terça-feira, 3 de setembro de 2019

Mao Tsé Tung – Textos Diversos


Mao Tsé Tung – Textos Diversos



Resenha – Textos Diversos – Mao Tsé Tung – Marxists Internet Archive – Seção em Português

“A interpretação das palavras “para breve”, na expressão “torna possível, para breve, a verificação dum auge revolucionário”, constitui frequentemente um problema para muitos camaradas. Os marxistas não são oráculos. Quando eles falam do desenvolvimento e das modificações que intervirão no futuro, devem e podem indicar unicamente a direção geral, não devendo nem podendo determinar, mecanicamente, o dia ou a hora. Contudo, a minha afirmação segundo a qual na China se “torna possível, para breve, a verificação dum auge revolucionário” não é de modo algum uma frase vazia, no gênero das formulações apresentadas por outros: “é possível que intervenha um auge revolucionário”, as quais não expressam em coisa alguma a aspiração à ação e apresentam o auge revolucionário como qualquer coisa de ilusório, de inacessível. O auge revolucionário é como um navio no mar, do qual o cimo dos mastros já é visível à distância, para as pessoas que se encontram à beira da praia; é semelhante ao sol da madrugada que, levantando-se radioso a Oriente, pode ser visto de longe pelas pessoas que se encontram no topo das montanhas; é, enfim, semelhante à criança que já se agita no seio materno e há-de ver em breve o dia”

Em que pese Mao Tsé Tung ter sido de o maior expoente da revolução chinesa, ao se analisar sua trajetória como militante e dirigente do Partido Comunista Chinês, verifica-se que não foram poucos os momentos em que seus posicionamentos eram minoritários. Tanto é verdade que logo após a morte de Mao no ano de 1976, rapidamente uma série de correligionários do dirigente foram rapidamente afastados do partido. Em que pese uma certa propaganda anti-comunista que procura retratar a China da revolução como um sistema totalitário e fechado, o fato é que o PCC, fundado em 1921, teve sua trajetória marcada por lutas políticas que vão se desenvolvendo conforme a própria dinâmica dos acontecimentos: desde 1921 quando da fundação do partido, seu programa inicial reivindicava a centralidade do minoritário proletariado Chinês como classe mais progressista e protagonista da revolução. Contudo, no terceiro congresso já há uma importante mudança de orientação: sob influência da URSS, a estratégica do partido envolve a revolução democrático-burguesa em detrimento da revolução socialista, desde que estavam presentes resquícios de herança feudal nas relações do campo que precisavam ser aniquiladas em nome do progresso.

Um texto obrigatório para se compreender a composição de classes na China pré-revolução e a posição dos comunistas é o artigo “Análise das Classes na Sociedade Chinesa” redigido por Mao em março de 1926. Desde lá verifica-se que o inimigo principal da luta popular na China, país economicamente atrasado e semi colonial, é a classe dos senhores de terras e a burguesia compradora, vassalos perfeitos da burguesia internacional. Há, ademais, um elemento bastante peculiar da China que irá determinar o caráter da luta revolucionário naquele país. A China é país que está desde tempos remotos sob a intervenção não de um, mas de vários imperialismos, como o japonês, o inglês e o norte-americano. As frações diferentes das classes dominantes chinesas são mais ou menos associadas a estes imperialismos. As classes dominantes estão assim em guerra (militar) permanente e são incapazes de se estabelecer como um poder único.

São nos momentos de divisão interna no terreno da burguesia que a revolução popular chinesa deveria avançar. Outrossim, era preciso explorar os flancos abertos pelo inimigo mesmo através da frente única. Com a guerra contra a invasão militar da China pelo Japão, os comunistas fizeram um chamado pela unidade junto ao Koumitang, partido ligado à burguesia e aos imperialismos da Inglaterra e EUA e que, pelas circunstâncias, foram praticamente obrigados a se somar no terreno de batalhas. Mas a verdade é que foi o exército comunista o que mais arcou com vidas e custos na guerra pela pátria, o que fez com que o movimento comunista saísse extremamente fortalecido com a derrota do Japão em 1945, culminando na vitória da Revolução Chinesa em 1949.

