“ Marx – Vida e obra” – Leandro Konder
Resenha Livro – 195 - “Marx – Vida e obra” – Leandro Konder – Ed. Expressão Popular
Leandro Konder foi um importante intelectual marxista brasileiro falecido recentemente, em novembro de 2014. Seus estudos sobre alienação (“Marxismo e Alienação”) e sobre a recepção das ideias marxistas no Brasil ao longo do séc. XX (“Derrota da Dialética”) devem ser consultados por todos ativistas revolucionários do país. Seus textos são acessíveis e didáticos: a facilidade com que traduzia conceitos filosóficos, como materialismo, alienação ou dialética numa linguagem acessível não só a intelectuais, mas à juventude e aos trabalhadores revela um conhecimento teórico profundo.
Nesse sentido, Leandro Konder remetia ao que Gramsci denominava “intelectual orgânico”: seu pensamento e sua produção teórica poderiam ser facilmente assimiladas por operários num curso de formação. Certamente foge do perfil academicista que também está presente na tradição marxista nacional.
Objetivo, sintético e escrito com elegância, este livro foi originalmente publicado em 1968, adquirindo novo lançamento apenas com um prefácio atualizado. Seu propósito é descrever os principais fatos referentes à agitada vida de Marx, seja como intelectual, seja como organizador e ativista do movimento operário europeu, desde o jornalismo passando à Associação Internacional dos Trabalhadores (fundada em 28 de setembro de 1864); também Leandro Konder concomitantemente à descrição da vida de Marx vai expondo suas ideias chave, dando ao leitor as origens dos fundamentos do pensamento marxista, como materialismo (em termos marxistas), a alienação ou o fetichismo da mercadoria. Trata-se portanto de uma pequena biografia e de uma sintética história da evolução das ideias de Karl Marx.
Karl Marx nasceu em 5 de maio de 1818 na cidade de Treves ao sul da Prússia. O pai de Marx era filho de rabino Judeu. Hirschel Marx era advogado e era um judeu não praticante, com pensamento liberal. Sua mãe era de origem holandesa, e também de origem judia. O contexto histórico da Europa de então era de fortalecimento do conservadorismo diante da queda de Napoleão e da conformação da Santa Aliança que buscava restituir o absolutismo no continente Europeu. Com a subida ao poder por Guilherme III, o pai de Marx viu-se obrigado a converter-se ao protestantismo. Pode-se dizer em suma que Marx na infância viveu numa cidade de 12 mil habitantes sob a ameaça de um governo absolutista autoritário e com ranços antissemitas pertencendo a uma família da pequeno burguesia.
Consta que na escola em seus exames finais, Marx teve de dissertar sobre o tema “Reflexões de um jovem a propósito da escolha de uma profissão”. Suas cogitações de certa forma já sinalizavam sua atuação futura, sempre associando a teoria com a prática, com uma ambição de transformar a realidade. Diz Konder:
“Em sua dissertação, Karl desenvolveu – aos dezessete anos – duas ideias que deveriam acompanha-lo pelo resto da vida. A primeira era a ideia de que o homem feliz é aquele que faz os outros felizes; a melhor profissão, portanto, deve ser a que proporciona ao homem a oportunidade de trabalhar pela felicidade do maior número de pessoas, isto é, pela humanidade. A segunda era a ideia de que existem sempre obstáculos e dificuldades que fazem com que a vida das pessoas se desenvolva em parte sem que elas tenham condições para determina-las”.
De fato, temos aqui de forma ainda muito embrionária teses como a ideia de que “os homens fazem a história, mas não a fazem de acordo com a sua vontade exclusiva, mas consoante as condições históricas herdadas”, reflexão com que Karl Marx iria analisar em 1871, muitos anos depois, os eventos históricos da Comuna de Paris.
Após os estudos secundários, Marx matricula-se na Universidade de Bonn, onde estuda direito, história, filosofia e arte. Também é uma fase em que se envolve com a boemia, escreve poemas, sem envolve em um duelo (do qual sai com uma cicatriz no rosto); certa vez exagerou no álcool e na farra noturna e foi detido. Destaca-se que Bonn era então uma pequena cidade, provinciana, e então o Pai de Marx, preocupado com o futuro do filho, manda-o estudar em Berlim.
