O modo de produção
capitalista cria condições para a reprodução e perpetuação de opressões contra
tudo o que difere do padrão heteronormativo, do gênero masculino e do fenótipo
branco. A superexploração da mulher negra dentro dos trabalhos mais precarizados
e informais diz respeito, nesse sentido, ao fato do capitalismo servir-se de
uma sociedade cingida por preconceitos raciais e de gênero para oferecer postos
de emprego com os mais baixos salários e piores condições de trabalho aos
setores marginalizados que destoam do padrão heteronormativo, masculino e
branco. No âmbito dos mais precários postos de trabalho nas empresas de
telemarketing ou nas redes de fast-food, uma rápida observação desde fora já
bem revela a composição dos trabalhadores: jovens, alguns homossexuais, muitos
negros e muitas mulheres. No caso particular do gênero, qualquer análise objetiva
da realidade envolverá o reconhecimento de que o machismo é um momento
constituinte da exploração capitalista, bem como fomentado pela Indústria
Cultural, pela divisão sexual do trabalho, pela educação familiar e escolar ou
mesmo pela maior parte das religiões. O machismo por sua vez produz a violência
contra a mulher, violência física, sexual ou moral. Reproduz desigualdades
mesmo no âmbito do mercado de trabalho. Para as mulheres, menores salários e
maiores dificuldades de ascensão aos cargos de direção em todos os âmbitos
possíveis: empresas, órgãos públicos, sindicatos e partidos políticos, mesmo de
esquerda.
Numa breve síntese
podemos afirmar que o machismo (apesar de ser um fenômeno histórico
pré-capitalista) é um momento constituinte da sociedade do capital. Lutar
contra o capitalismo implica, portanto, lutar contra o machismo. E lutar contra
o machismo implica no fortalecimento da luta anti-capitalista.
Ocorre que as
palavras são polissêmicas: “machismo” e “feminismo” vão ter significações
distintas, para um homem machista, para um homem não machista, para uma mulher
machista e para uma mulher não machista. A diferença de conotação envolve
igualmente a visão social de mundo dos diferentes interlocutores.
A oposição entre machismo e feminismo
Lutar contra o
machismo não implica adesão ao feminismo, entendido aqui como corrente política
profundamente heterogênea que oferece diversas táticas para ou atenuar ou
romper com a desigualdade de gênero.
Em primeiro lugar, é
necessário ressaltar que existem diversos feminismos. Do neoliberal PSDB ao
ultraesquerdista-trotskysta PCO, quase todos os partidos políticos possuem um
setor de mulheres. Cada qual com táticas e estratégias distintas, às vezes
antagônicas. O recorte de classes passa a ser um primeiro critério divisor do
feminismo: o feminismo burguês em suas mais distintas variantes propõe medidas
paliativas de combate à opressão, sem fazer com que tal militância envolva uma
busca até as origens da desigualdade de gênero: o modo de produção capitalista.
Outro feminismo, igualmente inconsequente, estabelece as relações entre as
contradições vividas pelas mulheres e o capitalismo, buscando a superação da
desigualdade por meio de grandes reformas legais e institucionais que ainda
preservem o capitalismo – feminismo pequeno-burguês de matriz reformista. Finalmente,
há o feminismo revolucionário, corrente política que entende ser a plena superação
da opressão das mulheres produto tanto das batalhas cotidianas contra o
machismo quanto, e principalmente, pelo fim da sociedade do capital, fonte
originária desta e das demais desigualdades.
Os comunistas se
identificam não com todo feminismo, mas com este último feminismo em particular,
o feminismo revolucionário. Entendem assim que o problema da luta de classes
perpassa a opressão de gênero, de modo que, por suposto, há um enorme,
gigantesca distância do “feminismo” em Rosa Luxemburgo ou em Margareth Thatcher.