Ainda com relação às classes sociais, Mao coloca justamente que o incipiente proletariado chinês é a classe social mais progressista da China. A revolução democrático burguesa na China só é possível sob a direção do proletariado.  Em que pese a maioria camponesa da população a vitória depende da direção do proletariado urbano. Até o lumpesinato, segundo Mao tse Tung, se organizado e dirigido pelo proletariado, cumprirá um papel revolucionário. .

Poderíamos apenas para fins didáticos suscitar três grandes temas quanto à produção teórica de Mao Tsé Tung. Os temas da política e da guerra, que na verdade estão inteiramente indissociados, desde que para  Mao, seguindo Von Clausewitz e Lênin, a guerra nada mais é do que o exercício da política por outros meios, pelos meios da violência e do derrubamento de sangue.

Lênin partiu desta premissa, da análise do fenômeno da guerra sob o crivo da luta de classes e da necessidade de se converter a guerra imperialista reacionária em guerra civil revolucionária, para denunciar a I Guerra e a capitulação da II Internacional. Mao aborda de maneira mais sistemática o problema da guerra desde o artigo “Sobre a Guerra Prolongada” escrito em maio de 1938, alguns meses após o início da Guerra da China contra o invasor Japonês.

Mao Tsé Tung prevê corretamente dois pontos da guerra: o seu caráter de guerra prolongada e a inequívoca vitória dos chineses. A vitória se explica por critérios políticos e finalísticos. A guerra em si não é ruim nem boa. Existem guerras justas e guerras injustas. As guerras justas são progressistas. As guerras injustas são reacionárias. A guerra perpetrada pelo Japão é uma guerra de rapina, uma intervenção imperialista. Mao lembra que naquele contexto a existência da URSS ajudaria a se criar uma consciência internacional que seria também um dos elementos decisivos da derrota do Japão e do fascismo. A existência da União Soviética encoraja particularmente a China na sua guerra de resistência. A mobilização do povo e proletariado japonês diante da guerra imperialista também conspira a favor da China. A Guerra Nacional chinesa, por seu lado, é uma guerra justa. É uma guerra progressista porém será necessariamente uma Guerra Prolongada, de modo que Mao se opõe a dos equívocos igualmente perniciosos – a tese dos derrotistas capitulacionistas do Japão e a teoria da vitória rápida.

No contexto da guerra a China é um país militarmente fraco. Contudo, tem vasto território e ampla população. Os comunistas pregam novas relações dentro do exército: uma maior unidade entre oficiais e os soldados rasos, bem como a mais íntima unidade entre o exército e o povo constituindo verdadeiros exércitos de massas, com efetivos na casa de milhões. Inverter a punição pela educação. Garantir como meios complementares o centralismo democrático.

Mao defende até mesmo uma política de clemência com relação aos prisioneiros de guerra – enquanto os japoneses e o Koumitang praticavam todo tipo de barbaridade, os comunistas buscavam até o convencimento de soldados japoneses rendidos para integrarem-se em brigadas internacionalistas contra o inimigo imperialista. Demonstrando assim a coincidência de interesses do povo Chinês e do povo Japonês.

A guerra contra o Japão duraria até 1945. Poucos anos depois a Revolução Chinesa triunfaria, dando espaço a uma série de novas questões a serem suscitadas: a mais conhecida delas, a denominada Revolução Cultural.  

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

“O Socialismo e a Guerra – A atitude do POSDR em relação à guerra” – V. I. Lênin


“O Socialismo e a Guerra – A atitude do POSDR em relação à guerra” – V. I. Lênin 




Resenha Livro - “O Socialismo e a Guerra – A atitude do POSDR em relação à guerra” – Lênin – Edições “Avante!” - Com base nas Obras Completas de V. I. Lênin, 5ª ed.

