sexta-feira, 1 de maio de 2015

“À Sombra do Libertador – Hugo Chávez Frías e a transformação da Venezuela” – Richard Gott

“À Sombra do Libertador – Hugo Chávez Frías e a transformação da Venezuela” – Richard Gott 

Resenha Livro 169- “À Sombra do Libertador – Hugo Chávez Frías e a transformação da Venezuela” – Richard Gott – Ed. Expressão Popular 





“Nossas leis atuais são relíquias desastrosas de cada regime despótico, antigo ou moderno, que existiu; estejamos certos de que este edifício monstruoso entre em colapso e desmorone, para que possamos construir um templo à justiça, longe destas ruínas, e ditar um novo código legal venezuelano, sob sua influência de sua sagrada inspiração” – Bolívar, no Congresso de Angostura de 1819


Richard Gott é jornalista e escritor britânico e neste trabalho demonstra possuir vasto conhecimento não só sobre a história política venezuelana mas sobre o panorama histórico, social e cultural latino americano como um todo. Conhecimento de alguém que viajou e conheceu de perto o continente e suas transformações já desde os anos de 1960. Nesse sentido, estamos diante de uma obra jornalística em sua mais alta acepção: Gott entrevistou pessoalmente personagens envolvidos na ascensão Chavista – que tem como ponto de partida o mal fadado golpe de estado de fevereiro de 1992 – conheceu pessoalmente o “libertador” e conforme um trabalho investigativo, faz um relato dos dois primeiros anos de mandato de Chávez. 

Ademais, o jornalista relata seu contato com gente do povo, em cenas casuais, como sua viagem ao interior da Venezuela junto a um motorista de Taxi chavista ou sua entrevista a um agenciador de modelos da “Miss Venezuela”, considerando que aquele país é exportador de campeãs de Miss Universos, e considerando também a contradição da “Miss Venezuela” nunca possuir fenótipo indígena ou negro, em que pese a composição racial da população daquele país. 

A experiência política venezuelana deve ser vista em sua singularidade, o que desde já envolve chamar atenção para a centralidade das Forças Armadas que desde o século XIX até Chávez (ele próprio um militar) é chamada a atuar diretamente na vida política do país. Desde Simon Bolívar (herói nacional) até Ezequiel Zamorra, temos aqui uma tradição em que as Forças Armadas são convocadas a desempenhar uma intervenção progressista, em defesa dos mais humildes e contra as oligarquias associadas aos interesses exógenos – ou seja Forças Armadas patrióticas e esquerdizantes. 

Nesta toada, tivemos no continente, no Panamá o general Omar Torrijos que conquistou a devolução do canal do Panamá e no Peru o general Juan Velasco. No Brasil não podemos dizer que os militares golpistas de 1964 eram patriotas, mas quando muito nacionalistas de direita que manobravam esta ideologia “verde e amarela” contra a esquerda, por exemplo, através dos jogos da Copa do Mundo de 1970 e com campanhas como “Brasil ame-o ou deixe-o”. Mas o fato é que não havia contradição entre os militares no Brasil e o imperialismo norte-americano, sendo certo que o golpe de 1º de Abril fora uma conspiração com apoio da Casa Branca.

Já na Venezuela, as Forças Armadas eram cingidas entre uma elite corrupta ligada às forças políticas igualmente corrompidas e oficiais de baixa patente com disposição a intervir na realidade. E com Chávez no poder, os militares foram convocados a sair da caserna e construírem estradas, hospitais e desenvolverem trabalho social. Estes setores  de baixa batente se auto-organizavam nos quartéis, sem vínculos com os partidos políticos tradicionais, desacreditados que estavam, e criaram seus próprios movimentos. 

Mas o fato político de maior relevância que antecedeu a aparição de Chávez no cenário político foi o Caracazo, uma manifestação espontânea que se deu em oportunidade em que os militares liderados por Chávez já estavam se organizando nos bastidores. Relata Gott:

“Como muitas outras grandes cidades da América Latina, Caracas caracteriza-se pela total ausência de lei e de ordem. É uma grande cidade em estado de sítio, onde cada centro comercial está protegido por grades de ferro, cada rua residencial bloqueada por uma guarita de vigilância e uma barreira, e cada edifício de apartamento protegido por guardas armados. Os ricos vivem atrás de paredes altas e têm sua própria guarda particular; os jovens pobres sobrevivem organizando seus próprios grupos armados. A classe média, presa entre ambos, vive temendo, constantemente, por seus bens e por sua vida. 