Desde Berlim, uma cidade completamente nova, com 300 mil habitantes, Marx entraria em contado com as ideias de Hegel que ali lecionara e morrera em 1831. O objetivo de Marx então, ao se aproximar dos grupos hegelianos e se aproximar das tendências de esquerda deste filósofo, é completar seu curso e preparar seu doutorado vindo a ser professor catedrático. Conseguiu concluir uma tese de doutorado original cujo tema era “A diferença entre a filosofia da Natureza de Demócrito e a de Epicuro”. Todavia, na Prússia de Guilherme IV não havia cátedras para um pensador progressista como Marx, impossibilitando-o de alcançar a vaga de professor e já criando um embaraço econômico.
Foi a partir do jornalismo que Marx conseguiu conquistar as primeiras fontes de renda a partir de 1840 – há de se constatar que neste período, o Mouro já estava noivo de Jenny von Westphalen, companheira por toda sua vida.
Marx contribuiu em inúmeras publicações e dirigiu a Gazeta Renana e posteriormente a Nova Gazeta Renana. Frequentemente arranjava problemas políticos em função de sua análise crítica da conjuntura, o que valeu a ele a primeira mudança para Paris em 1943, com o fechamento da Gazeta Renana. A estadia na França renderia importantes frutos, conforme relata Konder. Desde Paris, Marx pôde observar um movimento socialista de operários bem como entrar em contato com tal organização – fato que certamente o impressionou. E mais:
“Enquanto preparava a edição do primeiro número de Anais-Franco Alemães, Marx escreveu uma “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, na qual mostrava que as considerações teóricas de Hegel sobre o direito eram inócuas, porque não indicavam os meios práticos, materiais e sociais, capazes de levar à efetiva superação dos problemas humanos que elas abordavam.
“O poder material – dizia Marx – só pode ser vencido pelo poder Matrial”. E aos que pudessem perguntar se as ideias por acaso não teriam valor algum, ele respondia antecipadamente – “A teoria também se transforma em força material quando se apodera das massas”.
Outro momento a se destacar da biografia seria o encontro com Engels. Os dois haviam se conhecido em 1842 quando Engels (natural de uma região da Prússia próxima a Treves) fez uma visita à redação de Gazeta Renana. Porém a aliança duradoura seria após a publicação por Engels do importante livro “A Situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, dois anos depois, em que faz uma minuciosa exposição das condições de vida e das formas de luta do proletariado inglês dos primeiros momentos da revolução industrial. O texto de Engels interessou bastante Marx, aproximando-os e ligando-os como parceiros por toda a vida.
A vida pessoal e familiar de Marx foram também marcadas por grandes dificuldades financeiras. Frequentemente obrigados a mudar de país em função da atividade político-intelectual, Marx e sua família estiveram na França, Bélgica e finalmente na Inglaterra onde passaram os piores apertos financeiros. Karl sofria de fortes de cabeça e tinha furúnculos que atormentavam, e ainda assim consta que até a velhice dedicou-se com o afinco ao estudo dos mais variados temas, da filosofia à arte, à aritmética, astronomia, história antiga do Egito, chegando mesmo a tentar aprender o Russo, desde que aquela nação chamou-lhe atenção no final de sua vida – Marx previa um desmoronamento do reino dos Czares e estudou com afinco dados sobre aquele país.
O velho mouro faleceu em 14 de março de 1883 diante de um abcesso no pulmão, dois anos após a morte da mulher, Jenny. Sobre projeção posterior, remetemos à conclusão de Konder:
“Marx elaborou as bases de uma vasta concepção do homem e do mundo. Por força das condições em que viveu e em virtude da urgência das tarefas que se impôs, não pôde desenvolver suas ideias no que concerne aos diversos planos da atividade humana: concentrou-se no exame dos problemas econômicos, sociais e políticos. Sua contribuição à história da cultura, entretanto, ultrapassa os limites da economia, da sociologia e da política. Como diversos marxistas contemporâneos têm demonstrado – sobretudo G. Lukács, Antonio Gramsci e os pensadores da Escola de Frankfurt – a obra de Marx revela uma espantosa vitalidade quando a confrontamos com as mais variadas questões da época presente”.
A importância de se conhecer a vida e a obra de Marx diz respeito a saber situar as obras originais que deverão ser consultadas para a formação marxista. Um ponto de partida para um estudo específico das obras de Marx pode ser este belo ensaio de Leandro Konder.
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