“O marxismo não é pacifismo. É necessário lutar pela mais rápida cessação da guerra. Mas só com o apelo à luta revolucionária a reivindicação de «paz» adquire um sentido proletário. Sem uma série de revoluções a chamada paz democrática é uma utopia filistina. O único verdadeiro programa de acção seria o programa marxista, que dá às massas uma resposta completa e clara sobre aquilo que aconteceu, que explica o que é o imperialismo e como combatê-lo, que declara abertamente que a falência da II Internacional foi provocada pelo oportunismo, que apela abertamente a edificar uma Internacional marxista sem e contra os oportunistas”

Já foi dito que a guerra é a continuação da política por outros meios, a saber, pela violência. A ideia, originalmente lançada por Clausewitz, é compartilhada por Lênin que, neste escrito, desenvolve uma ampla explicação sobre as relações entre a guerra mundial imperialista, então em curso, a capitulação de amplos setores da social democracia europeia ante o conflito, com a votação no parlamento dos créditos de guerra, e as tarefas do movimento.

O panfleto igualmente aborda de forma justa o problema da guerra para o marxismo revolucionário: a necessidade da mobilização ilegal nos países envolvidos na guerra, denunciando-a e a estratégia de transformar a guerra imperialista em guerra civil, desde a confraternização nas trincheiras de soldados de diferentes nações até a luta contra o governo. É preciso destacar que era necessário muita coragem para se desenvolver a atividade clandestina proposta pelos revolucionários russos: fazer campanha contra a guerra no curso da guerra era causa de pena de morte. Com isso, oportunistas e capitulacionistas se colocavam contra a atividade ilegal.

“Numa guerra reacionária a classe revolucionária não pode deixar de desejar a derrota do seu próprio governo”. Este é o ponto central sobre o qual as forças revolucionárias deveriam desenvolver sua atividade clandestina.

Este manifesto de cerca de 50 páginas foi redigido entre julho e agosto de 1915, com a guerra mundial imperialista já em curso portanto. Lênin encontrava-se então exilado mas politicamente ativo – poucos meses depois em 5-8 de Setembro de 1915 os revolucionários russos participariam da  conferência socialista internacional de Zimmerwald, por iniciativa de socialistas italianos e suíços, evento que o próprio Lênin chamaria de primeiro passo no desenvolvimento do movimento internacional contra a guerra.

A luta política em curso dentro do movimento socialista internacional dizia respeito então à capitulação dos principais partidos socialistas europeus ante sua burguesia. O social-chauvinismo denunciado por Lênin envolve a mistificação junto aos operários mais atrasados segundo a qual a defesa da pátria na presente guerra seria a política correta, em que pese trata-se, concretamente, de uma guerra inter-imperialista.

Num passado não tão remoto a burguesia vivera seu ciclo de revoluções, desde 1789 com a Revolução Francesa, até 1871, desde a Comuna de Paris. Tratava-se então da etapa em que a burguesia desenvolve e expande o capitalismo em face do absolutismo e do feudalismo. Realidade distinta da Guerra Mundial que é produto da etapa imperialista do capitalismo, quando nada menos do que 6 potências escravizam mais de 500 milhões de pessoas nas colônias.

Lênin já começa o seu artigo, por sinal, estabelecendo uma distinção clara entre a posição dos marxistas sobre a guerra e a posição de anarquistas e pacifistas. Vejamos:

“Os socialistas sempre condenaram as guerras entre os povos como coisa bárbara e brutal. Mas a nossa atitude em relação à guerra é fundamentalmente diferente da dos pacifistas (partidários e pregadores da paz) burgueses e dos anarquistas. Distinguimo-nos dos primeiros pelo facto de compreendermos a ligação inevitável das guerras com a luta de classes no interior do país, de compreendermos a impossibilidade de suprimir as guerras sem a supressão das classes e a edificação do socialismo, e também pelo facto de reconhecermos inteiramente o caráter legítimo, progressista e necessário das guerras civis, isto é, das guerras da classe oprimida contra a classe opressora, dos escravos contra os escravistas, dos camponeses servos contra os senhores feudais, dos operários assalariados contra a burguesia”.