Há mais de uma década, em fevereiro de 1989, o pior de todos os pesadelos tornou-se realidade. Os pobres dos morros próximos desceram, saqueando indiscriminadamente a cidade, durante uma semana. Centenas de pessoas morreram durante o período seguinte, de feroz repressão militar, como se fosse para ninguém esquecer quão fragilizada estava a capacidade de tolerância mútua entre as classes. O acontecimento, que em seguida foi denominado Caracazo, teve uma causa simples: o preço da gasolina aumentou, o preço da passagem de ônibus aumentou e o descontentamento acumulado transformou-se em rebelião ativa. A polícia estava em greve naquele momento, reclamando aumento de salário e não estava preparada para conter o distúrbio urbano”

Fala-se em milhares de mortos mas não se sabe ao certo. O aumento da gasolina fora de 100% e os gastos repassados no transporte público. Politicamente, seria a esquerda e o movimento popular os maiores derrotados diante da enorme repressão estatal. 

Nem estavam preparados os jovens militares que efetivamente haviam discutido a possibilidade de aproveitar a mobilização popular para dirigi-las. Durante o Caracazo, Chavez estava de cama, com doença contagiosa e alguns de seus camaradas foram convocados a reprimir os protestos. Àquela altura já estava se organizando clandestinamente o MBR-200, Movimento Bolivariano Revolucionário, sendo a próxima etapa do movimento chavista, a tentativa de golpe de estado três anos depois, com o escopo de derrubar o presidente neoliberal e impopular Carlos Perez. 

O que é impressionante neste evento é que os golpistas saíram derrotados apenas militarmente, mas ganharam uma enorme conquista moral junto a uma população. As razões da derrota envolvem basicamente a hesitação de alguns setores que não se dispuseram a lutar no momento decisivo. Por outro lado, a ação do MBR-200 abriu uma enorme divisão dentro das forças armadas com o risco de abrir uma guerra civil. Chávez, líder do movimento, pediu para que lhe permitissem falar pela televisão, com o objetivo de pedir aos oficiais que haviam tomado quartéis e cidades a se renderem pacificamente. Aqui quem relata é Gott

“O aparecimento de Chávez na televisão durou apenas um minuto. Sua consequência inesperada foi a de que passara a ser, de um oficial totalmente desconhecido,  uma figura nacional. Um minuto no ar, em um momento de estrondosa derrota pessoal, transformou-o em uma espécie de salvador da pátria em potencial”.

Temos aqui dois elementos chave da história política venezuelana sem as quais não sem entende de onde veio e para onde segue o chavismo e subsequentemente seu sucessor Maduro. A dura desmoralização perpetrada pela burguesia e classes dominantes com a repressão pós Caracazo ficaria no imaginário daquela povo que veria em Chávez uma alternativa concreta de mudanças. O golpe e seu movimento militar também foram vistos com simpatia, antes de tudo projetaram politicamente Chávez e seu grupo para todo o país. Temos aqui dois fatos constitutivos que concretizariam sua vitória eleitoral com 56,2%  dos votos. Em abril de 1999, um plebiscito organizado para determinar se seria convocada uma assembleia nacional constituinte teve como partidários do “Sim” 88% dos votos. Em Julho de 1999, foram realizadas eleições e os partidários de Chávez receberam 119 dos 131 dos lugares correspondentes a 91% dos votos. Em Dezembro de 1999, um segundo plebiscito ratificou a nova constituição: o “Sim” obteve 71% e o “Não” 28%. A reportagem de Gott se encerra no 2º ano de mandato. Poderíamos citar o dramático ano de 2002 quando um golpe orquestrado pelos EUA derrubou o Governo Chávez por poucos dias e o povo descendo dos bairros e dos morros, junto com as forças armadas exigiram a volta do presidente constitucionalmente eleito, derrotando os golpistas. 

Neste momento, o presidente N. Maduro segue a obra de Chávez na Venezuela, sendo neste momento um dever dos comunistas brasileiros o apoio incondicional àquele país frente a qualquer ação imperialista, seja norte americana seja de Espanha. Acima de tudo, o legado de Chávez refere-se à luta anti-imperialista suscitada pela tradição de Bolívar e do fortalecimento político e cultural latino-americanos. O Brasil também tem uma tradição progressista mesmo dentro das forças armadas a começar pelo movimento tenentista e deve se somar a esta perspectiva de luta antiimperialista em prol do continente sulamericano.         
   


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