“São Paulo – Uma Longa História” – Ana Maria de Almeida Camargo (Org.)
Resenha Livro - 217 - “São Paulo – Uma Longa História” – Ana Maria de Almeida Camargo (Org.) – CIEE e Academia Paulista de História
Este livro reúne uma série de artigos sobre a história da cidade de São Paulo. É resultado de um curso gratuito e aberto a todo público sobre o mesmo tema promovido pelo CIEE e pela Academia Paulista de História no ano de 2002. A justificativa (bastante razoável) de seus patrocinadores são duas: a ausência do tema da História de São Paulo nos currículos do ensino médio do estado o que se demonstra igualmente na não observância de questões do conteúdo nos exames de vestibular para as três universidades estaduais paulistas; e a falta mesmo de pesquisas e estudos especializados sobre tal pauta em nível superior, ao menos com a mesma preocupação com que se verifica em outros estados da federação. Os artigos publicados são todos de historiadores pós-graduados da USP: “Colonos e Jesuítas no Planalto” de Rafael Ruiz; “São Paulo e a Independência” de Cecília Helena de Salles de Oliveira; “A Cidade Que Mais Cresce No Mundo” de Maria Izilda S. de Matos”; “A Imagem Paulista” de André Toral; “São Paulo, 1932” de Vavy Pacheco Borges, “A Academia de Direito e a Vida Cultural de São Paulo” de Ana Luiza Martins; “Trilhos e Trens” de Antônio Soukef Júnior; “Música Popular na Cidade de São Paulo no Início do Século XX” de José Geraldo Vinci Moraes; “Cronistas de uma São Paulo Fora dos Trilhos” de Elias Thomé Saliba; e “Paisagem Urbana e História” de Solange Ferraz de Lima.
O fato de hoje São Paulo ser uma megalópole de mais 11 milhões de habitantes pode gerar algumas ilusões: daí a importância da história e da memória para dar uma noção de perspectiva. O fato é que desde de a fundação da Vila de São Vicente em 1554 até meados do século XIX a cidade de São Paulo praticamente não mudou sua paisagem de uma província prosaica, com a maior parcela de seu território pertencendo à área rural: o território rural e as chácaras correspondiam a maior parte do território sendo a parcela urbana um apêndice até o início da urbanização nas três últimas décadas do século XIX. Durante todo este longo período de séculos as casas eram feitas de taipa, não havia qualquer planejamento urbano, as mulheres lavavam suas roupas às margens do rio Tamanduateí e a província principalmente nos séculos XVI e XVII era regrada, segundo o historiador Rafael Ruiz, muito mais pelos usos e costumes do que pela norma jurídica.
O início do povoamento da Província não foi planejado pela coroa portuguesa, mas antes foi um espontâneo povoamento derivado de um aldeamento de indígenas e algumas chácaras, ainda no século XVI. Naquele logradouro construiu-se um colégio de padres que posteriormente seria transferido para a região litorânea com a intensão de lá criar uma redução, aumentar o povoamento e proteger o local de incursões estrangeiras. Assim arremata Rafael Ruiz:
“A estratégia jesuítica também se adaptou a esta reorientação. Os colégios deveriam localizar-se na costa: Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, com um contingente completo de aproximadamente trezentos e cinquenta religiosos. Todos os outros núcleos – Espírito Santo, São Paulo e aldeias – seriam terras de missões, dependentes dos colégios. Dessa forma, o Colégio de Piratininga, bem como a própria vila, passariam a ser vistos de outra forma pela Companhia de Jesus, servindo de moradia para poucos possível, para cuidar da catequese dos índios. Assim começaram a se formar os aldeamentos de Pinheiros, Barueri, Carapicuíba, Guarulhos, Embu, Itaquaquecetuba, Itapecerica, São José, Peruíbe, Queluz e Itanhaém”.
É bastante contraditória a intervenção dos jesuítas junto aos indígenas ao se cogitar o tipo de vínculo formado entre os europeus religiosos e o índio. Costuma-se imaginar a catequese e a ação missionária como uma atividade beneficente e ainda hoje nos vitrais da Igreja da Santa Cecília há imagens de missionários protegendo os índios – além de garantindo sua salvação extraterrena. Ocorre que as ações jesuíticas não se limitavam à conversão religiosa. Em 1610 com a visita do Padre Lima, há uma redefinição do que se entende por pobreza e questões temporais, justificando para o atendimento das questões espirituais que o missionário também aferisse renda com criação de gado, galinha para uso próprio e para venda por meio de trabalho escravo de negro, admitindo-se até mesmo criação de engenhos. Quanto aos Índios, estes para alguns jesuítas deveria ser convertidos à força. Ademais, esta conversão não era meramente religiosa, mas era uma espécie de uma educação conforme o modo de vida do europeu:
“Os Jesuítas, de maneira ostensiva, introduziram nas aldeias uma separação até então desconhecida: a separação entre o meu e o teu, o público e o privado, o eclesiástico e o civil, num mundo em que estas distinções conceituais só podiam ser lidas e interpretadas como ingratidão, independência ou prepotência”. (RUIZ)
A expulsão dos jesuítas da Capitania de São Vicente deu-se em 1640. Nesse meio termo, o povoamento da cidade vai se dando pela sua localização como entreposto para excursões ao interior do Brasil dentro do contexto do ciclo da mineração. Paulatinamente foram surgindo inovações que iriam remodelar a cidade. O surgimento da Academia de Direito em 11 de Agosto de 1827, ainda quando São Paulo era uma província pacata – e dentre os debates parlamentares para a criação da escola, o fato de São Paulo ser uma cidade isolada e longe de divertimentos foi um dos critérios que viabilizaram sua construção na cidade.
