sexta-feira, 11 de março de 2011

"O Debate Sobre a Centralidade do Trabalho" - José Organista

Resenha Livro #18 “O Debate Sobre a Centralidade do Trabalho” – José Henrique Carvalho Organista – Ed. Expressão Popular





A série de livros “Trabalho e Emancipação” da Expressão Popular contém pesquisas acadêmicas e textos clássicos que discutem a conformação do trabalho sob o capitalismo e as potencialidades do labor enquanto parte da luta contra o capital. Identificamos aqui uma dupla dimensão do trabalho: por um lado, o trabalho abstrato, historicamente determinado, pensado enquanto valor de troca e alienante; por outro lado, o trabalho concreto, que precede e vai além da configuração do trabalho sob a lógica da heterogestão produtiva, pensado enquanto valor de uso e com potencial revolucionário.

Esta dupla dimensão do trabalho, ao não ser percebida ou claramente distinguida, acabou sendo fonte de confusões teóricas, particularmente quando se discute o problema do trabalho nas sociedades capitalistas de hoje. Identificar as imprecisões das teorias sociais que confundem “trabalho” e “emprego” e decretam, de distintas formas “o fim do trabalho” é o objetivo do estudo “O Debate Sobre a Centralidade do Trabalho”.

Para cumprir esta tarefa, o autor sistematiza os principais argumentos daqueles que pensam, sob diferentes maneiras, o fim da centralidade do trabalho, particularmente a partir da reestruturação produtiva dos últimos 30 anos.
Os fenômenos da flexibilização das relações de trabalho, o cooperativismo, a informalidade e o desemprego estrutural vão sendo interpretados pelos diferentes autores, ora como sinal do “fim do trabalho”, ora questionando a atualidade da “classe trabalhadora”. De maneira geral, cria-se certo senso comum de que existiria hoje tendência da supressão do labor produtivo pela “técnica”, pelo desenvolvimento tecnológico.

Não é difícil identificar a forma como aqueles prognósticos acerca da configuração do mundo do trabalho pós reestruturação produtiva dialoga com a ideologia neoliberal do “fim da história” e das utopias. Este parece ser especificamente o caso dos autores André Gorz (capítulo 1 – “Adeus ao proletariado e a utopia de uma sociedade do tempo livre”), Clauss Offe (capítulo 2- “Questionamentos sobre categoria trabalho) e mesmo Habermas (Capítulo 4 – “Linguagem, Trabalho e Interação”).

O que todos estes autores têm em comum é aquela confusão conceitual derivada da dupla dimensão do trabalho, ora como valor de uso ora como valor de troca, além da apreensão dos fenômenos relacionados ao trabalho apenas no que se refere a sua forma na história. O trabalho, por suposto, encontra-se fragmentado e existe de fato uma nova organização diferente do modelo fordista. Isto, igualmente, não implicou na supressão da exploração do trabalho. Pelo contrário: a redução dos números de trabalhadores empregados, por exemplo, opera dentro da lógica do capital desde que a criação de exército de reserva é a melhor forma de imobilizar os trabalhadores. As redes informais de trabalho não existem separadamente ou à margem da produção de mercadorias no capitalismo. A fragmentação do trabalho, de maneira geral, diz respeito às novas exigências do capitalismo dentro de seus ciclos de expansão e crise.

Habermas, o Social Democrata.

Habermas é um dos autores desconstruídos pelo estudo de José Henrique Organista e pareceu-nos travar uma discussão mais profunda no que se refere às críticas ao trabalho. Habermas opõe o conflito entre classes, o embate entre capital e trabalho a uma alternativa arranjada através de uma nova interação “comunicativa” promovida por um estado de direito democrático. O conflito de classes teria sido “pacificado” pela intervenção do estado na economia a partir das reformas sociais a da entrada do proletariado no parlamento, de maneira que o estado de bem estar social inviabilizaria a possibilidade de se pensar numa identidade de classe na atualidade.

Como se sabe, a social democracia alemã não se credencia como modelo global das relações de trabalho, considerando-se o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo e, particularmente, o desmonte geral do welfare state pelo neoliberalismo. No que tange especificamente o problema da centralidade do trabalho, a intepretação habermasiana apóia-se na crença de que o desenvolvimento das forças produtivas e da tecnologia faria supostamente com que o capital não necessitasse do trabalho. Esta tese, por suposto, invalida a premisa de que, sob o capitalismo, o trabalho assume um caráter de exploração que não se encerra sob os marcos jurídicos ou formais, que possam ser regulamentados pelo direito, por exemplo. Mesmo a ilegalidade presente no comércio dos camelôs, lembra o autor do ensaio, opera dentro de uma lógica capitalista, promove a circulação de mercadorias e não se opõe a lógica de valorização do capital.

“Embora reconhecendo a heterogeneidade , a fragmentação e a complexidade que se efetivou no mundo do trabalho, (Ricardo) Antunes defende a possibilidade de uma efetiva emancipação humana do e pelo trabalho, posto que, se vivemos numa sociedade produtora de mercadorias, somente a classe-que-vive-do-trabalho pode se contrapor à lógica do capital e à sociedade produtora de mercadorias. (...)" Ainda segundo Ricardo Antunes, “a revolução de nossos dias é, desse modo, uma revolução no e do trabalho. É uma revolução no trabalho na medida em que deve necessariamente abolir o trabalho abstrato, o trabalho assalariado, a condição de sujeito-mercadoria, e instaurar uma sociedade fundada na auto-atividade humana, no trabalho concreto que gere coisas socialmente úteis, no trabalho emancipado. Mas é também uma revolução do trabalho, uma vez que encontra no amplo leque de indivíduos (homens e mulheres) que compreendem a classe trabalhadora, o sujeito coletivo capaz de impulsionar ações dotadas de um sentido emancipador”.

Não conseguiríamos pensar numa melhor síntese da atualidade da centralidade do trabalho, seja como forma de valorização do capital seja como fim revolucionário. A leitura do ensaio de José Henrique Carvalho Organista é uma ótima introdução e apresenta bons argumentos para fazer frente à ideologia do “fim do trabalho”.

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