segunda-feira, 24 de outubro de 2022

A DRAMATURGIA DE DIAS GOMES

 A DRAMATURGIA DE DIAS GOMES




 

“Em primeiro lugar, devemos levar em conta o caráter de ato político-social inerente a toda representação teatral. A convocação de um grupo de pessoas para assistir a outro grupo de pessoas na recriação de um aspecto da vida humana, do tema apresentado, leva o autor a uma tomada de posição. Mesmo quando ele não tem consciência disso. Claro que podemos generalizar, em qualquer arte o artista escolhe o seu tema. E, no mundo de hoje, escolher é participar. Toda escolha importa em tomar um partido, mesmo quando se pretende uma posição neutra, abstratamente fora dos problemas em jogo, já que o apoliticismo é uma forma de participação pela omissão, pois favorece o mais forte, ajudando a manter o status quo. Toda arte é, portanto, política. A diferença é que, no teatro, esse ato político é praticado diante do publico. Essa a característica essencial da função dramática: ela acontece. É presente, não passado. Ao contrário da pintura, da escultura, da literatura, ou mesmo do cinema, que já aconteceram quando são oferecidos ao público, o teatro possibilita a este testemunhar não a obra realizada, mas em realização” (Dias Gomes). 

 

Uma característica marcante da literatura do escritor baiano Dias Gomes é a denúncia política e social. A sua obra mais consagrada pelo público e pela crítica certamente foi “O Pagador de Promessas” (1962), que relata a história de Zé do Burro que, para cumprir sua promessa religiosa, entra em confronto com os poderes constituídos, incluindo a Igreja, mas não se limitando a ela, e granjeia a simpatia e apoio dos setores populares igualmente oprimida pela polícia e desprezada pelo bispo: uma multidão ao final da peça carrega o caixão de Zé do Burro tal qual empunhassem uma bandeira de luta!

 

A denúncia social não envolve, aqui, uma literatura meramente panfletária, e, por isso, superficial. Personagens como “Zé do Burro” ou o político pilantra “Odorico” (O “Bem-Amado” da novela) dizem respeito a personagens tratados conforme suas complexidades, sem maniqueísmos. Certamente esta análise psicológica é mais apurada no personagem Zé do Burro, uma expressão de uma consciência política embrionária do trabalhador rural brasileiro, que vacila entre cumprir o seu dever religioso e aceitar os desmandos dos poderes constituídos – Estado, polícia, igreja e imprensa.

 

Já o político Odorico remete antes a uma caricatura, a expressão patética (triste e engraçada ao mesmo tempo) do típico político do interior do Brasil que grassa no país desde a República Velha até os dias de hoje: sem princípios, buscam o poder sem considerações acerca de projeto ou horizonte político que não seja os interesses do seu clã. Ou, nas palavras de Odorico: “Em política os finalmentes justificam os não obstantes.”. Ainda que o prefeito de Sucupira seja uma espécie de caricatura, ainda assim não se trata de uma literatura puramente panfletária: nesta peça o efeito predominante é o cômico, com inclusive passagens que engendram alguma compaixão ao vilão, sem prejuízo da mencionada crítica social e política.

 

O “Bem Amado” foi escrito em 1962, mas só teve a sua estreia nos palcos no ano de 1969, no teatro Santa Isabel, no Recife. Em 1972 foi transmitida a adaptação em novela desta peça – consta, inclusive, que “O Bem Amado” foi a primeira telenovela transmitida a cores no Brasil.

 

A história, como mencionado, trata da vida política de Sucupira, cidade litorânea do interior da Bahia, onde o Prefeito Odorico, então candidato, prometia construir um cemitério na cidade, evitando que os moradores tivessem que andar léguas e léguas carregando os defuntos para o cemitério do povoado mais próximo.

 

ODORICO – Mas eu vou fazer. Os que votaram em mim para vereador sabem que cumpro o que prometo. Prometi acabar com o futebol no largo da igreja e acabei. Prometi acabar com o namorismo e o sem-vergonhismo atrás do forte e acabei. Agora prometo acabar com a humilhação para a nossa cidade, que é ter que pedir a outro município licença para enterrar lá quem morre aqui. E vou cumprir.

 

Após ganhar as eleições, o prefeito promete inaugurar o Cemitério em grande evento patrocinado pelo município assim que um cidadão falecesse. Ocorre que, por azar, na cidade ninguém morre durante um, dois anos, fazendo com que o prefeito aspirasse a morte de qualquer um para garantir o seu prestígio.

 

Alfredo de Freitas Dias Gomes, mais conhecido como Dias Gomes, foi romancista, contista e teatrólogo. Teve uma participação decisiva nas novelas e histórias transmitidas pelo rádio o nas telenovelas. O escritor baiano foi eleito para a Cadeira 21 da Academia Brasileira de Letras em 1991. Faleceu em 1999, em um acidente de trânsito em São Paulo, aos 76 anos de idade.

 

 

Bibliografia:

 

“O Bem Amado” – Dias Gomes – Ed. Betrand Brasil – 2021

 

“As Primícias” - Dias Gomes – Ed. Betrand Brasil – 2022


"O Pagador de Promessas" - Dias Gomes - Ed. Betrand Brasil - 2021

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