quinta-feira, 10 de março de 2016

“A Revolução de 1930 – Historiografia e História”- Boris Fausto

“A Revolução de 1930 – Historiografia e História”- Boris Fausto



Resenha Livro - 213 - “A Revolução de 1930 – Historiografia e História”- Boris Fausto – Ed. Companhia das Letras 
O filósofo húngaro György Lukács observou que a única ortodoxia no marxismo está em seu método. O que ele quis dizer é que aos marxistas, ao se servirem da teoria de Marx para a análise social, suas únicas premissas inderrogáveis são os pressupostos teórico metodológicos. Ou para sermos mais precisos, nossa única intransigência teórica são materialismo histórico e o materialismo dialético.

No que se refere à história, um erro fundamental e de uma má aplicação do marxismo seria o de buscar adequar uma determinada realidade aos esquemas tais quais foram examinados pelos clássicos, Marx, Engels e Lênin. O erro consiste em algo como “torturar” as fontes históricas até elas dizerem o que queremos ouvir: por exemplo a sequência dos modos de produção observados no processo de desenvolvimento histórico europeu: escravismo - feudalismo – capitalismo – socialismo. Este foi o caso de nossos primeiros (e pioneiros) historiadores marxistas, mas certamente aqui não devemos fazer um mau juízo de valor: não é o tema desta resenha, mas a recepção das ideias socialistas no Brasil foi um processo tortuoso/difícil e é natural que marxistas como Astrogildo Pereira ou mesmo Nelson Werneck Sodré violassem a regra de ouro de Lukács, implicando em interpretações mecanicistas de nossa história.

“A Revolução de 1930” de Boris Fausto é antes de tudo uma obra de discussão historiográfica que irá dialogar com uma série de interpretações que em parte estão influenciadas por um pensamento de esquerda mecanicista. Uma corrente de pensamento tradicional é a de entender o fenômeno político que remonta ao fim da República Velha e a Ascensão da Aliança Liberal encabeçada por Getúlio Vargas como uma nova composição de classes no poder: a destituição do poder das oligarquias cafeeiras ligadas ao imperialismo inglês e uma frente política que envolve uma fração militar que representaria as classes médias (tenentes) e um novo bloco burguês industrial. Aliás, este esquema interpretativo remete mesmo às diretrizes políticas da III Internacional daquele período segundo a qual os partidos comunistas deviam fazer bloco junto aos setores progressistas da burguesia para derrotar os elementos mais atrasados (“feudais”) dentro de uma estratégia que poderíamos classificar como etapista. O que é interessante é que Boris Fausto, que está fora da perspectiva marxista, passa a analisar minuciosamente os dados referentes à composição geográfica do país, elementos de sua realidade econômica, participação dos grupos sociais na renda nacional e ao descer dos esquemas teóricos aos dados concretos, observa que “a teoria não bate com a realidade”.

A discussão sobre a presença de um feudalismo ou semifeudalismo no Brasil já foi superada e um marxista que estabeleceu esta crítica de forma pioneira: Caio Prado Júnior. O feudalismo envolve camponeses se subordinando por laços pessoais ao seu senhor e uma relação de vassalagem – o trabalhador tem interesse, num plano de lutas, por terras. No Brasil desde meados do séc. XIX pode-se falar mesmo num  empreendimento comercial do café em que os barões detém a terra, os instrumentos de trabalho e compram ou alugam a força de trabalho – o trabalhador tem interesse, num plano de lutas, por melhores condições de trabalho e remuneração.

Não se pode falar de outro modo que a Revolução de 1930 foi conduzida por uma burguesia industrial coesa e organizada. O que havia no brasil era uma relação de interdependência entre a indústria e o ramo do café, e este último ainda respondia por 70% da economia nacional – e as políticas em defesa do café continuaram após a revolução de outubro, havendo apenas um deslocamento relativo das elites políticas de São Paulo. A Aliança Liberal correspondia a uma coligação de oligarquias dissidentes atrás de mais concessões, com maior destaque para o Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que se viu prejudicada com a quebra da lógica da política do café com leite diante da escolha do sucessor paulista Júlio Prestes por Washington Luiz.

Um elemento mais radical a ser considerado são os tenentes, um movimento dos escalões mais baixos das forças armadas – são partidários do nacionalismo, do liberalismo e da centralização política. Alguns advogam a tese da salvação militar (fenômeno aliás recorrente na américa latina) no sentido de arrancar o país do domínio das oligarquias. Todavia, gradualmente, os tenentes vão sendo alijados do poder político. Conforme Boris Fausto relata:

“Embora Vargas tenha se apoiado nos “tenentes” durante os primeiros anos da década de 1930, e algumas aberturas nacionalistas difusas se devam à influência destes, a consolidação do novo governo dependia da homogeneização do aparelho militar. Isso implicava a liquidação do tenentismo como força autônoma que, a cada passo, ameaçava corroer a disciplina, sem prescindir dos “tenentes” individualmente, e o combate às organizações radicais, cuja influência ideológica, por meio da figura de Prestes, crescia nas Forças Armadas. Esses objetivos foram perseguidos por alguns quadros militares, cujo representante exemplar foi Góis Monteiro, e implicaram a condenação do Clube 3 de Outubro morte lenta”.

Diante deste quadro, a Revolução de 1930 aparece não mais como um alijamento de uma fração de classe por outra, mas pelo estabelecimento daquilo que Boris Fausto chama de “Estado de Compromisso”.

“O Estado de compromisso, expressão do reajuste nas relações internas das classes dominantes, corresponde, por outro lado, a uma nova forma de Estado, que se caracteriza pela maior centralização, o intervencionismo e não restrito apenas à área do café, o estabelecimento de certa racionalização no uso de algumas fontes fundamentais de riqueza pelo capitalismo internacional (Código de Minas, Código de Águas). 


A maior centralização é facilitada pelas alterações institucionais que põem fim ao sistema oligárquico. Intocadas em suas fontes de poder, estas subsistem como força local, embora possa haver a troca de grupos ligados ao “antigo regime”, por outros situados na oposição. Entretanto, as oligarquias se subordinam agora ao poder central, com a perda do controle direto dos governos dos estados, onde são instalados interventores federais.”


Como dizíamos, Boris Fausto tem como ponto de partida a crítica de uma certa historiografia que parte de algumas premissas que se chocam com as análises de fato. Todavia sua interpretação também deve ser submetida a algumas ponderações. O autor parece partilhar de uma orientação weberiana e em sua análise acaba dando peso exagerado nas instituições, particularmente no Estado e nos dirigentes políticos, como fonte dos desmembramentos políticos. As classes operárias ainda que estejam em maturação no período ainda poderiam ter sido melhor analisadas: não fossem relevantes, não teriam sido objeto da legislação trabalhista e sindical criadas naqueles anos. E não só os operários, as greves, o Bloco Operário e Camponês e o PCB mas a massa de trabalhadores livres e pobres que compunham os quase 30 milhões de almas daquele tempo deveria ser melhor observados já que estamos falando de períodos contemporâneos à Revolução Russa e Revolução Mexicana, além de crise mundial do capitalismo – como falava Lênin, uma era de crise, guerras e revoluções, e que ia muito além dos bastidores do poder.

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