Fica claro que tanto os defensores do social-chauvinismo e portanto da vitória do seu governo imperialista em detrimento do outro; e os defensores da palavra de ordem “nem vitória, nem derrota[1]”, adotam o mesmo ponto de vista burguês. Mais uma vez, numa guerra reacionária, a classe revolucionária não pode ter outro desejo senão a derrota do seu governo: o que parece abstrato ao leitor efetivamente se materializa com a confraternização dos soldados no front e nos desejos dos operários mais conscientes no sentido de transformar a guerra imperialista em guerra civil. Na Rússia, a maioria do proletariado apoia a fração dirigida por Lênin, contra os setores capitulacionistas e liquidacionistas.

O oportunismo perpetrado por Kautsky e Plekhanov  dizem respeito à fidelidade ao marxismo apenas em palavras e à submissão de fato da social democracia à burguesia.

Na prática, trata-se da guerra entre os opressores da maioria das nações do mundo, pelo reforço e alargamento da opressão. Nestes termos, um aspecto interessante suscitado nos últimos capítulos do panfleto diz respeito sobre a premência do marxismo revolucionário romper, naquele contexto, com o social-chauvinismo. Lênin já suscita a falência da II Internacional, diante do apoio da maioria dos partidos às suas respectivas burguesias na guerra. A atuação conjunta do marxismo revolucionário junto à social-democracia poderia engendrar confusão no seio das fileiras operárias acerca da política correta a se seguir. Numa situação dramática, a escolha da política correta assume consequências de longo alcanc, mais do que decisivas.  É como se a situação dramática da guerra exigisse que os revolucionários traçassem no chão uma linha definitiva de diferenciação entre a reforma e a revolução, a salvaguarda do capitalismo e sua destruição.

Se a guerra é a continuação da política pelos meios violentos, os critérios da guerra progressista/justa e guerra reacionária/injusta são um ponto de partida para apuração da linha a se seguir. Uma guerra de defesa à agressão imperialista como a que o Japão perpetrou contra a China entre os anos 30-40 do século passado certamente é uma guerra progressista e justa. Da mesma forma, uma agressão militar neocolonial e imperialista norte-americana sobre governos democrático-populares na américa latina devem ser justamente rechaçados. Não se trata portanto de uma condenação hipotética e idealista da guerra, mas da sua interpretação sobre o crivo da luta de classes dentro de um horizonte anticapitalista.




[1] Posição centrista adotada por Trótsky e denunciada neste panfleto por Lênin.

domingo, 25 de agosto de 2019

“Mao – O Processo da Revolução” – Márcio Bilharinho Naves


“Mao – O Processo da Revolução” – Márcio Bilharinho Naves



Resenha Livro - “Mao – O Processo da Revolução” – Márcio Bilharinho Naves – E. Brasiliense

"Na sociedade socialista continuam a existir as classes e a luta de classes, a luta entre a via socialista e a via capitalista. Não é suficiente a revolução socialista apenas na frente econômica, relativamente à propriedade dos meios de produção, o que não permite assegurar as suas conquistas. E preciso também uma Revolução Socialista conseqüente na frente política e ideológica" MAO TSÉ TUNG.

Um aspecto que certamente diferencia a revolução chinesa das demais experiências revolucionárias socialistas ao longo do século XX é o seu aspecto de longa duração. Entre 1921 quando da fundação do Partido Comunista Chinês em Xangai e a vitória final do exército vermelho sobre o Koumitang em 1949 com a proclamação da República Popular da China em Pequim por Mao passaram-se 28 anos. Praticamente três décadas de guerra civil e de mobilização geral do povo chinês contra a intervenção imperialista japonesa que vai de 1931 até 1945 com a derrota dos japoneses.

