quarta-feira, 4 de setembro de 2013

“A Revolução Antes da Revolução” – Friederich Engels


Resenha Livro # 71 – “A Revolução antes da Revolução – As guerras camponesas na Alemanha. Revolução e Contra-Revolução na Alemanha” –Friederich Engels - Ed. Expressão Popular

 


A “Revolução antes da Revolução” é um bom título para os ensaios de F. Engels organizados pela editora Expressão Popular.  O título parece sintetizar o significado das insurreições camponesas do séc. XVI e dos levantes dos anos 1848-1849 na Alemanha, no que se refere às relações entre uma revolução da burguesia e uma futura revolução do proletariado.

Desde o ponto de vista marxista, a história dos homens é a histórica da luta de classes: as revoluções implicam numa agudização radical dos conflitos entre as classes sociais e podem ser explicadas por fatores objetivos e subjetivos. Os fatores objetivos das revoluções correspondem às relações entre o desenvolvimento das forças produtivas frente ao modo de produção historicamente determinado, com suas respectivas instituições e expressões do poder político que passam a andar em descompasso com o desenvolvimento da sociedade e da economia. Os fatores subjetivos envolvem o grau de maturidade histórica e organização das classes, desde a coesão e conformação da independência da classe (a sua “autonomia”), até a existência de homens e mulheres capazes de dar uma direção consequente e resoluta aos dilemas da crise revolucionária. “Revolução antes da Revolução” diz respeito ao exame, por parte de Engels, de revoluções e levantes em que a classe trabalhadora, ainda que participante dos levantes, especialmente em 1848, não tinha ainda o grau necessário de experiência e maturidade política, bem como uma organização independente para se apoiar, de forma a ir além dos interesses da burguesia em sua luta contra o Feudalismo. Os trabalhadores se armaram e estiveram por de trás da burguesia em sua luta revolucionária – e, conforme os interesses entre capital e trabalho também são antagônicos, a ascensão burguesa passa a ser acompanhada da luta contra seus antigos aliados.

Engels com enorme maestria analisa a história dos levantes e insurreições ora camponesas, ora burguesas, desde a perspectiva dos interesses de classe em jogo e da composição de forças e organização das mesmas, o que viria a decidir a sorte daqueles dois movimentos revolucionários. O livro contêm dois trabalhos distintos de Engels. A primeira parte do livro aborda as revoluções e levantes camponeses nos territórios alemães no séc. XVI. Àquela altura, o capitalismo ainda vivia a sua fase comercial (ou seja, não industrial). A manufatura e a classe dos artesãos nas cidades faziam as vezes de um embrionário proletariado que passaria a se conformar como classe especialmente após a revolução industrial. Ademais, o movimento camponês do início da era moderna tinha forte conotação religiosa – por detrás da crítica protestante de Lutero e do ainda mais radical Thomas Müntzer, surgiam as demandas contra o esmagamento do camponês por tributos e pela igualdade entre os homens. Este último, de teólogo reformador, virou líder revolucionário e apoiador dos anabaptistas, a “ala radical” da reforma protestante, tendo se virado inclusive contra Lutero, aqui considerado como “moderado”.

Engels, como historiador, não comete o erro de analisar o passado e seus personagens desde o ponto de vista do que aquele movimento revolucionário e aqueles pensadores entendiam de si próprios, mas interpreta o passado a partir do que os agentes e movimentos efetivamente fizeram.  Levando em consideração não a justificativa religioso mas os aspectos políticos daquela conjuntura. Atrás das teses religiosas estavam cobertos discursos e ações voltadas ao igualitarismo, ao fim da riqueza concentrada no 1º estado, a construção de uma sociedade igual materialmente, enfim, a derrota do feudalismo. Portanto, ainda que tal perspectiva surgisse no levante camponês com um viés religioso, o que é decisivo, aqui, são os interesses de classe em disputa, bem como o ponto de partida de uma longa batalha na Europa contra o feudalismo.

