista, o Partido Comunista Italiano. Antes da Guerra, havia dirigentes do porte de Gramsci na prisão e algo em torno de 2000 militantes e com a queda do fascismo, sua base subiu para a casa de centena de milhares, tornando-se um partido de massas. A razão do êxito do Partido Comunista Italiano é que ele galvanizou o movimento de resistência antifascista na Itália, serviu como base de apoio para esta luta. Infelizmente, na década de 1970 este partido capitularia ao ponto de ser um dos expoentes do eurocomunismo (uma forma de reformismo), o que é tópico de uma outra história.
Os ensaios seguem abordando as experiências de partidos, movimentos, guerrilhas, golpes de estado, etc. O fato do historiador Eric J. Hobsbawm ser de certa forma contemporâneo dos eventos poderia criar algumas objeções de imparcialidade, mas este debate de neutralidade dentro da história já parece estar superado: o que importa é rigor argumentativos, análises convincentes que se dão por meio de fontes, dados, raciocínios bem desenvolvidos e claros. E tudo isso, está presente em seus trabalhos. Para os marxistas, certamente será sempre fundamental conhecer a obra de Hobsbawm, já que suas cogitações envolvem igualmente temas que nos são caros.
Grata pela resenha. Busco imediatamente pelo livro.
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