Resenha Livro # 71 – “A
Revolução antes da Revolução – As guerras camponesas na Alemanha. Revolução e
Contra-Revolução na Alemanha” –Friederich Engels - Ed. Expressão Popular
A “Revolução antes da
Revolução” é um bom título para os ensaios de F. Engels organizados pela
editora Expressão Popular. O título
parece sintetizar o significado das insurreições camponesas do séc. XVI e dos
levantes dos anos 1848-1849 na Alemanha, no que se refere às relações entre uma
revolução da burguesia e uma futura revolução do proletariado.
Desde o ponto de
vista marxista, a história dos homens é a histórica da luta de classes: as revoluções
implicam numa agudização radical dos conflitos entre as classes sociais e podem
ser explicadas por fatores objetivos e subjetivos. Os fatores objetivos das
revoluções correspondem às relações entre o desenvolvimento das forças
produtivas frente ao modo de produção historicamente determinado, com suas
respectivas instituições e expressões do poder político que passam a andar em
descompasso com o desenvolvimento da sociedade e da economia. Os fatores
subjetivos envolvem o grau de maturidade histórica e organização das classes,
desde a coesão e conformação da independência da classe (a sua “autonomia”),
até a existência de homens e mulheres capazes de dar uma direção consequente e
resoluta aos dilemas da crise revolucionária. “Revolução antes da Revolução”
diz respeito ao exame, por parte de Engels, de revoluções e levantes em que a
classe trabalhadora, ainda que participante dos levantes, especialmente em
1848, não tinha ainda o grau necessário de experiência e maturidade política,
bem como uma organização independente para se apoiar, de forma a ir além dos
interesses da burguesia em sua luta contra o Feudalismo. Os trabalhadores se
armaram e estiveram por de trás da burguesia em sua luta revolucionária – e,
conforme os interesses entre capital e trabalho também são antagônicos, a
ascensão burguesa passa a ser acompanhada da luta contra seus antigos aliados.
Engels com enorme
maestria analisa a história dos levantes e insurreições ora camponesas, ora
burguesas, desde a perspectiva dos interesses de classe em jogo e da composição
de forças e organização das mesmas, o que viria a decidir a sorte daqueles dois
movimentos revolucionários. O livro contêm dois trabalhos distintos de Engels.
A primeira parte do livro aborda as revoluções e levantes camponeses nos
territórios alemães no séc. XVI. Àquela altura, o capitalismo ainda vivia a sua
fase comercial (ou seja, não industrial). A manufatura e a classe dos artesãos
nas cidades faziam as vezes de um embrionário proletariado que passaria a se
conformar como classe especialmente após a revolução industrial. Ademais, o
movimento camponês do início da era moderna tinha forte conotação religiosa –
por detrás da crítica protestante de Lutero e do ainda mais radical Thomas
Müntzer, surgiam as demandas contra o esmagamento do camponês por tributos e
pela igualdade entre os homens. Este último, de teólogo reformador, virou líder
revolucionário e apoiador dos anabaptistas, a “ala radical” da reforma
protestante, tendo se virado inclusive contra Lutero, aqui considerado como “moderado”.
Engels, como
historiador, não comete o erro de analisar o passado e seus personagens desde o
ponto de vista do que aquele movimento revolucionário e aqueles pensadores
entendiam de si próprios, mas interpreta o passado a partir do que os agentes e
movimentos efetivamente fizeram. Levando
em consideração não a justificativa religioso mas os aspectos políticos daquela
conjuntura. Atrás das teses religiosas estavam cobertos discursos e ações
voltadas ao igualitarismo, ao fim da riqueza concentrada no 1º estado, a
construção de uma sociedade igual materialmente, enfim, a derrota do feudalismo.
Portanto, ainda que tal perspectiva surgisse no levante camponês com um viés
religioso, o que é decisivo, aqui, são os interesses de classe em disputa, bem
como o ponto de partida de uma longa batalha na Europa contra o feudalismo.
