“Os Irmãos Karamazov (Vol. 1)” – Fiódor Dostoiéviski
Resenha livro - 193 “Os Irmãos Karamazov (Vol. 1)” – Fiódor Dostoiéviski – Editora 34 – Tradução Paulo Bezerra
Tivemos acesso a uma bela edição publicada pela 34 da última obra publicada por Dostoiéviski, “Os Irmãos Karamazov” (1881). Chamamos aqui a atenção dos leitores para os riscos que envolvem a leitura de autores russo, e particularmente deste escritor, a partir de editoras de livro bolso que partem da tradução em segunda mão de uma tradução em francês. Traduzir Dostoiéviski parece ser um enorme desafio dado seu estilo que envolve segui o fluxo de pensamento dos personagens implicando em parágrafos de folhas inteiras.
Podemos aqui começar a falar algo sobre o estilo literário do escritor Russo, que para todos os fins, é de difícil classificação dentre alguns modelos conhecidos correspondentes a meados e fins do séc. XIX como romantismo, realismo-naturalismo ou simbolismo. O estilo de Dostoiéviski é inconfundível e próprio e a fala de seus personagens envolve um fluxo de pensamentos bem como uma densidade de emoções ao ponto de transmitir a turbulência da alma humana e revelar até a mais completa nudez a percepção de mundo das personagens – a sensação ao ler os diálogos é a de que existe um tensão permanente, e de que os personagens estão pronto para se revelar, ora desde seu lado diabólico, ora desde sua perspectiva divina. Onde há constrangimento ou onde há ódio, todas as sensações, surgem-nos sempre de forma intensa, o que deve render interesse aos leitores que se identifica psicologia/psicanálise. É provável que esta capacidade de sondar o poço de contradições que é alma humana foi o que fez S. Freud afirmar ser este o mais importante livro de Dostoiéviski.
Ainda quanto ao estilo, há descrições das paisagens e elas remetem à Rússia rural XIX: monges, criados e os três personagens decisivos, Os trejeitos, a aparência física, os campos de trabalho rural, bosques e penumbras, os monastérios são descritos com à forma realista e dão ao leitor uma imagem bastante viva da história. Mas os diálogos e a trajetória das personagens percorrem o espaço sem um sentido que alcance a percepção ou algo previsível do leitor.
São três os personagens centrais desta história que compõe a família Karamazov. O Pai de Dimitri, Ivan e Aliócha é Fiódor Karamazov, um homem devasso e sem escrúpulos, que quando teve de cuidar de um dos filhos pequenos, abandonou-o aos cuidados de um dos seus criados Griori para poder continuar sua vida de farras, com bebidas e mulheres. Possui bens e terras mas ao que tudo indica de forma desonesta.
“Pode-se, é claro imaginar que educador e pai poderia dar semelhante homem. Justo como paiaconteceu-lhe o que teria de acontecer, isto é, ele abandonou de vez e inteiramente seu filho com Adelaia Ivánovna, não por raiva dele ou quaisquer sentimentos de marido ofendido, mas apenas porque os esqueceu por completo” (Pg. 20)
Outro personagem intrigante e que merece um destaque por remeter à Dostoiéviski é Aliocha. É o filho mais jovem dentre os três Karamazov, decide entregar sua vida à religião e vive num monastério onde tem como principal guia espiritual um não menos curioso stárietz Zossima. Por meio destes dois personagens, Dostoiéviski dá alguns indicações sobre sua ideia religiosa sobre a questão da igreja ortodoxa na Rússia, como lidar com aqueles que não têm fé e mesmo sobre o que viria a ser o inferno. Parte de citações bíblicas, mais do que em outros clássicos como Crime e Castigo e O Idiota, mas ainda tendo cogitações semelhantes: o sentimento de culpa (crime e castigo), viver sem pecar em sociedade (o idiota).
Nesta passagem, Stárietz Zossima, um sábio monge da igreja ortodoxa nos informa sobre o inferno:
“Do Inferno e do Fogo do Inferno, uma reflexão mística
Padres e mestres, tenho pensado: “o que é o inferno?”. E julgo assim: “É o sofrimento de não mais se poder amar” Uma vez, no infinito do existir que nem o espaço nem o tempo podem mesurar, um ser espiritual ganhou, com sua aparição na Terra a capacidade de dizer consigo “Eu existo, eu amo”. Uma vez, só uma vez lhe foi dado um instante de amor ativo, vivo, e para tanto foi concedida a terra, e com ela o tempo e os limites, e então: esse ser feliz rejeitou o dom precioso, não o valorizou, não o amou, zombou dele, ficou insensível. Depois de deixar a terra, este ser vê o seio de Abraão, e conversa com Abraão, como consta na parábola do rico e de Lázaro, e contempla o paraíso, e pode subir até o Senhor, mas se tortura justamente porque subirá à presença do Senhor sem o haver amado, entrará em contato com aqueles que o amaram e de cujo amor ele desdenhara. Porque vê com clareza e já diz de si para si: “Agora já tenho o conhecimento e mesmo havendo ansiado por amar, já não haverá proeza no meu amor e também não haverá sacrifício porquanto terminou a vida terrena e Abraão não me trará sequer uma gota de água viva”.
Pelos diálogos de Aliocha e recomendações de Stárietz observamos que a vida monástica diz respeito à dedicação diuturna da caridade e do ofício da reza. O interessante é que os monges não rezam por suas almas mas sim pela vida de toda humanidade e mesmo projetam o paraíso no céu desde dia em que cada ser humano adquirir uma certa consciência de que a violação de uma norma por um terceiro é de co-responsabilidade (espiritual?) de todos.
O que é certo é que Os Irmãos Karamazov é um livro da mesma magnitude de outros clássicos do autor, como Crime e Castigo, O Idiota ou mesmo Memórias de SubSolo, um livro que tanto encantou Nietzche. Nele está ausente a ação e o suspense do Crime e o Castigo e o humor e ironia além da crítica social de O Idiota, mas é o que melhor o escritor trabalho a título de romance psicológico.
A edição 34 dividiu o livro em 2 volumes. Esta Resenha tratou até o primeiro volume que acaba no Livro VI “Um Monge Russo” Pg. 425. Posteriormente faremos a resenha do volume 2 que termina num epilogo na Pg. 987.
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