sábado, 4 de julho de 2015

“Os Bruzundangas” – Lima Barreto – Ed. Brasiliense São Paulo – São Paulo – 1961

“Os Bruzundangas” – Lima Barreto – Ed. Brasiliense São Paulo – São Paulo – 1961


Resenha Livro 177 - "Os Bruzundangas" / "As Aventuras do Doutor Bogóloff" - Ed. Brasiliense- São Paulo - 1961

A “República dos Estados Unidos da Brazundunga” é uma matáfora do Brasil. Trata-se de um raro exemplo de romance do tipo sátira de autoria do escritor por Lima Barreto, o principal expoente do período literário do pré-modernismo no Brasil. 

A Sátira encontra seu equivalente na caricatura ou mesmo naquilo que os sociólogos chamam de tipo ideal e é bem uma chave explicativa para se compreender um fenômeno social, uma cultura ou um povo. O tipo ideal Webberiano é uma espécie de generalização que permite ao observador de diversos fatos tais apreendê-los em seu caráter total, um recurso técnico portanto que forma uma terminologia comum; na arte a caricatura opera de forma semelhante ao tipo ideal Webberiano, concentrando os traços mais destacado de um personagem (nariz ou boca), com a diferença de que aqui há o evidente tom jocoso. 

A uma grande paródia sobre Brasil, correspondendo a espécie literária de tipo humorístico e ao mesmo tempo eivada de crítica social (Castigat ridendo mores – o riso castiga os costumes), em que se comenta o patrimonialismo, o bacharelismo e o apego aos meros títulos formais da Brazundanga, a política voltada unicamente à busca de cargo para parentes (nepotismo) desprovida de qualquer cogitação político-ideológica, a crítica literária e os artistas dentro de uma patética tradição de importar um regime de arte totalmente alheia à tradição local, a aristocracia política formada por nomeações que atendem interesses familiares e pecuniários, e por aí vai. 

Só o fato de termos um romance na forma de sátira e a atualidade da crítica mordaz de Lima Barreto, ele próprio em vida um mulato e nunca reconhecido em vida por seus talentos e com uma perspectiva privilegiada para as críticas perpetradas, sugeriria maior disseminação de tal obra ainda hoje pouco conhecida. Uma das eventuais explicações deve-se ao fato de que o livro foi publicado postumamente de forma incompleta e sem ser revisto pelo escritor. Diante de apertos financeiros, Lima Barreto confiou os originais ao editor Jacinto Ribeiro dos Santos que lhe pagou setenta mil réis pelos direitos da obra “por todo o sempre”. Antes o livro havia sido publicado no jornal Periódico do ABC de 1917 e depois com a posse dos direitos autorais junto à família do autor, estariam os capítulos completos, sem revisão, além de alguns não incluídos na primeira edição de Jacinto Ribeiro. 

Crítica ao Brasil por meio da Brazundanga 

A sátira tem o condão de ir destacando alguns dos vícios mais proeminentes da sociedade brasileira (objeto da paródia) e levá-los a uma espécie de extremo que causa no leitor um efeito de um humor e de reflexão crítica. Um exemplo, é o apego às formas em detrimento ao conteúdo, o formalismo que se satisfaz com as aparências do saber. O bacharelismo e o peso do título de doutor nestas terras têm como resultado uma mediocridade geral, em que eventuais capazes, sem protegidos e títulos são defenestrados pelo meio. 

“Digo – “caracteriza”, porque, como os senhores verão no correr destas notas, não há na maioria daquela gente uma profundeza de sentimento que as impila a ir ao âmago das cousas que fingem amar, de decifrá-la pelo amor sincero em que as têm, de querê-las. Só querem a aparência das cousas. Quando (em geral) vão estudar medicina, não é a medicina que  eles pretender exercer, não é curar, não é ser um grande médico, é ser doutor; quando se fazem oficiais dó exército ou da marinha, não é exercer as obrigações atinentes a tais profissões, tanto assim que fogem de executar o que é próprio a elas. Vão ser uma ou outra coisa pelo brilho do uniforme. Assim também são os literatos que simulam sê-lo para ter a glória que as letras dão, sem querer arcar com as dores, com o esforço excepcional, que ela exige em troca”. 