Neste contexto, este livro, dedicado ao relato da trajetória de vida e das ideais de Mao Tsé Tung, chama atenção para aquela que seria a principal contribuição do processo revolucionário chinês. Contribuição no sentido de suscitar lições históricas de seus feitos e derrotas: o problema da teoria da transição socialista que na China assumiu contornos dramáticos, particularmente diante da Revolução Cultural.

Mao Tsé Tung nasceu em 1893 na província de Hunan, no sul da China. Veio de uma família de camponeses dentro de uma estrutura familiar rígida e patriarcal, dentro da qual o pai era autoridade incontestada, muitas vezes surrando os filhos, privando-lhes de dinheiro e comida. Consta que a mãe de Mao, por outro lado, era uma pessoa amável e generosa. Costumava doar arroz aos pobres escondida do marido que não aceitava tal comportamento. Mao trabalhava nos campos desde o 6 anos de idade, tarefa que acumulou com os estudos aos 8 anos. Aos 16 anos o futuro revolucionário deixou sua casa definitivamente matriculando-se na escola primária de XiangXiang.

Em 1919 já em Pequim Mao Tsé Tung consegue um cargo de bibliotecário na Universidade. O futuro dirigente faz cursos e integra um grupo de estudos marxistas fundado por Lin Dazhao. Em 1921 dá-se a o primeiro congresso do Partido Comunista Chinês – apenas um ano anos antes da fundação do nosso PCB aqui no Brasil.

Compareceram ao congresso 13 militantes, entre os quais Mao Tsé Tung e representantes do Komitern. Num primeiro momento o programa do partido recusa a colaboração de classes com a burguesia nacional defendendo assim a independência política e de classe do partido. Tal orientação seria alterada já no 3º Congresso do PCC sob a influência da III Internacional. Havia uma política que poderíamos chamar de etapista no horizonte da internacional segundo a qual os modos de produção suceder-se-iam, do feudalismo, ao capitalismo, do capitalismo, ao socialismo. Países semi-coloniais com heranças feudais como a China deveriam defender não a revolução socialista mas a revolução democrático-burguesa, estabelecendo aliança com a burguesia nacional para aniquilar as classes feudais que na China efetivamente se revelavam na classe dos senhores de terra e da burguesia compradora. Este política orientada no sentido da revolução democrático-burguesa teria como resultado a defesa de uma aliança política com o partido nacionalista Koumitang.

Os dirigentes do Koumitang pertencem às classes dos proprietários, à burguesia nacional, aos bancários e aos industriais. Em 12.4.1927 ocorre o massacre de Xangai das tropas nacionalistas de Chiang Kai Shek sobre os comunistas. É importante salientar que a China tinha uma particularidade que de certa forma possibilitou a articulação do Partido Comunista e sua mobilização de milhões de camponeses e trabalhadores. A China fora alvo de uma disputa interimperialista desde tempos remotos e seu território é disputado pelo imperialismo inglês e japonês – do ponto de vista militar, os comunistas deveriam tirar proveito das divisões do campo inimigo para avançar. É a própria divisão do campo imperialista que permite a aliança do Koumitang com o PCC na luta patriótica contra o invasor Japonês.

Seja como for, foi o exército comunista que suportou o grosso das batalhas contra o invasor japonês, particularmente entre 1941-1942. De modo que no término da guerra patriótica com a derrota do Japão verificou-se que o exército comunista saiu fortalecido. Havia uma diferença mesmo de concepção do exército que fora propugnado por Mao e pelos marxistas chineses. O exército deveria ser a expressão armada dos interesses e aspirações do povo. A libertação territorial do exército vermelho era acompanhada da abolição da prostituição, fim da escravização de crianças e do comércio e consumo de ópio. Mao defendia inclusive uma política de clemência com relação aos prisioneiros de guerra japoneses. Estes não eram humilhados e mortos: eram antes convencidos pela persuasão a se integrar a tropas internacionalistas contra os japoneses ou então eram simplesmente liberados. Os japoneses explicitamente tinham a orientação de aniquilar, destruir e matar. E o Koumitang intervinha de forma arbitrária, perpetrando a violência e opressão contra as massas camponesas.  

