quarta-feira, 28 de agosto de 2013

“O Marxismo No Mundo Moderno” (Vários autores - Org. Milorad Drachkovitch)


Resenha Livro #70 – “O Marxismo No Mundo Moderno”- (Vários Autores) – Zahar Editores



                Ler e estudar rigorosamente as ideias de Marx e dos distintos marxismos envolverá necessariamente o contato com dois gêneros de obras.

O primeiro gênero corresponderia às “fontes primárias”, provavelmente a leitura mais difícil e que envolverá uma série de esforços extras do estudioso. As fontes primárias do historiador ou cientista social correspondem aos textos originais. As dificuldades aqui vão desde o problema da tradução – que, particularmente no âmbito do marxismo, quase nunca são desinteressadas politicamente, até o problema de edições incompletas. É necessário também contextualizar as fontes primárias sob duas perspectivas. Primeiro destacando-se o cenário histórico e conjuntural dentro do qual o texto foi escrito. Em segundo lugar, destacando o lugar ocupado pela obra dentro da evolução intelectual do autor. No caso de Marx, por exemplo, em uma leitura cuidadosa do Manifesto Comunista (1848), trata-se de relacionar a obra com a militância de Marx e Engels no quadro dos movimentos revolucionários que marcaram a Europa daquele período, para além da construção da I Internacional. De outra monta, um estudo analisado da “Guerra Civil em França” (1871) e os distintos volumes do “Capital” deveria destacar não só o cenário político que contextualiza as publicações, mas o fato de Marx, aqui, já estar em sua fase de maturidade intelectual, menos influenciado pela filosofia clássica alemã e mais influenciado pela economia política inglesa.

O segundo gênero de leituras marxistas pode ser desde já sub dividido em pelo menos 3 espécies distintas[i].  Trata-se aqui das fontes “secundárias”, obras escritas ou por marxistas ou por não marxistas, acerca das ideias de Karl Marx e dos marxismos. Um bom critério para a diferenciação entre uma interpretação marxista e não marxista está estabelecida nas teses de Feuerbach (1845). Ser marxista em primeiro lugar significa, consoante expressão da sociologia alemã, uma “visão social de mundo”. (Weltanschauung). Trata-se nesta perspectiva de reivindicar determinados pressupostos teórico-metodológicos que parte das inovações filosóficas e críticas de Marx e seus seguidores. Ademais, as obras escritas por marxistas são necessariamente textos produzidos por indivíduos que não só adotam a visão social de mundo marxista mas procuram intervir, particularmente no âmbito da batalha das ideias, em favor do trabalho em contraponto ao capital. Nesta perspectiva, poderíamos dizer que Lênin foi um grande marxista deste genero que destacamos, tanto no que se refere aos pressupostos teóricos de suas análises quanto ao fato de ser um militante socialista – consoante a última tese feuerbachiana, o marxista não só interpreta, mas transforma o mundo.

Uma segunda espécie de leitura marxista pode ser chamada  de interpretação não marxista crítica. Dentre as resenhas apresentadas neste blog, um exemplo desta espécie é o manual de marxismo do professor francês André Piettre. Interessa-nos as críticas ao marxismo vindas desde fora do marxismo, especialmente quando formuladas desde bases críticas e com honestidade intelectual.

