sábado, 24 de outubro de 2015

“A Ideologia Alemã” – Karl Marx e Friederich Engels

“A Ideologia Alemã” – Karl Marx e Friederich Engels 



Resenha Livro – 196 - “A Ideologia Alemã” – Karl Marx e Friederich Engels – Ed. Martins Fontes 

Os manuscritos reunidos e publicados sob o nome “A Ideologia Alemã” datam de 1845, quando Marx e Engels tinham 30 e poucos anos. Segundo Althusser, os escritos têm a importância de delinear o marco divisório entre o jovem Marx e o Marx maduro, o que de resto é bastante controverso dentre os marxistas: o que o próprio Althusser denomina corte epsitemológico na obra de Marx. 

O que é fato histórico: os dois fundadores do socialismo científico não encontraram editora interessada em publicar o livro, um duro ataque ao hegemônico sistema filosófico idealista alemão (partindo de Hegel, à Bruno Bauer e Max Stiner) e ao materialismo  contemplativo de Feuerbach. 

Nem por isso perderam o bom humor e deixaram os manuscritos engavetados “à crítica dos roedores”.  Eventualmente, mais importante do que a publicação da obra, o que era decisivo aos estudiosos e fundadores da tradição do socialismo científico era cogitar e pensar questões quer seriam posteriormente melhor delineadas em obras posteriores. 

Assim temos em A Ideologia Alemã especialmente presente a ideia do materialismo histórico, o combate ao idealismo da filosofia da história, de tipo especulativa, segundo a qual a Ideia ou o Homem, movem as relações materiais. Entendem por outro lado que as relações entre os modos de troca e o desenvolvimento determinado das forças produtivas é que ao longo da histórica foram engendrando as reprentações da ideia, da noção do homem sobre si mesmo, da religião ou mesmo do estado. Em tempos modernos, este embate entre os modos de troca e o desenvolvimento determinado das forças produtivas são genericamente colocados como sociedade civil. 

Antes de passar aos conceitos, mais algumas considerações sobre a obra. “A Ideologia Alemã” só foi “descoberta” e publicada em 1932. Isso significa que toda uma geração de marxistas (como Lênin) não teve contato com a obra. Não é um fato significativo, já que é um livro que não destoa mas que antecipa conceitos que seriam melhor delineados posteriormente, como a ideia de alienação do trabalho (O Capital) ou mesmo a noção da sociedade comunista que surge nas glosas da crítica do programa de Gotha, entre outros. A edição a que tivemos acesso correspondente à da Ed. Martins Fontes conta com uma introdução do historiador marxista brasileiro Jacob Gorender, ao texto integral de Ideologia Alemã e às 11 teses sobre Feuerbach. 

Como dizíamos, a “Ideologia Alemã” é um livro voltado à polêmica e denota a ruptura de Marx com os jovens hegelianos (que invertem a noção/percepção do mundo sem conceber a centralidade das relações de produção e as forças produtivas como elemento fundante do desenvolvimento histórico) bem como com o materialismo limitado de Feuerbach que se volta contra a religião sem levar em consideração as relações sociais que engendram a alienação religiosa. 

Dentro deste esboço crítico Marx é obrigado a perpassar por uma série de conceitos que ficariam definitivamente associados à sua orientação filosófica. Em Ideologia Alemã, o que há de mais importante é a filosofia/metodologia da história que Marx desenvolve como materialismo histórico. 

Assim sintetiza Marx:

“Eis portanto os fatos: indivíduos determinados com atividades produtivas segundo um modo determinado entram em relações sociais e políticas determinadas. Em cada caso isolado, a observação empírica deve demonstrar nos fatos, e sem nenhuma especulação ou mistificação, a ligação entre a estrutura social e a política e a produção. A estrutura social e o Estado nascem continuamente do processo vital de indivíduos determinados; mas estes indivíduos não são tais como aparecem na representação que fazem de si mesmos ou na representações que fazem os outros deles, mas na sua existência real, isto é , tais como trabalham e produzem materialmente: portanto, do modo como atuam em bases, condições e limites materiais determinados e independentes de sua vontade.