No que se refere às ideias e formulações teóricas de Mao Tsé Tung, três temas parecem ser mais salientados, conforme a etapa da própria luta revolucionária na China. Os temas de política e da arte militar; os temas da filosofia como expressão da luta de classes na teoria, destacando-se os problemas da contradição e da dialética; e a teoria da transição que surge no contexto da Revolução Cultural.

Não estamos de acordo com de Márcio B. Naves com relação ao problema da transição na China não ter sido levado até as últimas consequenciais, por exemplo, através da política de disseminação das comunas, ignorando, assim, a natureza política da ditadura de classe desde a orientação leninista, que não prescinde do partido, do estado e do controle social dos meios de produção. Também não parece apropriado caracterizar a China de 1950 como país cuja forma social é a do capitalismo de estado.

A possibilidade da restauração capitalista através de movimentos supostamente “democráticos” foram, como demonstra os exemplos do leste europeu, nada mais do que contra-revoluções de veludo, na expressão de Ludo Martens. Contudo, parece certo que a Revolução Chinesa efetivamente levou a níveis talvez não antes vistos o problema da transição socialista, a relação entre a propriedade dos meios de produção e o partido, a questão da divisão social do trabalho e as necessidade objetiva de desenvolvimento das forças produtivas para o alcance de novas relações de produção socialistas.       




quarta-feira, 21 de agosto de 2019

“O Trotskysmo A Serviço da CIA Contra Os Países Socialistas” – Ludo Martens


“O Trotskysmo A Serviço da CIA Contra Os Países Socialistas” –Ludo Martens



Resenha – “O Trotskysmo A Serviço da CIA Contra Os Países Socialistas” –
Ludo Martens – 20 de Outubro de 1992 – Para a História do Socialismo – Tradução: Fernando A. S. Araújo



O problema da restauração capitalista na URSS e outros países do leste europeu como a Polônia e a Hungria, bem como o significado de mobilizações supostamente “democráticas” apoiadas pelo imperialismo ainda gera muita confusão nas fileiras da esquerda. Neste momento, uma onda de protestos em Hong Kong, articulada por estudantes financiados e apoiados pelo imperialismo britânico e norte-americano, é vista com simpatia por setores da esquerda pequeno-burguesa que veem os protestos como uma luta política, democrática e anti-burocrática. O PSOL lançou uma carta pública apoiando as manifestações. Considerando ser um partido de diversas tendências, subtende-se que todas as correntes internas do partido têm a mesma opinião.



Não faz muito tempo e estes mesmos setores viam com simpatia as mobilizações de rua na Ucrânia, atos que culminaram na ascensão da extrema direita naquele país e no assassinato em praça pública de militantes de esquerda. Setores mais tresloucados como o Movimento Esquerda Socialista (MES) e a Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST), ambos do PSOL, apostaram na frente única com os movimentos de rua articulados por provocadores financiados pelos EUA para desestabilizar Maduro na Venezuela.



Já o PSTU em pleno regime de estado de exceção no Brasil hesita em caracterizar os acontecimentos políticos de 2016 como um golpe de estado perpetrado pela direita e pela extrema direita, já que PT e PSDB seriam irmãos siameses, representantes ocasionais dos mesmos interesses da burguesia nacional e do imperialismo.