O desenvolvimento do Café, proveniente da Etiópia, que certamente será o produto que colocará São Paulo na vanguarda política e econômica do país, desde o Vale do Paraíba e com ele o desenvolvimento dos trilhos e do trem criando uma rede de comunicação basicamente voltada ao escoamento do produto e finalmente o início da industrialização desde o capital acumulado com a economia do café e o incentivo das imigrações por volta de 1890. Entre fins do século XIX e início do século XX todos estes elementos corroborariam para transformações significativas na cidade – da província pacata de meados do século XIX a um centro urbano cosmopolita com importantes reformas, novas construções e uma elite cafeeira que vai se retirando das chácaras e vindo morar nos novos bairros, como Higienópolis e a Avenida Paulista.
Ressalta-se que havia uma vinculação direta entre a economia do café e a expansão urbana de São Paulo. O comércio era movido pelo café e influenciado pelas suas cotações. Diz a historiadora Maria Izilda sobre o período de fins do XIX:
“São Paulo vivia a euforia da chegada dos novos tempos, com as referências da modernidade e do progresso. Nas novas Avenidas da cidade, recém iluminadas pela Light and Power, no lugar dos antigos carros de parelha, tílburis e bondes a burro, surgiam os bondes elétricos circulando juntamente com os primeiros automóveis; os motores movimentavam as fábricas; máquinas fotográficas registravam o processo; despontava também o cinema, reproduzindo na tela a vida em contínuo movimento. Os ritmos e fluxos da cidade se alteravam, as ditas conquistas tecnológicas acenavam que o mundo nunca mais seria o mesmo. O desejo de modernidade expandia-se e generalizava-se, sob o influxo do crescimento comercial e financeiro”.
Outro fato significativo desta história é a revolução constitucionalista de 1932. Para compreendê-la, deve-se retroceder aos momentos anteriores à revolução de 1930, quando o presidente paulista Washington Luís rompe com a linha sucessória da política do café com leite e ao invés de indicar um mineiro, indica o paulista Júlio Prestes para candidato à presidência. Forma-se uma coalização de oposição, a Aliança Liberal, dirigida por Getúlio Vargas, apoiada pelos tenentes, setores médios e estados insatisfeitos com a hegemonia paulista na política nacional – com a vitória de Júlio Prestes, irrompe a Revolução de 1930 que na verdade é um realinhamento das forças políticas dominantes, implicando no fim da República Velha e da hegemonia paulista na política nacional.
Em São Paulo, o Partido Democrático e o Partido Republicano Paulista fazem dura oposição à Getúlio Vargas. Reivindicam a normalidade constitucional e em alguns momentos falam em autonomismo de São Paulo. Ainda que o movimento armado contra as forças oficiais tenha sido deflagrado no dia 9 de Julho, já antes havia mobilização e treinamentos armados. O que há de interessante nesta Revolução é a larga participação de civis: homens nas frentes de batalhas, mulheres participando em atividades filantrópicas. Ficaram famosas as doações de ouro e joias em benefício do movimento. Em larga medida, a Revolução de 1932 foi um movimento com tonalidades separatistas mas que não envolvia “luta de classes”: era antes uma luta política contra Getúlio Vargas, por uma Constituição, que seria efetivada em 1934. Militarmente, o movimento não poderia ser vitorioso, e de fato foi derrotado. Todavia, a constituição veio e considera-se que São Paulo não saiu de todo derrotado deste movimento. Mas, outrossim, não foi uma mobilização classista, mas dirigida por lideranças da classe dominante paulista.
Os artigos seguem tratando de diversos aspectos de São Paulo, desde sua música popular até a história da conformação de seus trens. O que não deixa de ser importante lembrar é como a memória histórica acaba sendo vulnerável ao esquecimento diante de um espaço suscetível às mais rápidas transformações. Outras histórias poderiam ser contadas, como as mobilizações pelas Diretas Já em São Paulo e outras grandes manifestações cívicas na Praça da Sé, ou a participação política dos alunos da USP, para além dos acadêmicos da Faculdade de Direito. Outro ponto a se destacar é que eventualmente pensa-se que estudar a história de São Paulo pode ser apenas objeto de interesse dos conservadores. Evidentemente é um argumento falso, e os dois exemplos supracitados (e poderíamos discorrer sobre outros) já o demonstram.
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