“O
Coruja” – Aluísio Azevedo
Resenha
livro - “O Coruja” – Aluísio Azevedo – Livraria Martins Editora 1973
Aluísio
Azevedo foi um dos ou talvez o maior dos escritores do nosso naturalismo
literário. Suas duas obras mais lembradas são O Cortiço (1890) e O Mulato (1881).
Diante do compromisso literário daquela escola com a objetividade na narrativa,
as obras naturalistas têm especial importância para o historiador do Brasil. As
narrativas revelam aspectos sociais a começar pelos tipos humanos que exsurgem: dos
estudantes, dos bacharéis, dos jornalistas e poetas, das francesas de vida
fácil, da solteirona mal dizente, dos trabalhadores manuais, dos agregados, dos
comerciantes de pequeno e grande porte. Da cultura da provinciana Maranhão, em
O Mulato, ao Cortiço, os naturalistas são pioneiros em direcionar sua atenção
para os extratos mais baixos da população.
No realismo literário ou mesmo no
Romantismo de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo figuram com mais frequências os tipos
burgueses das cidades, até porque os romances eram naquele tempo lidos pelas
mulheres das classes mais altas através dos folhetins. O naturalismo vai mesmo
além ao retratar tragédias familiares, todo tipo de violência e questões
sexuais então consideradas tabu. Basta lembrar de Adolpho Caminha que em “Bom
Crioulo” aborda o tema do amor homossexual em 1895.
Há
assim um interesse suplementar nas obras naturalistas e nos livros de Aluísio
Azevedo quanto à descrição dos tipos populares, as expressões de linguagem, os
enlaces amorosos, o papel eminentemente doméstico da mulher, as estudantadas
com sua boemia, a hipocrisia religiosa que começa a partir dos próprios
clérigos.
Por
outro lado, o realismo literário, que antecede o naturalismo, desnuda os
interesses pessoais e até pecuniários que envolvem sentimentos como os de
nobreza, coragem e de amor, não raro implicando no humor, através da análise
detida da psicologia das personagens. Já o naturalismo literário, muito
influenciado por um certo cientificismo que informa a visão social de mundo de
fins do séc. XIX, não se caracteriza tanto pela análise psicológica, estando os
personagens muito mais sucumbidos em suas atitudes e pensamentos pelas
influencias hereditárias, da origem e do meio social. Há um certo fatalismo
quando se observa a trajetória de vida das personagens naturalistas, o que é a
tônica também deste Coruja.
Os
amigos Teobaldo e André tem seus traços essenciais mais ou menos já definidos
na infância e a série sequencial de eventos de suas vidas segue uma espécie de
teleologia ao inverso: os traços já definidos do caráter, a origem social e
mesmo a sorte são pré determinadas a partir da origem, da herança de classe e da
formação familiar. O fim trágico da história sugere que a despeito das diferentes
trajetórias, seja o genuinamente bom (Coruja) seja o genuinamente vaidoso
(Teobaldo) terminam numa situação de amargura e solidão diante da morte.
As
duas crianças conheceram-se numa escola-internato dirigida por um avaro
diretor. André logo nos primeiros dias de escola é apelidado de coruja por seu
aspecto físico de extrema feiura.
“André
representava então nos seus dez anos o espécime mais perfeito de um menino
desgraçado. Era pequeno, grosso, muito cabeçudo, braços e pernas curtos, mão
avermelhadas e polposas, tez morena e áspera, olhos sumidos de uma cor duvidosa
e fosca, cabelo duro e tão abundante que mais parecia um boné russo do que uma
cabeleira”.
Já quando criança o Coruja sempre fora muito
triste e calado. André fora adotado por um reverendo que por sinal odiava a
criança. O Coruja era órfão de pai e mãe e foi acolhido mais pela boa reputação
que o ato de bondade do Sr. Vigário fazia junto aos devotos do que por algum
interesse pelo menino.
Não
poderiam ser mais opostas as origens de Teobaldo Henrique de Albuquerque. Filho
de um rico barão, era altivo, belo e arrogante. Pode-se dizer que os dois formavam
um contrate tal que se suplementavam. Os colegas da escola igualmente
detestavam os dois, o primeiro pela esquisitez e o segundo pela petulância,
além da inveja de Teobaldo ser sempre bem tratado pelos funcionários do colégio
considerando sua origem de menino rico.
Teobaldo
tinha postura de fidalgo, tendo estudado ainda muito jovem em Londres e
Portugal. Tinha um espírito inconstante e aventureiro. O Coruja era
antissocial, tinha um espírito metódico, muito chegado a livros velhos de sebos
- houve quem comparasse o personagem Coruja com um dos nossos maiores
historiadores, Capistrano de Abreu.
O Coruja
era extremamente modesto e bondoso, não aceitando que seus colegas que tanto o
importunavam fossem capazes de caçar uma borboleta em sua frente. Não só era
bom com os homens como com os animais sendo capaz de passar frio e deitar uma
blusa a um cão em necessidade. Um gênio improvável para uma criança de 12 anos,
o que acabará por causar certa perplexidade face aos atos de altruísmo que o
Coruja tomaria em benefício de seu único e exclusivo amigo, Teobaldo.
Na
perspectiva do naturalismo, o sucesso e o fracasso na vida parecem ser uma
questão de sorte. Teobaldo, pródigo como era, vivera sempre na fortuna, até
quando no Rio de Janeiro passou dificuldades com a morte e abandono dos
parentes, sendo em grande tempo sustentado pelo amigo. Em seu melhor momento
Coruja, tão arredio e rejeitado pelo mundo, conseguiu, com muito trabalho,
dirigir um estabelecimento educacional. As situações de vida se inverterão com
Teobaldo, após sucessivos eventos que poderíamos chamar de sorte, fazendo com
que o mesmo se torne ministro de estado. Mas a força da contingência é aparente,
pois os vaivéns da vida em nada alteram a atitude dos personagens, sua força
moral, sua psicologia e sua essência. A série de acontecimentos da vida dos
dois amigos parecem revelar forças irresistíveis de modo que as personagens não
parecem ser protagonistas dos seus destino. Mas a solução final dada pelo livro
é a de que, a despeito das contingências, a sorte do homem já está
pré-determinada. O que significa dizer que esta proposta não contempla a possibilidade
de mudanças radicais quanto aos traços essenciais do homem.
O
compromisso com a objetividade dos naturalistas descortina questões do passado
que já aqui revelam o interesse vivo pela leitura dos livros de Aluísio
Azevedo. Enquanto no Cortiço o protagonismo não está propriamente nos tipos
populares que surgem de uma certa forma superficiais mas no Cortiço
propriamente dito; enquanto no Mulato o protagonismo está na provinciana e atrasada
Maranhão do Séc. XIX; em o Coruja temos um livro em que a construção de personagens
mais complexos parece sinalizar uma etapa de evolução da literatura nacional
que tem certa equiparação com os nossos modernistas de 2ª Geração (Graciliano
Ramos, Amado Fontes, Rachel de Queróz) que focam suas narrativas nos elementos
populares, na maioria camponeses, mantendo ainda humanidade e a complexidade íntima
de cada personagem. Se o personagem Coruja parece ser um tanto improvável, temas
como o da bondade, da humildade, da ambição, do orgulho e da amizade revelam
como esta obra, ainda na perspectiva naturalista, vai mais além do que uma
descrição paisagística de elementos humanos submetidos ao meio e à
contingencia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário