“A Mãe” – Máximo Górki
Resenha Livro - “A Mãe” – Máximo Górki
– Ed. Expressão Popular – 2ª Edição – São Paulo – 2011
“ – A nossa procissão marcha agora sob
o nome de um novo Deus, o Deus da luz e da verdade, o Deus da razão e do bem! O
nosso objetivo está longe e as coroas de espinhos, muito perto! Aqueles que não
têm fé na força da verdade, que não têm coragem de defendê-la até a morte, aqueles
que não têm confiança neles próprios, que se afastem! Nós apelamos a que se
juntem a nós aqueles que acreditem na nossa vitória; os que não veem o nosso
objetivo que não nos sigam, pois só encontrarão percalços. Cerrai fileiras, camaradas!
Viva a festa dos homens livres! Viva o 1º de Maio”.
Este é o mais conhecido romance do
escritório russo Máximo Górki, redigido em 1907, e que retrata com realismo e
fidelidade a onda de movimentos grevistas que varreu a Rússia entre 1905/1907.
O período foi chamado de “ensaio geral da Revolução Russa de 1917”, tendo como
ponto de partida a manifestação pacífica de 22/01/1905 em São Petersburgo
quando os trabalhadores intentaram entregar uma petição ao Czar para
reivindicar alguns direitos democráticos como aumento de salários, reduções de
jornada de trabalho e melhores condições de trabalho.
Como se sabe, esta manifestação,
presidida por um padre, terminou num massacre que ficou conhecido na história
como Domingo Sangrento.
Este romance remonta a estes primeiros
capítulos de organização e mobilização do povo e dos trabalhadores da Rússia,
processo que culminaria anos depois nas revoluções de fevereiro de 1917, com a derrubada
do czarismo, e de outubro de 1917, com a tomada do poder pelos bolcheviques,
liderados por Lênin.
O romance inspira-se em acontecimentos
reais do 1º de Maio de 1902, na cidade de Sormovo, e o subsequente julgamento
dos seus participantes. As personagens centrais desses acontecimentos – o operário
fabril Piotr Zalomov e sua mãe, Ana Kirilovna Zalomova – são retratados como
personagens no romance. Pavel Vlassov é um jovem ativista político e operário,
reúne um pequeno grupo de estudos socialistas clandestino na sua casa,
promoverá com seus camaradas a manifestação do primeiro de maio e por conta
disto, será preso. Sua mãe, que é a personagem principal, chama-se Pelagueia
Nilovna, tem 40 anos e passara 20 anos casada com o serralheiro Vlassov, que
bebia e a espancava. Com a morte de Vlassov, Pavel passa a ser o homem da casa
e une a experiência de um passado de violência doméstica e arbitrariedades na
fábrica à gradual e progressiva tomada de consciência política.
A mãe também tem um lento despertar
político: seu ponto de partida é a morte de sua marido violento e a presença
dos camaradas de seu filho, que se reúnem clandestinamente na sua casa. É provável
que esta lenta mas constante escaldada da consciência crítica da mãe diga
respeito ao processo de tomada de consciência política tardia da “mãe Rússia”.
Um dos fatores explicativos da
Revolução Russa certamente é o atraso político daquele país que até fevereiro
de 1917 ainda estava sob um regime político de tipo absolutismo, com uma
polícia política (Okhrana) que perseguia duramente qualquer sinal de
descontentamento. A imprensa é censurada e qualquer manifestação contrária ao
czar implica na prisão, deportação ou até a morte. Pode-se falar num
anacronismo histórico a existência do czarismo e da Okhrana na Rússia de 1917,
se se levar em consideração que na França o Antigo Regime já havia sido derrubado
de forma revolucionária em 1789!
A “mãe”, protagonista do romance de
Górki, parece ser uma espécie de metáfora da “mãe Rússia”, um país
profundamente atrasado e que, por conta das contradições oriundas do
anacronismo político, será o elo mais fraco a ser quebrado na cadeia de
dominação capitalista. A contradição profunda decorrente do atraso político possibilitará
ao fim e a cabo a tomada do poder político pelos socialistas de forma pioneira
no mundo, em outubro de 1917.
Inicialmente, a mãe sente medo que
algo aconteça com o seu filho. Não entende a disposição daqueles jovens em
arriscar tudo pela causa, que apareceria para eles como sendo a luta pela “verdade”.
Após a prisão de Pavel decorrente de sua participação na manifestação do
primeiro de maio, a mãe passa a atuar politicamente: distribui clandestinamente
na fábrica jornais do movimento, iludindo as autoridades dizendo estar vendendo
refeições aos operários. Posteriormente, a mãe irá assumir outras tarefas
militantes, não só motivada pelo amor ao seu filho, mas pela efetiva concordância
com as teses dos movimentos.
O estilo da narrativa é o realismo, contando
com a descrição objetiva das personagens e dos ambientes. Mas é inequívoco que
este realismo na forma se funde com um romantismo de fundo, de modo que a
história d’a Mãe e seu filho Pavel surge como algo de heroico. As histórias de resistência
das personagens que passam pelas prisões e deportações sugerem que o autor não
só buscava descrever realisticamente as lutas operárias, mas incutir no leitor
um encanto que o envolvesse e, talvez, o engajasse no movimento.
Górki, como se sabe, apoiou a
revolução de outubro e esteve sempre ao lado dos bolcheviques.
Órfão aos 7 anos, desprovido de
qualquer formação, o escritor começou a trabalhar aos nove anos de idade, como aprendiz
de sapateiro, ajudante de cozinheiro em navios, jardineiro, padeiro, vendedor
de frutas e ferroviário. Entre 1899 e 1906, militou no Partido Social-democrata
russo, quando conheceu Lênin, de quem se tornou amigo pessoal.
Górki participou da Revolução de 1905,
quando já era um escritor conhecido, mas ainda assim foi preso. Vitoriosa a Revolução
de Outubro, o autor manifestou o seu apoio condicional aos bolcheviques. Já no
período estalinista, no ano de 1932, o Partido Comunista da União Soviética
criou a União dos Escritores Socialistas, da qual Górki foi eleito o primeiro
presidente.
Segundo Frei Betto, “a partir daquele
momento, o escritor passou a defender a ortodoxia estalinista, forjando o
conceito de ‘realismo socialista’ – tendência artística que despojava a arte de
sua natureza estética para transformá-la numa captação ideológica da realidade”.
(“Gorki e as Malhas do Poder”). O escritor faleceu no ano de 1936 de pneumonia,
tendo sido sepultado com todas as honras oficiais, com a presença de Stálin e
Molotov.
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