A produção das ideias, das representações e da consciência  está , à princípio, direta intimamente ligada à atividade material e ao comércio dos homens”.

É necessário não subestimar a força destas palavras e a forma como elas antecedem em décadas problemas que a denominada filosofia da história iria se deparar muitos anos depois. Como se sabe, a História como uma disciplina autônoma e independente iria surgir formalmente apenas em fins do século XIX com os estudos do alemão Leopold Von Ranke dentro de uma orientação positivista. 

Predominou-se então uma perspectiva contrária ao materialismo histórico propugnado por Marx, mas à “história dos grandes eventos”, onde se privilegiava os grandes fatos políticos seguidos de forma consecutiva sem grandes cogitações acerca das relações entre o que ocorria nos meandros dos grandes palácios com a queda de príncipes e o desenvolvimentos de rebeliões e revoluções e os problemas terrenos relacionados ao desenvolvimento da sociedade civil, à lute de classes, à escassez econômica e principalmente aos choques entre o modo de produção e o desenvolvimento das forças produtivas. Escrito em 1845, só muito posteriormente as lições do materialismo histórico seriam seriamente assimiladas como uma chave explicativa original e eficaz para os fenômenos de grandes transformações na história, desde a queda de impérios até a ascensão de novas classes sociais ao poder. 

Ainda que o tema da filosofia da história seja predominante em “Ideologia Alemã” outros conceitos chave do marxismo são apresentado nos escritos. Havia ainda muita confusão acerca da compreensão do Estado e seu sucedâneo Direito, o que, diga-se de passagem, permanece como fonte de sérias ilusões mesmo no campo da esquerda no Brasil. Assim preleciona Marx:  

“Por ser uma Classe e não mais um estamento, a burguesia é obrigada a se organizar no plano nacional, e não mais no plano local, e dar uma forma universal aos seus interesses comuns. Com a emancipação da propriedade privada em relação à comunidade, o Estado adquiriu uma existência particular ao lado da sociedade civil e fora dela; mas este Estado não é outra coisa senão a forma de organização que os burgueses dão a si mesmos por necessidade, para garantir reciprocamente sua propriedade”. 

Temos aqui, portanto, o caráter de transitoriedade histórica que marca o estado conforme sua ligação com a dominação burguesa que também só perdura no tempo até o momento de queda desta sociedade fruto de uma revolução dos trabalhadores.

“Sendo o Estado, portanto, a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de uma época, conclui-se que todas as instituições civis de uma época passam pela mediação do Estado e recebem uma forma política. Daí a ilusão de que a lei repousa na vontade e, ainda mais, em uma vontade livre, destacada de sua base concreta. Da mesma maneira o Direito por sua vez reduz-se à lei”

O interessante é que palavras redigidas em 1845 ainda possuem um grau de radicalidade política que mesmo partidos da esquerda pequeno burguesa do país certamente não assumiriam em seu “programa mínimo” tais enunciados ditos em alto e bom som por Marx, sendo ele próprio não só um um ativista do momento dos trabalhadores, mas igualmente um interprete rigoroso desta sociedade. Há de se ponderar certamente que Marx ao identificar a natureza burguesa inevitável do estado nunca propugnou, tal qual os anarquistas, o simples boicote das eleições. Aqui ele identifica as raízes históricas e as imbricações essenciais entre a divisão do trabalho, a forma de propriedade privada e seu condicionamento político sob Estado, com a emergência da burguesia como nova classe dominantes. Ainda assim, Marx sugere sempre uma análise detida das particularidades de cada situação, já que à sua época tal processo ainda não se completara efetivamente à nível global.

A leitura da Ideologia Alemã é fundamental como ponto de partida para um contato posterior do “Marx maduro”. Além dos conceitos de “materialismo histórico” que fazem contraponto ao idealismo da filosofia idealista alemã tributárias de Hegel e o materialismo limitado de Feuerbach, neste livro se prenunciam temas como a alienação do trabalho ou mesmo aspectos da sociedade comunista, diante a abolição da propriedade privada, da ressignificação do trabalho e do controle da produção pela vida. 


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