sexta-feira, 25 de março de 2011

"Um Governo de esquerda Para Todos" - Paul Singer

Resenha Livro #20 – “Um Governo de Esquerda Para Todos” – Paul Singer Editora Brasiliense




O Triste Fim do Programa Democrático Popular

“Um Governo de Esquerda Para Todos” foi uma boa opção de título para o livro de Paul Singer. Trata-se de um relato da experiência do economista como Secretário do Planejamento do governo municipal de Luíza Erundina. Entre 1989 e 1992, a maior cidade do país foi governada pelo Partido dos Trabalhadores, naquele momento, a maior expressão da organização dos trabalhadores decorrente do ascenso das lutas sociais dos anos 1980.

“Um governo de esquerda para todos” é uma frase gritantemente contraditória. A esquerda nos governos, quando não acompanhada por amplas mobilizações de massa que viabilizem uma ruptura a partir de baixo, é sempre fonte de desconfianças. As diversas experiências históricas, inauguradas pela social democracia alemã, só reforçam a tese de que, na melhor das hipóteses, a esquerda, quando governa por meio do estado burguês, terá necessariamente de fazer graves concessões. (Nosso desafio é analisar os casos individualmente para se pensar e em que medida a organização e as lutas independentes dos trabalhadores e do povo avançam ou recuam durante aqueles governos).

“Um governo de esquerda para todos”, além disso, apresenta uma contradição maior, que vai perpassar todo o ensaio de Paul Singer. Quando assume o controle do governo municipal, pela via democrática formal, a prefeitura do PT assume as regras do jogo da democracia burguesa, o que significa admitir a responsabilidade de promover um governo “para todos”, pobres e ricos, patrões e operários, capital e trabalho.

A exigência da conciliação vai criando todo tipo de embaraços, particularmente dentro das relações entre o PT e o governo. A militância do PT exigindo as mudanças radicais correspondentes ao seu programa de radicalização da democracia burguesa e/ou socialismo, a depender mesmo das diversas forças políticas internas do partido em embate. E a gestão municipal justificando-se com a exposição de planilhas, dados numéricos e exigências legais que, sob qualquer hipótese, podem ser violadas sob a pena do “colapso”.

As raízes da contradição do Governo Popular

Os conflitos entre as exigências da militância e da governabilidade decorrem de maneira geral da contradição de um governo de esquerda com compromissos concomitantes com o capital e trabalho.

Decorrem igualmente de estratégia política que entende haver possibilidade de se acumular forças para o trabalho através do exercício da gestão dos poderes públicos combinado com a “democratização” no acesso à política (Neste último caso, vale colocar que os foros públicos, o orçamento participativo e as assembléias nos bairros, propostas pelo governo de Erundina foram sendo derrotadas um a um por exigências econômicas e jurídicas, falta de recursos, pressão dos empresários, manobras da oposição no legislativo, vetos das iniciativas pelo judiciário, etc.).

É possível identificar, finalmente, certo fetiche acerca dos aparelhos ideológicos, a prefeitura, por parte de ambas as partes, o partido e a gestão de Luiza Erundina. A atuação dentro da gestão é tumultuada por diversas mediações determinadas historicamente como forma de frustrar políticas que subvertam a lógica dominante das cidades sob o capitalismo: forte exclusão social, diferenças brutais nos acessos e na qualidade dos serviços prestados pelas classes, arrocho salarial dos trabalhadores do município enquanto empresários não têm sua margem de lucro afetadas pelas políticas do governo “de esquerda”, etc.

As normas e as exigências institucionais comprem um papel literal de conservação.

A ausência de mudanças e a contradição do “governo de todos” geram frustração em ambas as partes: “os companheiros do PT estavam frustrados porque, depois de vários meses da ‘tomada do poder’ municipal, aparentemente nada tinha mudado – no caso do transporte coletivo, a tarifa continuava sendo aumentada e a superlotação dos ônibus tinha ainda piorado mais. Os membros do governo por sua vez estavam frustrados não só porque suas próprias expectativas não se haviam realizado mas também porque o conhecimento precioso que estavam adquirindo sobre o lado de dentro da máquina governamental não despertava o interesse dos companheiros do partido(...)”.

Neste último ponto, Singer desaponta-se com o fato dos demais militantes não considerarem as possibilidades de aprendizagem nem as dificuldades da gestão. Ao longo de todo ensaio, há a defesa pessoal do governo Erundina, preserva-se sempre a figura da prefeita, mesmo onde o autor reconhece haver erros da gestão, de maneira que, no texto, Paul Singer parece debater com sinceridade e honestidade política. Igualmente, não temos acordo com sua política, com sua proposta de “democratização da democracia burguesa” por meio de atuações “participativas” dentro de uma estratégia de governo para “todos”. Esta é a política que tem como vocação administrar os conflitos de classe nos momentos de ascenso e maior complexidade das lutas, diz respeito à ação de gestores qualificados técnica e politicamente para atuar nos ciclos de crise do capitalismo.

O programa democrático popular, sob o qual o governo de Erundina orientava-se, ainda hoje tem peso majoritário dentro do campo de esquerda (democrática e socialista) do país. A leitura do relato de Paul Singer é uma boa provocação sobre o sentido do programa democrático popular num momento em que o governo do PT em seus 12 anos na gestão do país sequer resultou numa redução significativa da desigualdade social, elemento mínimo para se reivindicar um governo como de esquerda.

Citação Interessante

“Durante toda a minha vida de militante de esquerda fiquei intrigado pelo fato de governos eleitos sobre plataformas de mudanças profundas quase sempre acabarem realizando muito menos do que deles se espera. Refiro-me obviamente a governos democráticos, eleitos livremente e governando dentro da legalidade constitucional. Nunca me convenci do argumento frequentemente utilizado por críticos de que os governantes, uma vez instalados “no poder”, simplesmente esquecem as promessas feitas, se é que alguma vez tiveram intenção de cumpri-las. Há até um dito cínico a respeito. Governar seria como tocar violino: toma-se o instrumento com a esquerda mas ele deve ser tocado com a direita”

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