Artigo direito, política e poder #1 - Alguns elementos da discussão weberiana acerca do direito.
Max Weber é sociólogo alemão reconhecido por seus estudos acerca da conformação das instituições políticas formais, a importância da burocracia e a crescente racionalização da política e do direito como elementos constitutivos da modernidade. O projeto weberiano refere-se ao esforço de consolidar instituições políticas eficientes frente ao incremento das relações comerciais e a generalização do capitalismo em nível mundial. A própria gênese do capitalismo é fonte de preocupação de Max Weber em “A Ética Protestante”: sua proposta de interpretação das raízes ou dos elementos gerais que criam condições para o desenvolvimento do capitalismo dizem respeito à cultura de maneira geral e à religião protestante de maneira mais específica. Em "Economia e Sociedade", Max Weber destaca estudo sobre os aparelhos de poder, as relações entre estado e economia e a conformação histórica do direito. Tivemos acesso apenas ao 'Ética Protestante' e poucos capítulos de 'Economia e Sociedade'. Este artigo, por suposto bastante insuficiente, deve abordar alguns elementos tratados por Weber sobre o direito em seu último livro e talvez mais importante livro (Economia e Sociedade), lançado em 1922, dois anos após a sua morte.
A Justiça Leiga
Weber remete ao problema da conformação do direito na modernidade, sua especialização e suas relações gerais com o desenvolvimento histórico: as novas exigências econômicas e sociais genericamente decorrentes do desenvolvimento histórico do capitalismo. Dentre as tendências, identificamos a questão da especialização do direito, “a crescente tendência a considerar o direito vigente um aparato técnico com conteúdo desprovido de toda santidade racional”, corroborando para um “desconhecimento crescente” do direito por parte dos leigos. Leigos, aqui, são entendidos por todos aqueles de alguma forma afetados pelo direito, porém não sendo operadores do direito, propriamente ditos. A justiça leiga relaciona-se com o direito especializado de forma a existir fontes de tensão, genericamente decorrentes de diferentes expectativas acerca das finalidades e da forma como deve conformar-se o direito e a justiça. Weber exemplifica tensão entre a justiça leiga e a justiça dos especialista a partir do problema do direito penal e da participação de jurados nas deliberações dos conflitos. “Uma justiça de cádi diretamente irracional é atualmente praticada, em grande extenção, na justiça penal, em forma de justiça “popular” dos jurados. Corresponde ao sentimento dos leigos não instruídos juridicamente, a quem aborrece o formalismo do direito em cada novo caso concreto, e além disso aos instintos das classes não-privilegiadas, que exigem justiça material. Mas precisamente contra a peculiaridade da justiça de jurados, condicionada por esse caráter de justiça relativamente popular, há ataques vindos de dois lados”. Weber sinaliza como fonte daquela tensão uma oposição anterior, referente às exigências do princípio formal e o material da justiça.
Tendências Estamentais do Direito Moderno.
O projeto weberiano corresponde aos desafios dos aparelhos institucionais europeus frente às novas exigências da economia e sociedade na modernidade. Esta é uma questão que perpassa de maneira geral toda sua obra: o problema da burocracia, as relações entre o desenvolvimento do capitalismo e aspectos da cultura e da religião, entre outros. Particularmente no que se refere ao direito, o seu desenvolvimento na modernidade não significa a total eliminação de aspectos do direito pré-modernos, referentes, neste ponto, às tendências estamentais (que interpretamos aqui como “pré-modernas”) do direito na modernidade. Dentre estas tendências, Weber exemplifica em passagem que discute o direito mercantil. “O direito mercantil, na medida em que é pessoalmente delimitado, é direito de classe, e não direito estamental. Mas, sem dúvida, esta oposição diante do passado é apenas relativa”. Além das novas delimitações técnicas do direito, decorrentes do incremento das relações comerciais associadas à generalização do capitalismo, sobrevivem “particularidades jurídicas delimitadas por critérios puramente estamentais, com sua extrema importância, qualitativa ou quantitativamente”. As relações comerciais remetiam então a relações de confiança pessoal. Outrossim, finaliza Weber, “a delimitação da esfera de vigência dos direitos profissionais particulares – desde que não estava ligada à admissão a uma união – era quase sempre tratada, de modo puramente formal, pela aquisição de uma licença ou privilégio”. Vale sinalizar ainda referências que Weber faz ao direito anglo-saxão enquanto direito carismático, subjetivistas e patriarcal: todos esses elementos remetem àquelas tendências pré-modernas do direito.
Sínteses
Vale uma reflexão acerca dos significados mais gerais da formalização do direito e seu diálogo com problemas da atualidade. Além da formalização remeter a embates decorrentes de expectativas sociais da promoção de justiça, o fenômeno corrobora para uma situação contraditória. Vamos citar uma passagem que nos pareceu bastante instigante, no sentido de oferecer algumas reflexões importantes.
“Em todo caso, o desenvolvimento das qualidades formais do direito exibe traços estranhamente contraditórios. O direito, rigorosamente formalista e limitado ao que é manifesto, na medida em que o exige a segurança das relações comerciais, é não-formal no interesse da lealdade comercial, na medida em que é condicionado pela interpretação lógica do sentido da vontade das partes ou dos bons costumes comerciais. (....) Além disso, é forçado a tomar um rumo antiformal por todos aqueles poderes que exigem da prática jurídica algo diverso de um meio da luta de interesses pacífica”.
A passagem expressa, na nossa interpretação, a forma como o direito decorre de certas exigências da realidade, seja por um lado, no sentido de formalização para viabilizar segurança nas trocas econômicas, seja no sentido de flexibilização para viabilizar justiça material ou aquilo que Webber chama de “mínimo ético”. Por suposto, a contradição aqui, expressa no direito, decorre de contradições inscritas na realidade. A antinomia entre direito e economia, particularmente, nos parece ser uma fonte de preocupação de José Eduardo Faria em sua análise do direito e economia da realidade brasileira. Finalmente, a oposição pode assumir diferentes sentidos a partir das distintas filiações teórico-metodológicas daqueles que se desafiam pensar sobre o problema do direito na modernidade, seu desenvolvimento histórico e suas relações com economia, política e sociedade.
Algumas problematizações
Textos bons nem sempre trazem respostas satisfatórias, mas criam condições para a formulação de boas perguntas. Nesse sentido, as passagens que estudamos de Economia e Sociedade pareceram-nos excelentes: Weber é um ideólogo e um quadro da classe burguesa européia, seu pensamento, na nossa opinião, vai estar sempre de alguma forma relacionado às exigências políticas da burguesia enquanto classe dominante do capitalismo. Ainda sendo autor cujas referencias e autores expressem políticas com as quais não temos acordo – desde que o desafio weberiano é da gestão eficaz do capitalismo ao invés de sua superação, vamos trazer algumas perguntas decorrentes de sua leitura.
1- Qual é o sentido da idéia de especialização do direito?
2- Em que medida a especialização dialoga na atualidade com certa tendência mais geral do conhecimento surgir como algo fragmentado, de maneira a sinalizar o acerto das previsões do Weber para além mesmo do próprio direito?
3- Com relação ao formalismo, qual é a sua relação com o desenvolvimento histórico, particularmente no que se refere aos ciclos de expansão e crise do capitalismo? Daí as relações entre revolução francesa e a exegese napoleônica ou reestruturação produtiva e demanda por maiores flexibilizações das leis – reforma do direito do trabalho, seguridade social, etc.?
4- O que está por trás das tensões entre os leigos e os especialistas do direito? Será possível que estes dois campos de alguma forma coincidam algum dia?
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