sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Resenha Livro – “Os Grandes Líderes – Kadafi” – Benjamin Kyle – Ed. Nova Cultural

“Os Grandes Líderes – Kadafi” – Benjamin Kyle



Resenha Livro – 194 - “Os Grandes Líderes – Kadafi” – Benjamin Kyle – Ed. Nova Cultural 

Aqueles que reivindicam a visão social de mundo marxista-leninista nunca devem perder de vista a última das teses de Feuerbach elencada por Marx segundo a qual: até então, os filósofos de contentaram em interpretar o mundo, sendo necessário agora transformá-lo. A questão chave aqui está em aliar teoria e prática e, nesse sentido, as discussões teóricas devem ser feitas de forma muito minuciosa: um pequeno desvio teórico pode ter graves consequências na prática, na política adotada pelos revolucionários. 

Estes desvios parecem ter ocorrido no caso da chamada Primavera Árabe, uma série de agitações políticas que modificou o cenário político de diversos países do norte da África e Oriente Médio a partir de 2010. Ao que tudo indica, olhando o fenômeno em perspectiva, 5 anos depois, faltou a muitos de nós senso crítico, decorrente de maior esclarecimento sobre a história política e aspectos da conjuntura daquela região geográfica, fazendo com que mobilizações que rapidamente foram desviadas pelo imperialismo, fossem chamadas de “revoluções populares”. 

Um caso emblemático é o Egito, quando de fato massas populares ocuparam a praça Tahir e Mubarak foi obrigado a sair do poder, após os militares descobrirem que o ditador esteve em contato com o exército israelense buscando articular um ataque do estado de Israel sobre o Egito para dividir o movimento e fazer com que ele retomasse o poder, configurando alta traição à nação. Certamente tal revolução não foi um movimento dirigido pelos trabalhadores através de órgãos de duplo poder ao estilo de soviets, como forma de fazer avançar a consciência daquele povo. A maior força política, a irmandade muçulmana, assume o poder e hoje coloca na cadeia muitos daqueles que estavam na Praça Tahir. 

Poderíamos continuar cogitando o que representou a “revolução” na Síria senão num claro massacre do imperialismo, se servindo aos olhos do mundo de forças extremistas terroristas contra um governo nacionalista burguês, fazendo-nos perguntar qual é o sentido de uma política contra Assad, incluindo solicitação de armas junto ao imperialismo, como a  política levada a cabo pelo PSTU.

A história da Líbia também deve ser objeto de maiores esclarecimentos pela esquerda. Kadafi é derrubado por intervenção militar de forças das nações unidas e tal “revolução” leva ao poder grupos armados islâmicos. Prevalece o discurso do imperialismo que vem pelo menos desde 40 anos atrás de Kadafi como um ditador sanguinário. Mas talvez poucos saibam que Kadafi nacionalizou logo no início do seu governo 51% de todo o petróleo estrangeiro e melhorou sensivelmente o nível de vida na Líbia, construiu estradas pelo vasto deserto do país, hospitais, escolas e programas de irrigação para ampliar terras aráveis. Em 1977 a renda per capta seria na Líbia de 6, 451 dólares a mais alta do continente Africano, produto de um projeto de distribuição de riqueza do petróleo. Certamente, foi um líder extravagante, além de autoritário. Mas comecemos desde sua infância.

A Líbia surgiu como estado nacional após a II Guerra Mundial, com a derrota da Itália que até então controlava aquela região. Antes, era uma expressão geográfica que envolvia cidades mais desenvolvidas como Trípoli e Bengázi e o vasto deserto do Saara, que compunha a maior parte do “país”. Kadafi nasceu em 1942 numa família de beduínos, tribo de nômades do deserto. De formação muçulmana, nunca abandonaria a religião, aplicando-a como princípio de política de estado, o que faria dele um inimigo voraz do estado de israel. 

Ainda na Juventude demonstra interesse pela política e pelo rádio escuta os discursos do político nacionalista egípcio Gamel Abdel Nasser. Dos seu tempo como estudante até a tomada de poder através de um golpe de estado com apenas 27 anos, Kadafi sempre teve como referência política o dirigente nacionalista egípcio. Basicamente, sua orientação envolvia unir todos os estados árabes da região, inclusive num futuro estado único, e lutar contra a instalação de um estado judeu na palestina. 

Foi no dia 01.09.1969 que uma conspiração dirigida e centralizada por Kadafi depõe o Rei Idris, funda a República Árabe da Síria, que seria na prática governada por um Conselho de Comando Revolucionário. Na pratica, gradualmente o poder se centralizaria nas mãos de Kadafi como uma ditadura. E aqui não se deve omitir o fato de que o regime de Kadafi perseguiu intelectuais e estudantes, matou oposicionistas, inclusive no exterior, queimava livros considerados subversivos. 

Outro aspecto que tornou a história/trajetória de Kadafi controvertida foi seu apoio incondicional a ações “terroristas” relacionadas à morte de cidadãos norte-americanos ou israelenses. Apenas para citar um caso, remetemos às olimpíadas de Munique de 1972 em que  onze atletas foram assassinados e dentre os autores sobreviventes, foram recepcionados como heróis na Líbia de Kadafi. 

Temos então um governante que condena o comunismo e o capitalismo, que procura sinceramente colocar-se ao lado do povo, sem porém, admitir divergências, que promove reformas sociais que transformam a Líbia e conquistam a simpatia, principalmente da população do deserto. Já a população da cidade questiona Kadafi pela fuga de estrangeiros do país e pela proibição de jogos e bebidas, além do uso de jeans e saias curtas, conforme padrões religiosos. 

Ao que tudo indica, Kadafi não foi um líder corrupto, como os políticos sob os quais se apoiam sempre o imperialismo. Era um asceta, tanto que diligenciava numa tenda feita de pano e vestia-se como um beduíno, acreditando estar cumprindo uma missão designada por Allah. Seus objetivos remotam ao nacionalismo pan árabe de Nasser, com a diferença de que Kadafi o lavava de forma muito mais radical e nada diplomática – daí sua simpatia com os grupos armados islâmicos. Uma liderança cheia de contradições, mas que, pelo que avaliamos, parece ser um aliado tático muito mais favorável do que a ONU imperialista, interessada em nada mais nada menos do que lucro aos capitalistas. E daí fazemos o balanço: foi certo apoiar a queda de Kadafi? Na nossa opinião, não. 


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