Aqui iniciamos o início
de nossa polêmica. Todo comunista deve lutar taticamente contra o machismo, o racismo
e a homofobia: lutar contras as opressões é lutar contra um sistema de
exploração classista que se serve das opressões para fazer perpetuar a
super-exploração do trabalho, justificar ideologicamente as desigualdades
naturalizadas pela sociedade capitalista e até mesmo criar alguns “padrões” de
conduta e de fenótipo a serem atingidos – com o apoio da Industria Cultural, os
“padrões” acompanham industrias de cosméticos, academias de musculação, revistas
e produtos culturais da televisão e cinema, etc.
Entretanto, entendemos
que lutar contra o machismo não torna um indivíduo “feminista”. Mais. Não ser
feminista não significa adesão ou conivência com o machismo. Como se sabe, o
feminismo é uma corrente política multicolor e nenhum comunista (homem ou
mulher) está obrigado a escolher uma filiação do feminismo em particular para
estar contra o machismo – mesmo porque a arma da crítica já está à disposição
dos marxistas, seus pressupostos teórico-metodológicos e seus horizontes
políticos são mais do que suficientes para a crítica de gênero tornando mesmo a
existência de algumas teorizações “ecléticas” verdadeiras formas de apagar o
horizonte de classes da abordagem feminista. Tal ponto (o de não haver
necessidade de ser feminista para estar contra o machismo) passa a ganhar
relevância no Brasil já que, segundo nossas observações, nenhuma variante do
feminismo dentro das organizações políticas brasileiras faz uma discussão
verdadeiramente marxista sobre o tema, infelizmente.
Apoiando-nos nas alas
revolucionárias do feminismo, o que podemos enxergar é uma verdadeira confusão
e balbúrdia. Para correntes ultra-esquerdistas como a Negação da Negação, não
haveria espaço para uma militância contra as opressões diante da óbvia
prevalência da questão da luta de classes. Esquece tal setor que o capitalismo
é racista, machista e homofóbico e que a luta contra as opressões é uma luta
anticapitalista: contra as opressões, os trabalhadores avançam sobre a
burguesia e apenas com a vitória final do trabalho sobre o capital (comunismo)
haverá uma sociedade não mais cingida em classes sociais e dividida por raça,
gênero e orientação sexual. Outra corrente supostamente revolucionária (PSTU)
tem uma prática política ainda mais lamentável. Utilizam-se criminosamente da
histórica luta das mulheres para caluniar e difamar militantes homens de outras
organizações. Defendem escrachos de homens militantes, criando mais divisão e
desconfiança com relação à pauta das mulheres, principalmente entre os “escrachados”
que deveriam ser “educados”, principalmente quando estão na mesma fileira de
classe dos trabalhadores. (Gostaria mesmo de ver a mesma valentia com que
certas “feministas” fazem escrachos a estudantes univeritários em territórios
livre de ameaça, com a disposição de ir para a periferia e intervir em casos
infinitamente mais graves de machismo, como a violência física contra a mulher,
praticada cotidianamente por homens da classe trabalhadora). Ocorre que estas
feministas do morenismo nunca estiveram, não estão e provavelmente jamais
estarão preocupados em combater de fato o machismo – inclusive dentro de suas
próprias fileiras e junto a restrita base proletária deste partido. Seu
feminismo é pequeno-burguês, tende e jogar homens contra mulheres e dentro do
movimento, é antes uma ferramenta divisionista voltada ao jogo da pequena
política de gabinete (difamar adversários) e, claro, a auto-construção partidária.
Tudo, absolutamente tudo, menos combater o machismo.
Qual
Feminismo?
Paulo Freire dizia
acertadamente que o oprimido deve ser protagonista na sua luta pela sua
emancipação e também pela liberação do opressor de sua condição. Da mesma forma
como o proletariado é o sujeito histórico que derruba a classe que o explora
(burguesia), as mulheres deverão estar a frente da luta por sua emancipação.
