“Marx – Ciência e Revolução” – Márcio Bilharino Naves
Resenha Livro – 214 - “Marx – Ciência e Revolução” – Márcio Bilharino Naves – Ed. Quartier Latin
Márcio Naves é formado em Direito pela USP, doutor em Filosofia pela Unicamp e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas daquela Universidade. Coordena o CeMarx, centro de estudos sobre marxismo e tem importante atuação na difusão do pensamento e obras do filósofo francês Louis Althusser aqui no Brasil.
Temos em mão um sintético livro acerca das principais ideias de Marx na forma de um itinerário: de forma concisa e objetiva o autor logrou expor, sem ser superficial, as principais ideias forças de Marx conforme sua particular evolução intelectual.
Antes de passarmos à obra propriamente dita, um rápido comentário sobre o subtítulo.
Marx, Ciência e Revolução. O destaque aqui dá-se em torno da “ciência” e reforçamos aqui o fato de que Marx ele próprio ter desenvolvido por um lado um método científico, ou seja todo um pressuposto teórico-metodológico cuja vocação é a busca pela verdade – algo que soa ambicioso aos ouvidos de alguns pós-modernos para quem a verdade seria inteligível ou uma mera construção aleatória. E mais. Marx parte da análise objetiva e da crítica para a partir dela atuar na realidade – aqui inaugurando uma nova perspectiva filosófica, qual seja, “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.
O que queremos pontuar aqui é que a análise científica da realidade em Marx e para os marxistas deve ser coerente com sua intervenção política – esta imbricação entre teoria e prática foi comumente chamada de práxis. Ocorre que não foram muitos aqueles que se proclamaram marxistas e que realmente estiveram dispostos a levarem esta verdade até as últimas consequências. Quando Marx analisa a Comuna de Paris de 1871, fez algumas retificações sobre o que foi dito no Manifesto Comunista colocando que, se houve algum erro dentre os communards, foi talvez falta de radicalidade: neste evento também estabelece que no período de transição, o estado burguês deve ser imediatamente destruído. Esta verdade, se coerente com os pressupostos de suas análises, certamente poderia soar extravagante para o público da época, mas, aqui, o critério para a verdade está nas suas análises e na prática observada desde Paris.
Já em muitas organizações de esquerda, aquilo que é dito junto aos trabalhadores não é resultado de um minucioso exame da correlação de forças entre as classes, o exame das forças produtivas e seu estágio de desenvolvimento, as vinculações entre o imperialismo e cada fração das burguesias, a luta cotidiana de classes: o que é dito é aquilo que se traduz em melhor coeficiente eleitoral, caindo por terra qualquer possibilidade de qualificar tais organizações “de esquerda” como marxistas. Ser marxista é de certa forma colocar-se sempre como um “filósofo” que está a todo momento em busca da verdade, se servindo das melhores ferramentas teórico-metodológicas que nos foram legadas desde tal tradição filosófica: a dialética, o materialismo histórico, o exame da luta de classes e a crítica.
Karl Marx nasceu em 5 de Maio de 1818 na cidade alemã de Trier na região da Renânia. Foi filho de um advogado liberal e de mãe cujo nome era Henriette Pressburg. A família Marx era de descendência judia mas para evitar restrições sociais, converteram-se ao protestantismo. A região da Renânia à época dos primeiros anos de vida de Marx fora anexada pela França, não dentro da órbita da Prússia dos junkers, com maior liberalização de costumes. Com a derrota das forças de Napoleão, a Renânia voltou a fazer parte da Prússia com a restauração do reacionarismo e a consolidação da aristocracia feudal: e a família Marx passou por novas dificuldades.
Marx terminou em 1935 seus estudos secundários em Trévis. No mesmo ano dirigiu-se a então minúscula e boêmia cidade de Bonn onde foi estudar Direito e onde comenta-se envolveu-se menos às aulas e mais às farras noturnas. O pai de Marx, preocupado, manda-o estudar em Berlim, então uma cidade muito maior, onde lecionava o eminente Hegel.
