“Da Monarquia à República” – Emília Viotti da Costa
Resenha Livro - “Da
Monarquia à República” – Emília Viotti da Costa – Ed. Unesp – 6ª Edição.
“A despeito das
transformações ocorridas entre 1822 e 1889, as estruturas socioeconômicas da
sociedade brasileira não se alteraram profundamente, nesse período, de modo a provocar
conflitos sociais mais amplos. O sistema de clientela e patronagem que permeava
toda a sociedade minimizou as tensões de raça e de classe. O resultado desse processo
de desenvolvimento foi a perpetuação de valores tradicionais elitistas,
antidemocráticos e autoritários, bem como a sobrevivência de estruturas de
mando que implicaram a marginalização de amplos setores da população. (...).
Reunimos neste volume ensaios escritos em diferentes momentos sobre temas
vários relativos à história do Brasil. Nasceram eles de uma preocupação que
lhes dá unidade: a de entender a fraqueza das instituições democráticas e da
ideologia liberal, assim como a marginalização política, econômica e cultural de
amplos setores da população brasileira, problemas básicos do Brasil
contemporâneo.”.
Emília Viotti da Costa é natural de São Paulo, formada pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP e livre docente da mesma instituição até 1969 quando foi aposentada pelo Ato Institucional n. 5.
Lecionou posteriormente em universidades nos EUA. Este livro, que na verdade corresponde a um conjunto de artigos redigidos em momentos diferentes, foi dedicado pela historiadora a Florestan Fernandes, “sem cujo estímulo este livro jamais seria publicado”.
Seria o caso de situar o trabalho de Viotti da Costa dentro de um grupo maior de historiadores “revisionistas” que buscaram quebrar alguns mitos história do Brasil, especialmente quanto aos temas da escravidão, do abolicionismo e das relações raciais no Brasil. Do grupo fazem parte Otavio Ianni, Floresan Fenandes, além da própria Emília: eles questionam ideias como as da democracia racial, da brandura dos nossos senhores de engenho em relação ao elemento negro, da harmonia das raças consubstanciadas na figura do mulato, de narrativas que buscam atribuir aspectos simpáticos à tradição patriarcal e ao escravismo. Uma historiografia que inequivocamente encontra sua expressão máxima no Casa Grande e Senzala (1933) de Gilberto Freire.
Em sentido contrário, uma
nova geração de pensadores que buscavam aproximar a história das ciências
sociais, argumentava que “os mitos dominantes numa sociedade eram sempre
aqueles que ajudariam a manter a predominante estrutura de interesses econômico-comerciais
e de convenções sociais”, nas palavras de Otávio Ianni.
Esta geração se situa num
momento de transformações do pensamento social brasileiro, especialmente com o advento de
novas escolas de ciências sociais no país:
“Os revisionistas eram
produtos da Universidade de São Paulo e de outras instituições análogas, que
tinham sido criadas nos anos 30 com a finalidade de formar a nova elite de profissionais
e burocratas relativamente independentes das oligarquias tradicionais. Muitos
dos cientistas sociais treinados nessas novas instituições tinham saído da
classe média e alguns poucos de famílias da classe inferior. Alguns eram
mulatos, mas não sentiam o mesmo embaraço de Machado quando falavam a respeito
de suas origens modestas. Não dependiam do tradicional sistema de clientela e
patronato. Adquiriram seu status mediante sua afiliação com as novas instituições.
Sua audiência também era diferente. Como parte do processo de criação de uma
nova elite cultural, o ensino universitário tinha sido democratizado. Cursos
noturnos iniciaram-se em 1946, imediatamente após a queda de Vargas. Os novos
estudantes, como seus professores, representavam um novo estrato social e
também estavam prontos para participar da crítica aos mitos tradicionais”.
O acerto de contas com as tradições intelectuais do passado, com a história oficial, que apenas enuncia os grandes eventos em sequencia cronológica, bem como o combate a alguns mitos (como o da democracia racial) perpassam os artigos da historiadora reunidas neste volume.
Por exemplo, quanto ao tema do advento da República no Brasil. Os dois últimos capítulos do livro, “Sobre as origens da República” e “A proclamação da república”, discutem exaustivamente a forma como a historiografia tradicional buscou explicar o 15 de Novembro.
A maior parte da historiografia consolidada sobre o fim do império e o advento da república se baseia na interpretação partidária da crônica da época, ora pró ora contra a República. Monarquistas como Oliveira Vianna, Eduardo Prado e Visconde de Taunay e republicanos como Felício Buarque e Silva Jardim, acabaram sendo as fontes prioritárias com que os historiadores buscaram explicações para o fim do II Império, deixando de lado as transformações econômico e sociais, o desenvolvimento de ferrovias, da navegação a vapor, a introdução de novas técnicas de produção na agricultura, o esboço ou primeiros passos de um capitalismo industrial, a crise do sistema escravista, a imigração, a diversificação da economia, o aumento da população de 3 milhões (1822) para 14 milhões (1880), a urbanização, a organização de instituições de crédito, estabelecimentos industriais: tudo a sugerir que a instituições políticas do Império não mais acompanhavam as transformações econômico e sociais que se processaram durante a segunda metade do século XIX, com novas aspirações e novos conflitos sociais em cena.
Neste ponto, a historiadora chama
atenção para o fato de que historiadores marxistas como Nelson Werneck Sodré,
Leôncio Basbaum e Caio Prado Júnior acabaram sendo pioneiros na busca de explicações sobre o fim do II Império através dos sentidos materiais do processo histórico, da inadequação do regime político diante das transformações sociais e econômicas, indo além das múltiplas narrativas
criadas pelos personagens do momento.
Após a democratização a
professora recebeu em 1999 o título de professora emérita da USP. Emília Viotti
da Costa faleceu em 2 de novembro de 2017, aos 89 anos, de em São Paulo.
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