A LITERATURA DE COELHO NETO
Resenha Livro – “A Conquista” – Coelho Neto – Ed. Iba Mendes Editor
Digital
“Justamente nesse tempo a campanha abolicionista chegara à sua maior
intensidade. À luz do sol, nas ruas, concitava-se à revolta. Para os lados da
Gávea, em frente ao mar livre, no Leblon, havia um quilombo mantido pela
Confederação Abolicionista e, no escritório da Gazeta da Tarde, que era o
grande homizio de Chan, negros e negras, sentados melancolicamente, fumavam
esperando que lhes dessem destino. Eram constantes os conciliábulos, falava-se
em furtos de escravos; e gente de todas as castas prova os redatores
denunciando crimes escravagistas despeitados. A polícia punha em campo os seus
esbirros mais sagazes, mais atrevidos capoeiras para desfazerem as reuniões e
interromperem as conferências, espavorindo o povo”. (NETO, Coelho. “A
Conquista”. Pg. 193).
São conhecidos os exemplos de artistas, poetas e romancistas que por
diferentes razões não obtiveram o reconhecimento do público e da crítica ao seu
tempo, conquanto posteriormente tenham tido a sua obra descoberta e
prestigiada.
Um exemplo ilustrativo foi o do escritor carioca Lima Barreto. Pode-se
considerar o seu “O Triste Fim de Policarpo Quaresma” (1915) como uma versão
nacional de Dom Quixote de Cervantes. O Cavaleiro Andante de Triste Figura,
combatente de moinhos de vento, encontra paralelo no nacionalista Policarpo
Quaresma, cuja mesma ingenuidade heroica o levará ao fim trágico: o apoio de movimentos
políticos republicanos que posteriormente se voltariam contra ele próprio. A
despeito da importância da literatura de Lima Barreto, o seu reconhecimento de
fato só ocorreria muito tempo depois de sua morte.
O escritor maranhense Coelho Neto (1864/1934), por sua vez, seguiu o
exato sentido oposto do autor de “Bruzundangas”, ou seja, foi amplamente
prestigiado ao seu tempo para depois cair num premeditado e injusto ostracismo.
De fato, no início do século XX, Neto fora o mais popular escritor no Brasil,
sendo, inclusive, considerado o “Principe dos Prosadores Brasileiros” numa
votação realizada em 1928 pela Revista “O Malho”.
Contudo, por se opor modernismo (movimento literário que se sagrou vitorioso
nos embates intelectuais dos anos 1920/30), passou a ser pouco lido desde então,
caindo num triste esquecimento. Pode-se dizer, de acordo com Arnaldo Niskier,
que “a vitória do modernismo se fez como se houvesse necessidade de abater um
grande inimigo, no caso Coelho Neto”, que era, como dito, um escritor muito popular
e tipo pelos modernistas como convencional, formalista e supostamente dotado de
um discurso meramente retórico, sem preocupação com as questões sociais.
Ora, a leitura do livro “A Conquista” (1899) desmente tanto a acusação de
pobreza estilística quanto da não preocupação com os temas sociais pelo nosso
escritor.
Este romance publicado em 1889 é antes uma espécie de biografia das experiencias
do escritor entre os anos de 1882 e 1888, na condição de jornalista e poeta que
participou ativamente do movimento
abolicionista, além de travar relações pessoais com o que havia de melhor do
universo literário que então residia no Rio de Janeiro. Olavo Bilac, Raul
Pompeia, José do Patrocínio, os irmãos Aluísio e Arthur Azevedo, todos eles aparecem
como personagens do romance e são descritos em sua intimidade e sob
pseudônimos. Na história, Coelho Neto é “Anselmo”, o escritor naturalista Aluísio
Azevedo é “Rui Vaz”, o poeta parnasiano Olavo Bilac é “Octávio Bivar”, etc.
etc.
A história é um retrato bastante realista das condições de penúria dos intelectuais,
artistas, dramaturgos e poetas do Brasil de fins do XIX e início do século XX.
Num país de treze milhões de habitantes em que apenas duzentos mil eram
alfabetizados, os escritores apenas podiam recorrer ao jornalismo para
sobreviver.
As dificuldades daqueles escritores diziam respeito ao poderio econômico
dos produtores, que se aproveitam da pobreza e desamparo material dos artistas
para impor uma arte mais apelativa ao gosto popular e de qualidade discutível.
É o que diz Rui Vaz (Aluísio de Azevedo) após ser orientado a alterar uma peça
de teatro pelos seus produtores:
Rui Vaz – Decididamente é melhor ser calceteiro ou condutor de bonde
do que homem de letras em país como este. (...) Ora! A minha peça. O senhor
Heller entende que devo arranjar uma complas e um jongo para a minha comédia.
Uma comédia de costumes, que joga com cinco personagens.... O homem quer, a
todo transe, que venham negros à cena com maracás e tambores, dançar e cantar.
Imaginem vocês: um antropologista puxando fileira e uma senhora que vive a cuidar
a sua árvore geneológica como quem cuida de uma roseira, que mostra, com
enfunado orgulho, os retratos dos avós e quantos frequentam a sua casa, a
cortar jaca desabaladamente. É ignóbil! Revolta! E querem teatro.
A situações destes artistas era agravada pela pobreza de um país essencialmente
agrário e carente de políticas oficiais na área da cultura.
As dificuldades econômicas daqueles intelectuais boêmios eram enfrentadas
com bom humor e alguma malandragem. Conseguiam, por exemplo, ingressar por meio
de favores nos teatros, contraíam empréstimos que não eram quitados, faziam
refeições em casa de amigos quando não tinham dinheiro para almoçar nos hotéis do
Rio de janeiro.
Logo quando Anselmo (Coelho Neto) conhece pessoalmente o já famoso escritor
Rui Vaz (Aluísio Azevedo) este último interrompe o então estudante maranhense
que buscava discutir arte para lhe pedir emprestado os seus sapatos: precisava
do calçado para um encontro amoroso, fazendo com que o jovem poeta passasse horas
aguardando descalço no escritório do autor de “O Cortiço”.
Outro ponto bastante interessante deste livro é a descrição viva do
movimento abolicionista, cuja principal liderança no Rio de Janeiro fora o
Jornalista José do Patrocínio. Coelho Neto encontra a sua primeira fonte de
renda na capital trabalhando para o jornal dirigido por Patrocínio.
O corajoso abolicionismo e republicanismo de Coelho Neto já havia feito
com que o escritor tivesse entrado em choque com os professores da Faculdade de
Direito do Largo São Francisco, quando fora estudante desta instituição. Foi
este conflito, inclusive, que fez o escritor abandonar o curso universitário no
terceiro ano para se mudar para a então capital do Império, onde iniciaria a
sua carreira como escritor e jornalista.
Coelho Neto foi um dos idealizadores da Academia Brasileira de Letras,
tendo sido o seu segundo presidente, sucedendo o Conde Afonso Celso. Cultivou
praticamente todos os gêneros literários, entre contos, crônicas, romances e
obras para o publico infantil.
Passados quase 100 anos da sua querela com os modernistas, faz-se necessário
o resgate da obra deste escritor representativo de um movimento intelectual (e
boêmio) do Rio de Janeiro do início dos anos 1900, cuja relevância aparenta ter
sido negligenciada pela crítica literária.
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