E foi ainda contra o feudalismo, o poder concentrado da burocracia real, as tarifas alfandegárias e as dificuldades de fazer circular suas mercadorias que a burguesia, tendo atrás de si, agora, o proletariado urbano, se envolve na revolução que ocorreria na Alemanha 300 anos depois dos levantes camponeses. Enquanto a Revolução Francesa de 1789 e as revoluções industriais inglesas já haviam implicado na eliminação dos entraves para o desenvolvimento do capitalismo, bem como da burguesia como classe dominante, na Alemanha, havia um enorme atraso entre as instituições políticas e o desenvolvimento das forças produtivas, contradição a partir da qual emergem as lutas políticas burguesas. Um ponto importante a ser considerado, todavia, é que a contra-revolução foi exitosa e derrotou todas as insurreições na Prússia e na Áustria (principais estados alemães de então) e a derrota sinalizava já o duplo caráter da revolução burguesa: ainda que houvessem interesses de classe pressionando pela unificação alemã, por um regime parlamentar e constitucionalista, pelo fim dos tributos abusivos e pela abertura comercial, ao chegar ao poder (como ilustrou bem na história a “Assembleia de Frankfurt”), a burguesia e os pequenos comerciantes passam a ter uma posição vacilante, quando não contra-revolucionária: atrás de si havia agora (ao contrário do séc. XVI) a classe trabalhadora em armas, o que poderia significar um passo em frente na luta revolucionária a partir do atendimento dos interesses dos trabalhadores que estão em oposição aos interesses econômicos burgueses. Não só a vacilação, bem como inúmeros exemplos de traição de elementos burgueses à luta revolucionária facilitaram o trabalho da repressão da reação feudal. E a repressão das forças reacionárias, ligadas ao primeiro estado, é descrita por Engels revelando a brutalidade com que os revolucionários foram submetidos. Ao re-tomar as cidades, a reação matava a maior parte dos rebeldes, amputava dedos e membros de alguns e mandava outros para o exílio e prisão (este último caso, aliás, foi o de Bakunin, citado por Engels).

A vacilação e traição da burguesia às revoltas dos anos de 1848 na Alemanha foram fatais a todo o movimento, dada a conjuntura revolucionária. A guiza de conclusão, reproduzimos aqui uma bela passagem de Engels, comentando acerca de tal conjuntura e dos efeitos das vacilações burguesas. Aqui, o companheiro de Marx fala sobre a “arte da insurreição”.

“Ora, a insurreição é uma arte, tanto quanto a guerra ou qualquer outra, sujeita a certas regras de procedimento que, se forem descuradas, produzirão a ruína do partido que as descurar. Essas regras, deduções lógicas da natureza dos partidos e das circunstâncias com que tem de se lidar num tal caso, são tão claras e simples que a curta experiência de 1848 tornaram os alemães bem familiarizados  com elas. Em primeiro lugar, nunca provocar uma insurreição a não ser que se esteja completamente preparado para encarar suas consequências. (....) Em segundo lugar, uma vez iniciado o movimento insurrecional, agir com a maior determinação e na ofensiva. A defensiva é a morte de todo levantamento armado; está perdido antes de ele próprio se medir com o inimigo. Surpreender os antagonistas enquanto suas forças estão dispersas, preparar novos êxitos, ainda que pequenos, mas diários; manter o moral ascendente que o primeiro levantamento vitorioso forneceu; reunir, desse modo, do nosso lado, aqueles elementos vacilantes que sempre seguem o impulso mais forte e que sempre procuram o lado mais seguro; obrigar os inimigos a se retirarem antes de poderem reunir as suas forças contra nós; das palavras de Danton, o maior mestre da política revolucionária até hoje conhecido: “de l’audace”, “de l’audace”, encore de l’audace (Audácia, audácia e mais audácia – francês)”.     

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