NOTAS SOBRE LOUIS ALTHUSSER
“O grande interesse
político e teórico da Revolução Cultural é o de constituir um solene evocação
da concepção marxista da luta de classes e da revolução. A questão da revolução
socialista não é resolvida com a tomada do poder e a socialização dos meios de
produção. A luta de classes continua sob o socialismo, em um mundo submetido às
ameaças do imperialismo. É então, antes de mais nada, na ideologia que a luta
de classes decide a sorte do socialismo: progresso ou regressão, via
revolucionária ou via capitalista”. “Sobre a Revolução Cultural”. Louis
Althusser. Cahiers Marxistes-leninistes nº 141966. Tradução Márcio Bilharino Naves.
A primazia da ciência
sobre a ideologia. A ruptura ou o corte epistemológico entre as fases de
juventude e maturidade de Marx. O anti-humanismo teórico que afirma a prevalência
da luta de classes e a objetividade na análise da sociedade. A mais completa
rigorosidade na utilização dos conceitos teóricos do marxismo. Estas são
algumas das principais propostas suscitadas pelo filósofo marxista francês Louis
Althusser.
É certo que no Brasil,
suas ideias ainda não têm a mesma repercussão de outros pensadores marxistas
como Antonio Gramsci e Lukács, cujas orientações metodológicas são bastante
diversas da proposta althusseriana.
Ao contrário de Gramsci,
Althusser não entende o marxismo como uma nova filosofia da Praxis, mas sim
como uma nova prática dentro da filosofia[1].
Em outras palavras, Marx não suprime a filosofia, não elabora todas as partes de
uma nova filosofia, uma antifilosofia ou uma filosofia que rompe com toda a
tradição filosófica passada: o que Marx faz é revolucionar a filosofia, ou seja
instaurar uma nova prática na (dentro da) filosofia.
Ao contrário de Lukács,
bem como de pensadores lucaksianos brasileiros bastante conhecidos como Carlos
Nelson Coutinho e Leandro Konder, não existe em Althusser uma solução de
continuidade entre as ideias de um jovem Marx desde os seus Manuscritos Econômico-filosóficos
de 1844 e o seu principal trabalho de maturidade que é a realização d’O Capital
(1867).
Conceitos de um humanismo
teórico como “alienação” e “essência humana” são suprimidos nesta viragem:
rompe-se com a perspectiva ideológica para se inaugurar a perspectiva
científica, esta última correspondendo de fato à grande contribuição teórico-metodológica
de Marx, que se equipara, para todos os efeitos, aos impactos das descobertas
de Tales de Mileto na Matemática e Galileu Galilei na Física.
No escrito “A Querela do
Humanismo” (1966) Althusser chama inclusive atenção para o fato de estarmos
ainda historicamente muito perto de Marx para apreciar objetivamente o peso da
revolução científica que o mesmo provocou.
Portanto, para Althusser,
o marxismo na sua acepção científica e não ideológica é necessariamente um “não
humanismo”. Além disso, o marxismo é entendido como ciência, ou mais precisamente,
a ciência da história:
“Essa tese declara que a ciência
da história marxista e a filosofia marxista só se puderam constituir sobre a
base de uma ruptura com as filosofias humanistas e antropológicas anteriores, e
que o marxismo é, teoricamente falando, ou seja, do ponto de vista de seus
conceitos científicos e filosóficos, um anti-humanismo, ou mais precisamente,
um a-humanismo teórico
Quando proclamamos esse
princípio, temos em vista algo de extremamente precioso, a saber que, na teoria
da maturidade (ciência e filosofia) não encontramos mais entre os princípios
científicos e filosóficos de base da teoria de Marx, conceitos antropológicos
ou humanistas. Esses conceitos figuravam nas Obras de Juventude de Marx (os
conceitos de humanismo, alienação, desalienação, “perda da essência humana”,
etc.). Eles faziam então organicamente parte da teoria, ainda ideológica, que
Marx concebia da filosofia, da história e mesmo da “crítica” da Economia
Política (p. ex., nos Manuscritos de 1844). Após a “ruptura” que começa somente
nos anos 1845 e cujo “trabalho” se estende por longos anos, Marx rejeita sua
concepção antropológico-humanista (teórica) de juventude. Esses conceitos
ideológicos desaparecem, e são substituídos por outros conceitos: os conceitos
bem conhecidos do materialismo histórico, dos conceitos de modo de
produção, de forças produtivas, de
relações de produção, de superestrutura jurídico-política e ideológica etc.”.
Por suposto, este combate
ao viés humanista do Marxismo não correspondia a uma mera discussão no nível
teórico e acadêmico, mas a um combate feito por Althusser ao posicionamento da
direção do Partido Comunista Francês (PCF) ao longo dos anos 1960, nitidamente
em face das ideias de Roger Garaudy que defendia uma visão de um comunismo
humanista, aberto à espiritualidade e em diálogo com o cristianismo.
Para Althusser, em
contraponto, o anti-humanismo (a-humanismo) teórico aponta para a primazia da
luta de classes, sendo certo que a concepção idealista na filosofia corresponde
à leitura burguesa do mundo, algo bastante explicitado já há algum tempo por
Lênin.
Nestas polêmicas no PCF, extraímos
ainda hoje lições no sentido de que os comunistas podem firmar qualquer tipo de
compromisso tático, exceto os compromissos teóricos. Neste sentido, quanto mais
os socialistas estejam empenhados numa política de unidade, mais eles devem
estar atentos com os seus princípios.
O marxismo não é uma
narrativa ou mais uma visão social de mundo, dentre tantas outras. O marxismo deve
ser entendido como ciência e o mais avançado método até então descoberto de
julgamento objetivo da história. As restrições que intelectuais de outras filiações
teóricas têm em relação a Althusser certamente envolve mais do que
discordâncias pontuais sobre o peso e importância das obras de juventude de Marx,
o problema da ideologia, os conceitos de alienação, etc. Trata-se antes disto
da dificuldade de assumir o marxismo como o único meio de compreensão objetiva
da história disponível, no limite assumir de forma consequente o leninismo no
âmbito acadêmico, abrindo sempre caminho para capitulações ou vacilações no
plano teórico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário