quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Por que não sou Feminista?

Artigo #1 - Por que não sou feminista?



O modo de produção capitalista cria condições para a reprodução e perpetuação de opressões contra tudo o que difere do padrão heteronormativo, do gênero masculino e do fenótipo branco. A superexploração da mulher negra dentro dos trabalhos mais precarizados e informais diz respeito, nesse sentido, ao fato do capitalismo servir-se de uma sociedade cingida por preconceitos raciais e de gênero para oferecer postos de emprego com os mais baixos salários e piores condições de trabalho aos setores marginalizados que destoam do padrão heteronormativo, masculino e branco. No âmbito dos mais precários postos de trabalho nas empresas de telemarketing ou nas redes de fast-food, uma rápida observação desde fora já bem revela a composição dos trabalhadores: jovens, alguns homossexuais, muitos negros e muitas mulheres. No caso particular do gênero, qualquer análise objetiva da realidade envolverá o reconhecimento de que o machismo é um momento constituinte da exploração capitalista, bem como fomentado pela Indústria Cultural, pela divisão sexual do trabalho, pela educação familiar e escolar ou mesmo pela maior parte das religiões. O machismo por sua vez produz a violência contra a mulher, violência física, sexual ou moral. Reproduz desigualdades mesmo no âmbito do mercado de trabalho. Para as mulheres, menores salários e maiores dificuldades de ascensão aos cargos de direção em todos os âmbitos possíveis: empresas, órgãos públicos, sindicatos e partidos políticos, mesmo de esquerda.

Numa breve síntese podemos afirmar que o machismo (apesar de ser um fenômeno histórico pré-capitalista) é um momento constituinte da sociedade do capital. Lutar contra o capitalismo implica, portanto, lutar contra o machismo. E lutar contra o machismo implica no fortalecimento da luta anti-capitalista.

Ocorre que as palavras são polissêmicas: “machismo” e “feminismo” vão ter significações distintas, para um homem machista, para um homem não machista, para uma mulher machista e para uma mulher não machista. A diferença de conotação envolve igualmente a visão social de mundo dos diferentes interlocutores.

A oposição entre machismo e feminismo

Lutar contra o machismo não implica adesão ao feminismo, entendido aqui como corrente política profundamente heterogênea que oferece diversas táticas para ou atenuar ou romper com a desigualdade de gênero.

Em primeiro lugar, é necessário ressaltar que existem diversos feminismos. Do neoliberal PSDB ao ultraesquerdista-trotskysta PCO, quase todos os partidos políticos possuem um setor de mulheres. Cada qual com táticas e estratégias distintas, às vezes antagônicas. O recorte de classes passa a ser um primeiro critério divisor do feminismo: o feminismo burguês em suas mais distintas variantes propõe medidas paliativas de combate à opressão, sem fazer com que tal militância envolva uma busca até as origens da desigualdade de gênero: o modo de produção capitalista. Outro feminismo, igualmente inconsequente, estabelece as relações entre as contradições vividas pelas mulheres e o capitalismo, buscando a superação da desigualdade por meio de grandes reformas legais e institucionais que ainda preservem o capitalismo – feminismo pequeno-burguês de matriz reformista.   Finalmente, há o feminismo revolucionário, corrente política que entende ser a plena superação da opressão das mulheres produto tanto das batalhas cotidianas contra o machismo quanto, e principalmente, pelo fim da sociedade do capital, fonte originária desta e das demais desigualdades.

Os comunistas se identificam não com todo feminismo, mas com este último feminismo em particular, o feminismo revolucionário. Entendem assim que o problema da luta de classes perpassa a opressão de gênero, de modo que, por suposto, há um enorme, gigantesca distância do “feminismo” em Rosa Luxemburgo ou em Margareth Thatcher.

Aqui iniciamos o início de nossa polêmica. Todo comunista deve lutar taticamente contra o machismo, o racismo e a homofobia: lutar contras as opressões é lutar contra um sistema de exploração classista que se serve das opressões para fazer perpetuar a super-exploração do trabalho, justificar ideologicamente as desigualdades naturalizadas pela sociedade capitalista e até mesmo criar alguns “padrões” de conduta e de fenótipo a serem atingidos – com o apoio da Industria Cultural, os “padrões” acompanham industrias de cosméticos, academias de musculação, revistas e produtos culturais da televisão e cinema, etc.

Entretanto, entendemos que lutar contra o machismo não torna um indivíduo “feminista”. Mais. Não ser feminista não significa adesão ou conivência com o machismo. Como se sabe, o feminismo é uma corrente política multicolor e nenhum comunista (homem ou mulher) está obrigado a escolher uma filiação do feminismo em particular para estar contra o machismo – mesmo porque a arma da crítica já está à disposição dos marxistas, seus pressupostos teórico-metodológicos e seus horizontes políticos são mais do que suficientes para a crítica de gênero tornando mesmo a existência de algumas teorizações “ecléticas” verdadeiras formas de apagar o horizonte de classes da abordagem feminista. Tal ponto (o de não haver necessidade de ser feminista para estar contra o machismo) passa a ganhar relevância no Brasil já que, segundo nossas observações, nenhuma variante do feminismo dentro das organizações políticas brasileiras faz uma discussão verdadeiramente marxista sobre o tema, infelizmente.