Uma terceira e última espécie de leitura marxista está enquadrada no “Marxismo no Mundo Moderno”. Trata-se de uma coletânea de oito ensaios sobre marxismo escritos por professores universitários de França e Inglaterra em meados dos anos 1960 – concomitante à guerra fria, este tipo de literatura poderia ser caracterizada como leituras “anti-marxistas”. Há nos ensaios, em maior ou menor intensidade, um objetivo comum de caracterizar todas as experiências socialistas do séc. XX como regimes “totalitários”, em clara oposição ao ocidente capitalista “livre”. Não à toa, os ensaios a todo momento reiteram a luta pela hegemonia soviética dentre o campo socialista (até a ruptura com a China) e cita diversos exemplos de como a URRS ocupava um papel de dominação dentro do campo socialista, ainda que em grau menor após a desestalinização (1956), sem fazer menção aos diversos golpes militares encampados pelo imperialismo norte-americano na América Latina, além das intervenções bélicas na Ásia a favor do “Ocidente”. Trata-se, aqui, portanto, de uma leitura que envolve o contato com fontes hostis às ideias de Marx (batizadas a todo momento como “profissão de fé”, “dogma”, “religião” etc.), bem como a tentativa de deslegitimar os marxismos subsequentes por meio de um tipo de falsificação em que as fontes intelectuais de direita são particularmente especializadas: a busca das origens dos desvios, do “totalitarismo” ou do “autoritarismo” socialista a partir de seus principais líderes e seus traços individuais. Não é à toa que o próprio livro e sua divisão em capítulos dá-se em função de indivíduos que se projetaram como líderes das diversas experiências revolucionárias com conotação socialista do séc. XX. Assim, há capítulos específicos do “leninismo”, do “stalinismo”, do “kruschevismo”, do “titoísmo” (Marechal Tito da Iuguslávia) e “castrismo”. Lênin é pintado como um homem semi-louco, extremamente sectários, com uma autoconfiança inabalável. Stálin como um político profissional sem escrúpulos e princípios. E Kruschev é sintomaticamente pintado com cores menos ofensivas, correspondendo ao seu papel histórico de mudança no regime soviético num sentido de menor hostilidade com relação ao “ocidente”.

Acreditamos que existe interesse por parte dos marxistas de hoje voltarem-se também para a literatura anti-marxista, especialmente neste caso, já que temos boas razões para acreditar que a produção deste livro mobilizou importantes intelectuais anti-marxistas. Os autores  foram professores de Havard (Merle Fainsod e Adam Ulam), Stanford (Theodore Draper) e Universidade de Paris (Raymond Aron). Ou seja, ainda que as análises anti-marxistas sirvam-se de algumas fontes duvidosas e de alguns expedientes discutíveis do ponto de vista teórico-metodológico (como a incessante busca das origens dos sistemas autoritários na psicologia individual dos líderes revolucionários, sem se ater ao fato da interpretação das subjetividades ser também por si incrivelmente subjetiva), ainda assim, a sua leitura ajuda em primeiro lugar a nos situar em que bases estavam a batalha das ideias durante os anos 60 do século passado no mundo. Outrossim, os marxistas estão comprometidos, mais do que qualquer corrente filosófica, com a verdade histórica  e neste sentido, algumas das críticas ocidentais mostraram-se relativamente acertadas. O problema da restauração capitalista (ainda parcial e incipiente) já está contido nas análises sobre N. Kruschev e o capítulo final destinado “às Perspectivas do Comunismo Pluralista”. O problema da política externa desde o âmbito do campo socialista, com as tensões e posterior ruptura sino-soviética também são analisadas no livro, sendo certo que a divisão do movimento comunista mundial ainda nos deve ser fonte de ensinamentos históricos.

Portanto, preparar-se para lutar intelectualmente a favor dos trabalhadores e do povo, em prol do comunismo no séc. XXI, envolve uma atitude não sectária com os livros e obras anti-marxistas. Como procuramos mostrar neste artigo, a leitura de marx e os marxismos implica em distintos gêneros e espécies de textos. Devemos cortejá-los todos nos dias de hoje com o olhar atento da crítica radical (oferecida pela teoria marxista) e sempre buscando a coerência junto aos nossos compromissos históricos: independência de classe, suporte à luta dos trabalhadores pela revolução anticapitalista e socialista.     



[i] Por suposto nossa proposta de ilustração das distintas possibilidades de leitura de Marx e marxismos parte de critérios nossos, inteiramente submetidos às críticas dos nossos eventuais leitores.

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