ESCRITOS DE JUVENTUDE DE VLADÍMIR ILICH LÊNIN – 1898 / 1905
“A
social-democracia Russa é ainda muito nova. Está apenas emergindo de seu estado
embrionário no qual as questões teóricas predominaram. Está somente começando a
desenvolver sua atividade prática. (...) A Social-democracia Russa ainda está
defrontada com um enorme, quase intocado campo de trabalho. O despertar da
classe trabalhadora russa, seu despertar espontâneo para o conhecimento, a
organização, o socialismo, para a luta contra seus exploradores e opressores se
tornou mais disseminada, mais fortemente aparente a cada dia. O enorme progresso
feito pelo capitalismo russo nos últimos tempos é uma garantia de que o
movimento da classe trabalhadora vai crescer ininterruptamente em largura e
profundidade. Aparentemente estamos passando pelo período do ciclo capitalista
quando a indústria está “prosperando”, quando os negócios estão vivos, quando
as fábricas estão trabalhando com capacidade total e quando inúmeras novas
fábricas, novas empresas, companhias de capital social, empresas ferroviárias etc.
etc. estão crescendo como cogumelos. Ninguém precisa ser profeta para predizer
a inevitável e bem aguda quebra que sucederá a esse período de “prosperidade”
industrial. Essa quebra vai arruinar massas de pequenos proprietários, vai
jogar massas de trabalhadores nas fileiras do desemprego e vai, portanto,
confrontar todos os trabalhadores de forma aguda com os problemas do socialismo
e da democracia com que já há tempos cada trabalhador pensante, com consciência
de classe se defronta”. (V. I. Lênin – “As tarefas dos Social-Democratas Russos”
- 1897).
A
passagem supracitada consta do panfleto “As Tarefas dos Social-democratas
Russos”, redigido por Lênin desde o seu exílio na Sibéria no ano de 1897. O
documento retrata um instante do movimento revolucionário russo (àquele período
denominado “social-democracia”), poucos instantes da fundação do Partido
Operário Social Democrata Russa (POSDR), que se daria em março do ano de 1898.
Entre
os anos de 1884/1894, o número de partidários da nova tendência marxista na Rússia
ainda era contada em unidades. A social-democracia russa existia de forma
independente de movimento operário, de forma embrionária
Entre
1894 e 1898, a social democracia já aparece como um movimento social, uma
expressão das massas populares, culminando com a forma partidária. Nas palavras
de Lênin, nas conclusões do seu “O Que Fazer” (1902):
“Foi
o período da infância e da adolescência. Com a rapidez de uma epidemia, propaga-se
na intelligentsia a paixão generalizada pela luta contra o populismo e a ida aos
operários, a paixão geral dos operários pelas greves. O movimento fez enormes
progressos. A maioria dos dirigentes eram pessoas muito jovens, que estavam
longe de atingir ‘a idade de 35 anos’ que o senhor N. Mikháiolvski considerava
uma espécie de limite natural. Por sua juventude, não estavam preparados para o
trabalho prático e desapareceram de cena com assombrosa velocidade. Mas o
alcance do seu trabalho era, na maioria dos casos, bastante amplo”.
Neste
contexto, faria sentido dizer haver um pensamento do “jovem Lênin”,
diferenciado das ideias de Lênin na sua plena maturidade?
Esta
clivagem é nitidamente identificada em Marx por Althusser. E de fato, há um divisão
ou, nos termos do filósofo francês, um corte epistemológico, situado mais ou
menos no ano de 1846, quando da redação d’a Ideologia Alemã: a ruptura com conceitos
de viés ideológico como “essência humana” e “alienação” para em seu lugar inaugurar
a ciência da histórica, o anti-humanismo teórico que afirma a
prevalência da luta de classes e a objetividade na análise da sociedade, a
mudança do enfoque dos temas filosóficos para a crítica da economia política,
tudo isso sugere de fato uma ausência mesmo de solução de continuidade entre o
jovem hegeliano Marx e o autor d’O Capital (1867).
Contudo,
não nos parece ser possível dizer o mesmo de Lênin. Não existe uma ruptura, partindo
dos seus escritos contra os populistas russos ainda no século XIX, as suas
polêmicas sobre o problema da organização partidária d’O Que Fazer (1902), suas
análises sobre o Imperialismo alguns anos após a I Guerra Mundial (1917) e os
seus escritos tardios sobre as tarefas na construção do socialismo na URSS. Se há
algo que caracteriza o pensamento de Lênin durante todo este período é a
conexão íntima dos problemas teóricos com os problemas concretos do movimento revolucionário
(“social-democrata”) na Rússia. Daí porque algumas assertivas de Lênin
popularizaram-se tanto como a ideia da “teoria como guia para ação” ou a exigência
da “análise concreta dos problemas concretos”.
Isto
significa dizer que da leitura dos escritos de Lênin entre 1898 e 1905, estabelecendo
como marcos a fundação do POSDR e o ensaio geral da grande Revolução de 1917,
levam o leitor ao contato direto com os problemas fundamentais da conjuntura,
as polêmicas que dividiam o movimento, a descrição das classes sociais, da suas
lutas, dos momentos de acirramento e de tréguas.
Exemplos.
No
artigo “A Que Herança Renunciamos” (1897), Lênin esclarece como pensadores da
grande burguesia liberal tinham maior clareza do sentido histórico do
desenvolvimento do capitalismo no campo, quando comparados ao pensamento
pequeno burguês, ou mesmo “socialista”, que propugnava a valorização da
comunidade rural (“mir”), a família patriarcal, a pose comunal da terra e o
direito consuetudinário. A abolição da servidão na Rússia, ocorrido em 1861,
ainda abria espaço para vestígios do feudalismo, com leis que impediam o camponês
de alienar a sua terra ou mesmo abandonar espaços onde os latifundiários
necessitassem de braços.
A
luta consequente contra os resquícios do feudalismo fazia com que observadores
influenciados pelo iluminismo tradicional conseguissem ter uma visão de maior
alcance do que ocorria no campo na Rússia do que pequenos burgueses que
objetivamente se opunham à total destruição do regime servil.
É
justamente pelas análises de Lênin estarem sempre ancoradas na mais rigorosa
delimitação das classes, frações de classes e os interesses em disputa colocados
em cada conjuntura, que as suas análises, mesmo tanto tampo depois,
efetivamente nos servem de precioso guia de ação.
Em
outra polêmica, desde o artigo “A Ditadura Democrática Revolucionária do
Proletariado e do Campesinato” (1905), Lênin menciona a luta pelo governo
Governo Provisório, qual seja, a forma jurídica de um estado cujo conteúdo de
classe é o da “ditadura revolucionária do proletariado e do campesinato”. O
país passava por uma conflagração de greves já de natureza política,
nitidamente após o domingo sangrento de Janeiro de 1905. A palavra de ordem é o
da derrubada da autocracia, a instituição de um governo provisório até a
constituição de uma assembleia constituinte. No que se refere às alianças
provisórias com classes e frações de classe que estão de acordo com a palavra
de ordem, não se deve esquecer: golpear juntos, caminhar separadamente, não
misturar as organizações, manter a independência de classe e, importante,
vigiar o aliado do momento com a mesma diligência como que vigiamos o inimigo
comum.
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