Resenha Livro #19 – “O Quinze” – Rachel de Queiroz Ed. Livraria José Olympio
Sobre a obra
Chegou até nossas mãos uma edição bastante gasta do livro “O Quinze” : trata-se do 1º romance da escritora cearense Rachel de Queiroz. A obra foi escrita em 1930 – a primeira edição foi bancada pela própria autora, então com 20 poucos anos, tendo sido impressa no “Estabelecimento Gráfico Urânia” de Fortaleza.
A história sobre dramas pessoas e relações afetivas de personagens que passam pela experiência de grande seca no nordeste repercutiu logo após seu lançamento. A nossa edição data de 1966 e corresponde já à 7ª publicação da obra. O fato importante aqui é que, ao contrário de escritores como Machado de Assis que possuem uma evolução ou desenvolvimento própria e particular, Rachel, já no seu primeiro livro, lança as bases de seu estilo literário. O Quinze marcaria de certa forma toda a produção subseqüente da escritora, na sua primeira obra já se demarcam suas preocupações com o universo psicológico daqueles que são afetados pela dura situação social da seca no campo e da falta de trabalho na cidade. Diferente, portanto, de Machado de Assis, que nos primeiros romances encontra-se mais influenciado pelo romantismo e que, apenas com “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, lançaria uma nova proposta de arte que caracteriza sua obra: crítica de costumes e tiradas filosóficas correspondentes ao universo cultural da classe dominante brasileira do séc. XIX.
Voltando à Rachel de Queiroz e “O Quinze”. O romance não tem um protagonista, um personagem particular sobre o qual uma história é contada. O texto inova ao contar de maneira dinâmica a história de vida de distintos personagens de diferentes classes sociais cujas vidas vão se aproximando e se afastando de acordo com uma circunstância comum: todos os personagens vivem momento em que uma grande seca assola o nordeste e as graves condições sociais dos camponeses e pequenos proprietários de terra de uma forma geral passa a ser o tema da história. Algo particular no romance “O Quinze” (e o que, na nossa opinião, faz dele um romance bastante memorável) é a capacidade da autora relatar as emoções humanas e, particularmente, ações de solidariedade envolvendo personagens que vivenciam dramas comuns. Conceição, jovem professora com gosto pela leitura, envolve-se num grupo voluntário que presta assistência aos retirantes da seca. O vaqueiro Chico Bento, que foge da seca junto a sua família numa jornada a pé por vastos quilômetros debaixo de sol quente, compartilha o pouco de comida que tem com um grupo de desconhecidos. Os desconhecidos, camponeses e imigrantes como Chico Bento, passam fome e se preparam para comer a carne podre de cavalo doente e agonizante.
Comentários Políticos
A capacidade de Rachel de Queiroz dar um caráter humanizante aos personagens que eventualmente poderiam ser brutalizados pelas péssimas condições sociais tem a ver com uma percepção mais qualificada acerca das classes não possuidoras. Os camponeses, os trabalhadores livres pobres e os pequenos proprietários são, em “O Quinze”, dotados de capacidade de compreender as coisas, visualizar eventualmente contradições políticas que repercutem em suas más condições de vida.
Não encontramos certa percepção estereotipada da pobreza como vemos no romance naturalista “O Cortiço” de Aluízio de Azevedo. Os modernistas da 2ª Geração, preocupados igualmente em analisar a situação social, conseguem ir mais além e tratar dos sentimentos humanos e da complexidade do homem excluído socialmente. Graciliano Ramos foi muito capaz, nesse sentido. Em “O Quinze”, várias passagens revelam a forma como os humildes tem algum potencial de serem protagonistas políticos. Um exemplo deste último caso é do próprio vaqueiro Chico Bento, homem extremamente simples e sem educação formal, que se revolta quando tenta obter passagens doadas pelo governo para os retirantes dirigirem-se à capital em busca de auxílio. As passagens que deveriam ser doadas acabam sendo vendidas a certo redistribuidor oportunista. Bento revolta-se e sua revolta traduz-se em embriaguez e resignação. Igualmente, os demais personagens vivem o grave problema da seca e tocam suas vidas, procuram o amor, o trabalho e formas de obter felicidade. Isso gera no leitor empatia, a sensação de projetar-se no outro. Para os socialistas, a empatia com o povo é condição para ajudar torná-lo protagonista da história. Fazer com que a revolta não vire consentimento, mas revolução.
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