Apoiando-nos nas alas revolucionárias do feminismo, o que podemos enxergar é uma verdadeira confusão e balbúrdia. Para correntes ultra-esquerdistas como a Negação da Negação, não haveria espaço para uma militância contra as opressões diante da óbvia prevalência da questão da luta de classes. Esquece tal setor que o capitalismo é racista, machista e homofóbico e que a luta contra as opressões é uma luta anticapitalista: contra as opressões, os trabalhadores avançam sobre a burguesia e apenas com a vitória final do trabalho sobre o capital (comunismo) haverá uma sociedade não mais cingida em classes sociais e dividida por raça, gênero e orientação sexual. Outra corrente supostamente revolucionária (PSTU) tem uma prática política ainda mais lamentável. Utilizam-se criminosamente da histórica luta das mulheres para caluniar e difamar militantes homens de outras organizações. Defendem escrachos de homens militantes, criando mais divisão e desconfiança com relação à pauta das mulheres, principalmente entre os “escrachados” que deveriam ser “educados”, principalmente quando estão na mesma fileira de classe dos trabalhadores. (Gostaria mesmo de ver a mesma valentia com que certas “feministas” fazem escrachos a estudantes univeritários em territórios livre de ameaça, com a disposição de ir para a periferia e intervir em casos infinitamente mais graves de machismo, como a violência física contra a mulher, praticada cotidianamente por homens da classe trabalhadora). Ocorre que estas feministas do morenismo nunca estiveram, não estão e provavelmente jamais estarão preocupados em combater de fato o machismo – inclusive dentro de suas próprias fileiras e junto a restrita base proletária deste partido. Seu feminismo é pequeno-burguês, tende e jogar homens contra mulheres e dentro do movimento, é antes uma ferramenta divisionista voltada ao jogo da pequena política de gabinete (difamar adversários) e, claro, a auto-construção partidária. Tudo, absolutamente tudo, menos combater o machismo.

Qual Feminismo?

Paulo Freire dizia acertadamente que o oprimido deve ser protagonista na sua luta pela sua emancipação e também pela liberação do opressor de sua condição. Da mesma forma como o proletariado é o sujeito histórico que derruba a classe que o explora (burguesia), as mulheres deverão estar a frente da luta por sua emancipação. Considerando que o autor destas linhas é homem, branco e heterossexual, certamente não sairá deste pequeno texto crítico a fórmula ideal das táticas e do horizonte de luta do feminismo. Esta é uma tarefa exclusiva das mulheres. O que nos cabe aqui é apontar dois pequenos pontos, reiterados pelos feminismos reformistas e revolucionários, com os quais não estamos de acordo.

(i) A guerra de sexos. Para certo feminismo pequeno-burguês, não há ou há quase nenhuma delimitação de classe na análise, interpretação e avaliação de métodos de luta. Trata-se de um feminismo pequeno burguês que, ao não identificar o capitalismo como inimigo central,  volta-se a uma batalha ilusória entre homens (sempre “vilões”) e mulheres (sempre “vítimas”). Para sustentar seus mitos, tentam embalar sua militância com pequenas ou minúsculas supostas manifestações de machismo, transformando episódios banais em objeto de denúncia, escrachos, etc. Uma cantada, uma poesia ou mesmo um xaveco mais tosco transformam-se numa escandalosa ação intencional e premeditada de diminuir a mulher. Esta ou aquela música ou este e aquele conjunto musical apenas são escutados sob sigilo e toda manifestação de arte também passa a ser objeto de críticas duvidosas. Este feminismo pequeno-burguês chega ao ridículo de polemizar com homens que em reuniões políticas públicas erguem o tom de voz – ou seja, a forma como o militante se expressa passa a ser objeto de controle feminista, restando aos homens de voz grave que “falam grosso”, ou calar-se ou quem sabe sugerir que tais “feministas” providenciem remédios que atenuem os efeitos de sua testosterona na voz. Defendemos contra estas feministas que qualquer militante organizado em movimento social ou partido político de esquerda deva ter a liberdade para se expressar da forma como quiser, seja em verso, prosa, com voz em barítono ou não.

(ii) o mito do padrão de beleza. Uma grande falsificação presente em praticamente todas as correntes feministas diz respeito ao fato da mulher ser a maior e exclusiva vítima dos padrões estéticos engendrados pela Indústria Cultural. Algumas responsabilizam os homens (e não a Industria Cultural, a Família, a sociedade capitalista...) pelas mortes por bulimia, anorexia e doenças relacionadas. Em primeiro lugar, contra tais argumentos, respondemos que os homens também são vítimas dos padrões de beleza engendrados pela televisão, cinema, industria de cosméticos, etc. Da mesma forma que existe um padrão feminino (branca, cabelos lisos, magra, etc.), também existe um padrão masculino (branco, cabelos lisos, músculos grandes, etc.). Logo, os problemas emocionais decorrentes dos padrões estéticos também estão presente nos homens: e assim, as academias de musculação estão cheias e já foi noticiado que garotos chegam a usar anabolizante de cavalos para “melhorar a aparência”. Todo o sofrimento decorrente da criação de padrões de beleza inacessíveis para a maioria das pessoas, afeta igualmente homens e mulheres, de formas distintas mas resultando igualmente em sofrimento, isolamento, depressão e atitude anti-sociais.

Por isso Comunista e Não Feminista!

Frente ao problema do machismo e a ausência de alguma corrente feminista que tenha um programa anti-capitalista, revolucionário, comunista e não-oportunista no Brasil, o que é possível dizer é que hoje é possível um comunista brasileiro dizer-se não feminista. Entretanto, não ser feminista não significa adotar uma postura machista. O não feminismo é a não filiação às distintas correntes do feminismo. O não feminismo significa a não confiança nas interpretações dos distintos movimentos de mulheres do que seja “machismo”.  O não feminismo comunista significa a não confiança nas interpretações dos distintos movimentos de mulheres acompanhado de uma preocupação exclusivamente tática acerca da opressão de gênero, aportando para esta questão com a condição de que tal movimento nos aproxime de nosso horizonte estratégico comunista, e não que nos turbe a visão criando uma falsa guerra de sexos que divide a classe trabalhadora e fortalece os nossos adversários.

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