Temos aqui portando, a crítica ao formalismo, ao bacharelismo e à má conduta de uma elite que não exercem suas profissões à altura das expectativas mas consoante interesses mesquinhos e à vaidade pessoal. No que tange especificamente aos bacharéis, nas Brazundangas ela forma uma aristocracia doutoral, com uma hierarquia própria, que vai dos doutores em Direito e Engenharia (mais considerados e visados pelas moça a fim de casamentos...) e dentistas (nas escala doutoral escalão mais baixo). Num país onde a maracutaia é a regra, muitos cidadãos compram seus títulos de barão na Europa e são realmente respeitados pelo povo de Brazundanga que engole tal engodo. 

Em suma poderíamos infelizmente dar como de certa atualidade (ainda que com certo exagero, como se fosse uma caricatura do Brasil) as críticas na sátira das Brazundangas em Lima Barreto. Talvez poderíamos dizer que apenas no que tange a literatura, o panorama mudaria pouco tempo depois da obra ser publicada (1917) com geração da arte moderna de 1922 que ao contrário da tradição de até então, inaugurou no Brasil uma arte com fontes verdadeiramente nacionais. Sabe-se que Lima Barreto teve posições reservadas com o movimento modernista de 1922. Mas é inegável a importância daquela vanguarda no sentido de tirar a literatura e as artes nacionais da área de influência e dependência francesas. 

Lima Barreto é um escritor que se insere num momento de transição na literatura, o do pré-modernismo, caracterizado naquele escritor pela literatura de subúrbio do Rio de Janeiro, denúncia das desigualdades sociais e do racismo. O escritor foi muito criticado em sua época por sua linguagem popular, teve problemas de alcoolismo e terminou a vida num manicômio. 

Finalmente, nesta edição que compõe as obras completas de Lima Barreto vai uma pequena novela do autor denominada “Aventuras do Doutor Bogóloff”. Trata-se de um Russo filho de pai modesto dono de uma pequena livraria – na juventude o jovem mantém alguns contatos com movimentos anarquistas e é preso para desgosto do pai, um humilde que via o Czar como paizinho. Pouco tempo depois o pai morre e após ser solto e com a perseguição policial, Bogóloff resolve tentar a vida  no Brasil, diante de propagandas sugerindo ser aqui o melhor dos mundos. A interface entre esta novela e Bruzundanga é justamente  a crítica aos costumes, sociedade, políticos e povo brasileiro, desta vez feita por um imigrante que em alguns anos tem uma trajetória fantástica pelo país – possibilitando observar o Brasil desde várias perspectivas. Começa trabalhando numa colônias de europeus no Sul onde constata alto volume de trabalho para pouco rendimento. Dirige-se à corte, e consegue uma entrevista junto a um parlamentar e com uma conversinha fiada sobre técnicas de agricultura é nomeado numa canetada Diretor da Pecuária – quando passa a ganhar um alto soldo do tesouro público para basicamente assinar papeis. Em função de um mal entendido, durante uma viagem de pesquisas para a implantação de seu projeto é destituído do cargo, todos o abandonam, e consegue sobrevivem na base da malandragem com pequenos delitos. Faz-se de crítico de arte e de pintor, sem nunca ter pintado na vida e engana toda uma sociedade – o fato de ser loiro, estrangeiro e sobrenome Bogóloff, contribui para a peça plantada, e por aí vai. 

Lima Barreto é um dos primeiros escritores a dar voz a personagens fora do ambiente burguês e seus livros remetem à perspectiva de um jornalista com uma perspectiva crítica bastante acentuada sobre seu tempo. Foi um rebelde e por isso morreu isolado. Hoje merece ser resgatado e conhecido. 

Um comentário:

  1. Excelente resenha, meu caro!

    Desses li apenas "Bruzundangas", mas fiquei bastante interessado por "Aventuras do Doutor Bogóloff".

    Entretanto, apenas para compartilhar o que mais me deixa instigado pela leitura das obras do autor, aponto o traço da ironia cética, o qual se encontra em todas suas obras.

    A sátira da sociedade brasileira do século XX: republicana, futurista, aristocrática, moralista e cristão, mas, ao mesmo tempo, corrupta, elitista, cerimoniosa e ignorante.

    Enxergo a raiz disso em sua própria frustração com a proclamação da república. Seus pais de origem humilde, descendentes de escravos, eram próximos às alas reformadoras e abolicionistas do regime monárquico, com maior expressão no Visconde de Ouro Preto (último Chefe de Governo).

    A proclamação da república, por militares e escravistas, causou-lhe um sentimento de desilusão ainda jovem, que carregou ao longo de sua vida e em sua obra.

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