“A Descoberta da América Pelos Turcos” – Jorge Amado
Resenha Livro - “A Descoberta da América Pelos Turcos” – Jorge Amado –
Ed. Record.
“A referência à descoberta da América vai por conta das comemorações
atuais, onipresentes: hoje em dia não pode o pacato cidadão dar o menor passo,
soltar o menor peido sem que lhe tombe sobre a cabeça o Quinto Centenário. Da
Descoberta, como dizem os descendentes dos impávidos que descobriram o outro
lado do mar, da Conquista exclamam os descendentes dos índios massacrados, dos
negros escravizados, das culturas arrasadas à passagem de mercenários e
missionários conduzindo a Cruz de Cristo e a pia batismal”.
Este pequeno romance (ou “romancinho” como o chamava Jorge Amado) foi
escrito entre julho e outubro de 1991. A publicação partiu de um diretor de
agência de relações públicas de uma estatal italiana que decidira comemorar o Quinto
Centenário da Descoberta da América publicando um livro com três histórias de
autoria de escritores do continente americano: um de língua inglesa, com o
norte americano Norman Mailer; um de língua espanhola, com o mexicano Carlos
Fuentes; e um de língua portuguesa, de autoria do escritor baiano.
O projeto consistia na edição do livro em quatro idiomas: italiano,
inglês, espanhol e português, totalizando trezentos mil exemplares que seriam
distribuídos gratuitamente aos viajantes das diversas companhias aéreas, entre
abril e setembro de 1992, ano do Quinto Centenário, em todos os vôos entre a
Itália e as três Américas.
É possível dividir a obra de Jorge Amado em duas grandes fases.
Os seus romances dos anos 1930/40 têm um caráter político partidário,
expressando os tipos populares da Bahia em sua oposição às elites econômicas e aos
poderes constituídos. É representativa desta fase o romance “Capitães de Areia”
(1937), que retrata a vida de crianças moradoras de rua da cidade de Salvador,
que sobrevivem de pequenos furtos e assaltos, vivem em um trapiche na região portuária e experimentam
logo cedo às vicissitudes da vida adulta, a descoberta da sexualidade, o embate
com as forças policiais, a doença e a morte.
Jorge Amado aproximou-se da militância esquerdista no ano de 1932, por
influência de Rachel de Queiroz e após ter contato com o grupo modernista da
Bahia, denominado “Academia dos Rebeldes”, do qual fizeram parte o poeta Sosígenes
Costa e o historiador Édson Carneiro, autor de uma das principais obras sobre o
Quilombo dos Palmares. Por conta de sua literatura de protesto social,
envolve-se na oposição ao Estado Novo, sendo preso no ano de 1942. Foi eleito
deputado constituinte pelo PCB em 1946, até a proscrição do partido pelo governo
Dutra, quando resolve exilar-se.
A segunda fase das obras de Jorge Amado perde o conteúdo proletário para,
em troca, tratar dos costumes e da vida social da Bahia – da literatura
ideológica passa ao pitoresco e ao regionalismo em obras como “Gabriela, Cravo
e Canela” e “Dona Flor e Seus Dois Maridos”.
A “Descoberta da América Pelos Turcos” se situa claramente neste segundo
conjunto de obras. O livro aborda a vinda de imigrantes tidos como “turcos” (na
verdade árabes, sírios e libaneses) na região do sul da Bahia, quando se
iniciava o ciclo do cacau, no início do século XX:
“Coronéis e jagunços em armas se matavam na disputa da terra, a melhor
do mundo para a agricultura do cacau. Vindos de distintas plagas, sertanejos,
sergipanos, judeus, turcos – dizia-se turcos,
eram árabes, sírios e libaneses -, todos eles brasileiros”.
Ibrahim Jafet, um turco dono de um bazar, após o falecimento de sua
esposa Sálua, vê-se obrigado a arranjar alguém que conduzisse os negócios, até
então presididos por sua mulher. Sua filha Adma, particularmente feia e
antipática, assume a empresa da família, além de implicar insistentemente com
Jafet, que, ao invés de trabalhar, prefere dedicar seu tempo no jogo de gamão, na
pesca, no botequim e na casa de prostituição.
Dada a beligerância de Adma, Ibrahim Jafet se engaja em encontrar um
marido para sua filha.
Pensava-se (com razão) que a rispidez da solteirona decorria da falta de
um homem e da insatisfação sexual. A história, assim, gira em torno dos
esforços dos turcos em angariarem um marido à Adma, possibilitando, assim, a
paz a tranquilidade familiar:
“E por que não? Adma era parada dura, indigesta. Enfrentá-la exigia
decisão, coragem estômago de camelo.
Alto, seco de corpo, musculoso, lanzudo, Adib assemelhava—se a um dromedário. A
juventude e a cobiça, faziam-no capaz de mastigar palha e achar gostoso, de
enfrentar solteirona velhusca e avinagrada, arrombar-lhe os tampos com deleite,
levá-la ao desvario, à beatitude, à paz com a vida. Bem fodida, Adma deixaria
de aporrinhar a humanidade.”.
O “romancinho” é representativo do Brasil, ao abarcar dentro da
nacionalidade além de pretos, brancos e multados, os imigrantes, representados
pelos turcos, que, aqui, logo assimilam hábitos típicos da região. Entre bares
e casas de prostituição, entre o jogo e o ócio, entre o trabalho do comércio e
nas fazendas de cacau, a história do povo de Itabuna (terra natal de Jorge
Amado) é igualmente representativa de todo o Brasil. Dentro da perspectiva do
modernismo, o regional remete ao universal e descreve a nação, de modo que a
vida dos moradores do sul da Bahia diz respeito à hospitalidade geral com que o
estrangeiro é assimilado ao Brasil e à facilidade com que o elemento exógeno
abraça a cultura e os hábitos dos nacionais.
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