Considerando que o autor destas linhas é homem, branco e heterossexual,
certamente não sairá deste pequeno texto crítico a fórmula ideal das táticas e
do horizonte de luta do feminismo. Esta é uma tarefa exclusiva das mulheres. O
que nos cabe aqui é apontar dois pequenos pontos, reiterados pelos feminismos
reformistas e revolucionários, com os quais não estamos de acordo.
(i) A guerra de
sexos. Para certo feminismo pequeno-burguês, não há ou há quase nenhuma
delimitação de classe na análise, interpretação e avaliação de métodos de luta.
Trata-se de um feminismo pequeno burguês que, ao não identificar o capitalismo
como inimigo central, volta-se a uma
batalha ilusória entre homens (sempre “vilões”) e mulheres (sempre “vítimas”).
Para sustentar seus mitos, tentam embalar sua militância com pequenas ou
minúsculas supostas manifestações de machismo, transformando episódios banais
em objeto de denúncia, escrachos, etc. Uma cantada, uma poesia ou mesmo um
xaveco mais tosco transformam-se numa escandalosa ação intencional e
premeditada de diminuir a mulher. Esta ou aquela música ou este e aquele
conjunto musical apenas são escutados sob sigilo e toda manifestação de arte também
passa a ser objeto de críticas duvidosas. Este feminismo pequeno-burguês chega
ao ridículo de polemizar com homens que em reuniões políticas públicas erguem o
tom de voz – ou seja, a forma como o militante se expressa passa a ser objeto
de controle feminista, restando aos homens de voz grave que “falam grosso”, ou calar-se
ou quem sabe sugerir que tais “feministas” providenciem remédios que atenuem os
efeitos de sua testosterona na voz. Defendemos contra estas feministas que
qualquer militante organizado em movimento social ou partido político de
esquerda deva ter a liberdade para se expressar da forma como quiser, seja em
verso, prosa, com voz em barítono ou não.
(ii) o mito do padrão
de beleza. Uma grande falsificação presente em praticamente todas as correntes
feministas diz respeito ao fato da mulher ser a maior e exclusiva vítima dos
padrões estéticos engendrados pela Indústria Cultural. Algumas responsabilizam
os homens (e não a Industria Cultural, a Família, a sociedade capitalista...)
pelas mortes por bulimia, anorexia e doenças relacionadas. Em primeiro lugar,
contra tais argumentos, respondemos que os homens também são vítimas dos
padrões de beleza engendrados pela televisão, cinema, industria de cosméticos,
etc. Da mesma forma que existe um padrão feminino (branca, cabelos lisos,
magra, etc.), também existe um padrão masculino (branco, cabelos lisos,
músculos grandes, etc.). Logo, os problemas emocionais decorrentes dos padrões
estéticos também estão presente nos homens: e assim, as academias de musculação
estão cheias e já foi noticiado que garotos chegam a usar anabolizante de
cavalos para “melhorar a aparência”. Todo o sofrimento decorrente da criação de
padrões de beleza inacessíveis para a maioria das pessoas, afeta igualmente
homens e mulheres, de formas distintas mas resultando igualmente em sofrimento,
isolamento, depressão e atitude anti-sociais.
Por
isso Comunista e Não Feminista!
Frente ao problema do
machismo e a ausência de alguma corrente feminista que tenha um programa
anti-capitalista, revolucionário, comunista e não-oportunista no Brasil, o que
é possível dizer é que hoje é possível um comunista brasileiro dizer-se não
feminista. Entretanto, não ser feminista não significa adotar uma postura
machista. O não feminismo é a não filiação às distintas correntes do feminismo.
O não feminismo significa a não confiança nas interpretações dos distintos
movimentos de mulheres do que seja “machismo”.
O não feminismo comunista significa a não confiança nas interpretações
dos distintos movimentos de mulheres acompanhado de uma preocupação
exclusivamente tática acerca da opressão de gênero, aportando para esta questão
com a condição de que tal movimento nos aproxime de nosso horizonte estratégico
comunista, e não que nos turbe a visão criando uma falsa guerra de sexos que
divide a classe trabalhadora e fortalece os nossos adversários.
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