Toda a mistificação em torno da luta “democrática” e “anti-burocrática” da esquerda pequeno-burguesa, revisionista e trotskysta encontra explicação na própria tradição. Daí o vivo e atual interesse na leitura deste artigo do comunista belga Ludo Martens. O que há como denominador comum, neste caso, é a orientação política anti-comunista, de combate ao que se caracteriza como “stalinismo” por meio de uma frente que historicamente envolveu todos os elementos mais interessados na restauração capitalista e na aniquilação do marxismo-leninismo: do imperialismo ao nacionalismo e fascismo. A frente única com forças políticas da burguesia e da reação contra o que chamam de estados operários degenerados. A defesa de movimentos pró-imperialistas como a mobilização dos estudantes Tian Na Men no ano de 1989, a defesa pelos trotskystas (como Mandel) da Glasnost de Gorbatchov, passando pela apologia do multipartidarismo com a liberdade de criação de partidos burgueses anti-comunistas.



É interessante destacar que já nos anos de 1930, Joseph Stálin chamava atenção para o fato de que a luta de classes persiste como uma realidade objetiva e concreta na construção do socialismo, sendo possível a restauração capitalista, seja por meios violentos, seja por meios paulatinos e graduais. Trótsky posicionou-se de forma oportunista afirmando ser impossível a restauração capitalista na URSS sem um nível de violência dez vezes mais contundente do que a revolução de outubro. Os fatos da história dariam razão a Stálin: o socialismo na URSS foi sendo minado paulatinamento por dentro a partir de 1956, num processo que Ludo Martens caracteriza como contra-revolução de veludo. A Glasnost de Gorbatchov preparou de forma sistemática os espíritos para a restauração integral do capitalismo e, sintomaticamente, é no período da chamada abertura que nomes como Trótsky, Zinoviev e Bukharin são reabilitados na URSS.  Em 1989 no momento do assalto final da contra revolução na URSS os trotskystas da IV Internacional dirigidos por Mandel lançam a palavra de ordem de “solidariedade com a revolução que começa no leste”.



O trotskysta Mandel defende o solidariedade da Polônia, instrumento político que engendrou a aniquilação do socialismo e a restauração do capitalismo naquele país, tudo sempre sob a fraseologia esquerdista típica dos oportunistas, tratando o movimento como uma luta “anti-burocrática”, ou de jovens contra velhos, etc. O mesmo apoio foi dado à chamada primavera de praga de 1968 que nada mais foi do que uma contra-revolução de caráter social democrata. Vale dizer que Fidel Castro apoiou a repressão soviética, revelando sua coragem e coerência nos momentos difíceis.



Não é preciso salientar que o multipartidarismo defendido já pelos trotskystas nos anos de 1930-40 vai em sentido contrário da experiência soviética ao tempo de Lênin:



“Sim, é verdade que Lénine proibiu os partidos sociais-democratas, isto é, os mencheviques e os socialistas-revolucionários. Isto porque, na guerra civil, eles combateram ao lado do tsarismo, da burguesia e das forças intervencionistas; e porque foram esmagados juntamente com as forças feudais e burguesas. Lénine sublinhou várias vezes que um representante inteligente da grande burguesia, como Miliukov, compreendia perfeitamente que, numa primeira fase, só um partido de «esquerda», social-democrata, teria possibilidades de arrastar as massas para a luta antibolchevique. É por isso que Miliukov contentar-se-ia com mera legalização de um partido social-democrata...”



Mais recentemente, segundo Ludo Martens, trotskystas buscaram infiltrar-se em organizações como a Frente Sandinista e o Partido Comunista Cubano, denunciado sempre aqueles que são seus inimigos principais: não os fascistas que apoiaram desde a Ucrânia, nem os interesses multi-milionários do imperialismo britânico e norte americano na China, mas ao movimento comunista internacional.



Contudo, a prática é o critério da verdade e a vida vai ensinando os desavisados que o trotskysmo efetivamente continua sendo aquilo que Stálin o caracterizou há mais de meio século: “o trotskysmo é a socialdemocracia de direita, adornada com um fraseado de esquerda”.