No tempo de estudante em Berlim Marx relaciona-se junto aos jovens hegelianos – tal vertente “relacionava a filosofia de Hegal com a organização ‘racional’ do estado prussiano, isto é, segundo os critérios do burocratismo burguês”. Já a direita Hegeliana atuava no sentido conservador, para justificar o Estado prussiano e a política de conciliação com o feudalismo.
O primeiro embate político de Marx portanto seria contra o absolutismo prussiano. Seus textos remetiam mesmo ao jusnaturalismo e a defesa do Estado de Direito, como veremos adiante. Após a conclusão de seu curso universitário e vendo-se impedido na Prússia dos junkers de obter uma cadeira como professor universitário, Karl Marx partiu para a carreira de jornalista. Junto aos hegelianos de esquerda, fundou-se o Gazeta Renana, periódico de que Marx viria a ser Redator Chefe. Nas intervenções do jovem Marx deste período, ainda há em larga escala sua influência hegeliana. Defendia-se o Estado de Direito contra o Estado Absolutista, propugnado através de um programa democrático-radical e reformas do Estado Prussiano. Para Marx, seguindo o jusnaturalismo, o Estado deve ser a encarnação do interesse geral, sendo que todo interesse particular implica em algo “estranho à natureza do estado”.
O jusnaturalismo significa a ideia de que existem certos valores antecedentes ao estado, inerentes ao homem, e que, no limite, deveriam ser resguardados e jamais suprimidos pelo estado. Razão e liberdade, por exemplo seriam valores a serem resguardados pelo estado. O periódico Gazeta Renana seria proibido em 1843.
É bastante pouco comentado as intervenções deste jovem Marx jusnaturalista em embate com o absolutismo. Em parte deve-se ao fato de que sua noção de estado daria um salto qualitativo radical em obras posteriores. Mas o que deve ser válido assinalar é seu engajamento numa militância dura, o que o faria, após o fechamento da Gazeta Renana, mudar-se à Paris, onde viria a conhecer de perto o movimento operário francês e publicar importantes obras como “Sobre a Questão Judaica”, “Crítica da Filosofia de Direito de Hegel – Introdução” e “Manuscritos Econômicos-filosóficos”.
O próximo momento importante dentro do itinerário é a descoberta da classe operária e do trabalho de uma forma geral como componentes essenciais para se compreender o problema da alienação. A crítica aqui encontra-se frente a Feuerbach. Este último desenvolve uma crítica da alienação religiosa em a “Essência do Cristianismo” – Marx traduz a alienação religiosa de Feuerbach para o âmbito do trabalho
“Assim o operário, no dizer de Marx nos Manuscritos econômicos-filosóficos, “torna-se tanto mais pobre quanto maior é a riqueza que ele produz”, do mesmo modo que quanto mais o homem “põe em Deus, menos ele retém em si mesmo”.
Na questão judaica, a questão da emancipação também é estabelecida num grau superior. Não se trata para Marx de uma mera emancipação de um povo religioso, mas de uma emancipação do homem que envolve a luta pela superação de um trabalho alienado, estranhado.
O itinerário de Marx segue seu roteiro pelas obras de juventude até a Ideologia Alemã, um momento decisivo e de transição, onde conceitos fundamentais e conhecidos como estrutura e superestrutura surgem. Mas são especialmente nas obras de maturidade e no Capital que podemos encontrar uma perspectiva científica da Marx identificando a subsunção formal do capital em relação ao trabalho, uma noção mais bem talhada de modo de produção, a noção de que a superestrutura também influencia a estrutura diante de exemplos práticos do catolicismo das relações de produção feudal (refundação do materialismo histórico). Numa síntese, o que o autor sugere é que não é possível conhecer a obra de Marx a partir de uma outra obra deslocada – exige-se situá-la dentro de sua específica evolução intelectual, destacando-se que será no final de sua vida, em “O Capital” que as noções científicas de Marx estarão mais bem depuradas.
E para que continuar estudando Marx? O autor revolucionou uma série de áreas do conhecimento. Rompeu com concepções ideológicas da histórica. Estabelece interpretações sobre o domínio e exploração do trabalho, o que é urgente no contexto da reestruturação produtiva. Desenvolve uma teoria crítica em plena vigência sobre o modo de produção capitalista. E lança bases para uma teoria de transição, incluindo aspectos da organização para luta dos trabalhadores.
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