E foi ainda contra o
feudalismo, o poder concentrado da burocracia real, as tarifas alfandegárias e as
dificuldades de fazer circular suas mercadorias que a burguesia, tendo atrás de
si, agora, o proletariado urbano, se envolve na revolução que ocorreria na Alemanha
300 anos depois dos levantes camponeses. Enquanto a Revolução Francesa de 1789
e as revoluções industriais inglesas já haviam implicado na eliminação dos
entraves para o desenvolvimento do capitalismo, bem como da burguesia como
classe dominante, na Alemanha, havia um enorme atraso entre as instituições
políticas e o desenvolvimento das forças produtivas, contradição a partir da
qual emergem as lutas políticas burguesas. Um ponto importante a ser
considerado, todavia, é que a contra-revolução foi exitosa e derrotou todas as insurreições
na Prússia e na Áustria (principais estados alemães de então) e a derrota
sinalizava já o duplo caráter da revolução burguesa: ainda que houvessem
interesses de classe pressionando pela unificação alemã, por um regime
parlamentar e constitucionalista, pelo fim dos tributos abusivos e pela
abertura comercial, ao chegar ao poder (como ilustrou bem na história a “Assembleia
de Frankfurt”), a burguesia e os pequenos comerciantes passam a ter uma posição
vacilante, quando não contra-revolucionária: atrás de si havia agora (ao
contrário do séc. XVI) a classe trabalhadora em armas, o que poderia significar
um passo em frente na luta revolucionária a partir do atendimento dos
interesses dos trabalhadores que estão em oposição aos interesses econômicos
burgueses. Não só a vacilação, bem como inúmeros exemplos de traição de
elementos burgueses à luta revolucionária facilitaram o trabalho da repressão
da reação feudal. E a repressão das forças reacionárias, ligadas ao primeiro
estado, é descrita por Engels revelando a brutalidade com que os
revolucionários foram submetidos. Ao re-tomar as cidades, a reação matava a
maior parte dos rebeldes, amputava dedos e membros de alguns e mandava outros
para o exílio e prisão (este último caso, aliás, foi o de Bakunin, citado por
Engels).
A vacilação e traição
da burguesia às revoltas dos anos de 1848 na Alemanha foram fatais a todo o
movimento, dada a conjuntura revolucionária. A guiza de conclusão, reproduzimos
aqui uma bela passagem de Engels, comentando acerca de tal conjuntura e dos
efeitos das vacilações burguesas. Aqui, o companheiro de Marx fala sobre a “arte
da insurreição”.
“Ora,
a insurreição é uma arte, tanto quanto a guerra ou qualquer outra, sujeita a
certas regras de procedimento que, se forem descuradas, produzirão a ruína do
partido que as descurar. Essas regras, deduções lógicas da natureza dos
partidos e das circunstâncias com que tem de se lidar num tal caso, são tão
claras e simples que a curta experiência de 1848 tornaram os alemães bem
familiarizados com elas. Em primeiro
lugar, nunca provocar uma insurreição a não ser que se esteja completamente
preparado para encarar suas consequências. (....) Em segundo lugar, uma vez
iniciado o movimento insurrecional, agir com a maior determinação e na
ofensiva. A defensiva é a morte de todo levantamento armado; está perdido antes
de ele próprio se medir com o inimigo. Surpreender os antagonistas enquanto
suas forças estão dispersas, preparar novos êxitos, ainda que pequenos, mas
diários; manter o moral ascendente que o primeiro levantamento vitorioso
forneceu; reunir, desse modo, do nosso lado, aqueles elementos vacilantes que
sempre seguem o impulso mais forte e que sempre procuram o lado mais seguro;
obrigar os inimigos a se retirarem antes de poderem reunir as suas forças
contra nós; das palavras de Danton, o maior mestre da política revolucionária
até hoje conhecido: “de l’audace”, “de l’audace”,
encore de l’audace” (Audácia,
audácia e mais audácia – francês)”.
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