“Formação
Econômica do Brasil” – Celso Furtado
Resenha
livro - “Formação Econômica do Brasil” – Celso Furtado – Ed. Companhia das
Letras
“Observado
de um ângulo distinto, o desenvolvimento da primeira metade do século XX
apresenta-se basicamente como um processo de articulação das distintas regiões
do país em um sistema com um mínimo de integração. O rápido crescimento da
economia cafeeira - durante o meio século compreendido entre 1880 e 1930 -, se
por um lado criou fortes discrepâncias regionais de níveis de renda per capita,
por outro dotou o Brasil de um sólido núcleo em torno ao qual as demais regiões
tiveram necessariamente de articular-se”.
Celso
Furtado nasceu em 1920 na Paraíba. Foi um dos fundadores da Comissão Econômica
da América Latina (CEPAL), instituto de importância no pensamento social
brasileiro envolvendo de maneira central o problema do subdesenvolvimento, a
ampliação do acesso a tecnologias nos países periféricos e o avanço da
industrialização. Neste contexto, vale ressaltar que Celso Furtado foi criador
e dirigiu a SUDENE até 1964, além de ter sido ministro do planejamento no
governo de João Goulart.
“Formação
Econômica do Brasil” se insere assim num contexto do pensamento social de
formulações no sentido da superação do subdesenvolvimento – foi escrito em 1958
durante o governo de Juscelino Kubitschek e já num contexto de discussão das
chamadas reformas de base que seriam intentadas ainda que timidamente por João
Goulart.
A
obra serve-se da economia e da história para explicar o processo de desenvolvimento
da economia brasileira na longa duração. Do sistema açucareiro no nordeste, primeira
forma economicamente estruturada de produção em território brasileiro, da
pecuária que se desenvolve como um apêndice do açúcar em regiões periféricas do
nordeste interiorizando a ocupação territorial; da economia de extrativismo
vegetal no norte amazônico dirigida primeiramente pelos jesuítas com a
utilização da mão de obra indígena; da economia mineradora que erigiu um tipo
de sociedade bastante diferente do sistema agrícola açucareiro começando pelo
fato que o ouro brasileiro é de aluvião, acessível a produção sem expressivo
capital; dos ciclos da borracha no norte, do cacau e do fumo na Bahia passando
pela economia do café que, servindo-se paulatinamente da mão de obra livre,
criou as condições para acumulação de capital, o desenvolvimento industrial
(num primeiro momento indústrias de bem de produção) e a ampliação do mercado
interno.
Como
se sabe, nos primeiros 30 anos do descobrimento do Brasil não se instalou aqui qualquer
atividade produtiva que não o escambo entre portugueses e índios envolvendo o
extrativismo vegetal. As coroas portuguesa e espanhola estavam vislumbradas com
a miragem do ouro que foi precocemente descoberto pelos espanhóis no eixo
Perú-México. Havia também a necessidade de defender militarmente os territórios
em face de Holanda, Inglaterra e França.
A
precoce descoberta do ouro pela Espanha deu fisionomia bastante distinta ao
processo colonizador da américa espanhola – a defesa territorial da vasta
porção de terras que iam no México ao extremo sul do continente fez com que a
intervenção espanhola tivesse um caráter de tipo militar o que não impediu a
instalação de franceses, ingleses e holandeses nas Antilhas da américa central,
além da porção setentrional do continente. A Espanha não desenvolveu produtos agrícolas
que amparassem sua economia e sucumbia diante da economia do ouro – inflação e
fortalecimento dos setores sociais não produtivos que vivem da renda
concentrada no Estado.
No
caso Brasileiro, o açúcar desenvolveu-se em grandes propriedades, inicialmente
através do trabalho indígena e, uma vez aferido a rentabilidade do sistema,
através da importação do trabalho africano. O escravo africano é certamente
mais eficiente e de recrutamento menos incerto que o do índio. O modelo de
economia agrário exportadora envolvendo a monocultura tem como desdobramento
uma forte dependência da economia da colônia
às oscilações do mercado mundial. O período de apogeu efetivo da economia
açucareira vai de fins do séc. XVI até meados do séc. XVII. Enquanto o açúcar
era produzido no Brasil, a refinaria do produto e sua comercialização na Europa
estavam nas mãos dos holandeses. O segredo da fabricação do açúcar, a proibição
que técnicos e peritos nesta produção saíssem do seu próprio território faziam
com que a produção brasileira fosse efetivada virtualmente em regime de
monopólio mundial. Com a ocupação holandesa do nordeste nas primeiras três
décadas do XVII os neerlandeses adquiram o conhecimento técnico da produção e
depois a instalaram nas Antilhas, estabelecendo concorrência e diminuindo sensivelmente
a produção brasileira.
Um
aspecto interessante que Celso Furtado chama atenção é para a criação de
economias apêndices de produção pecuária iniciada no nordeste de forma articulada
com o engenho de açúcar e no sul articulada com a economia mineradora. A
produção de couro realmente foi alta no Brasil substituindo produtos manufaturados
importados que na colônia tinham preços só acessíveis aos muito ricos[1]. Além do couro, a pecuária
produz a mula que é a base do transporte naquele país continental. Por último,
a pecuária atende ao consumo de carne na colônia. Quando o açúcar entra em
crise, a pecuária entra numa espécie de regressão tornando-se economia de
subsistência. Fenômeno semelhante ocorre com a crise da economia mineira e a
pecuária sulista. Pode-se falar que houve articulações, mas o que resta
inconcluso na economia nacional é uma verdadeira integração das regiões,
elemento de superação do subdesenvolvimento com o aproveitamento mais
racional de recursos e fatores no
conjunto da economia nacional.
Outro
problema que remete ao nosso passado colonial é uma tendência à concentração de
renda, ainda que haja uma diversificada destinação das riquezas a depender dos
diferentes ciclos econômicos. O que há de reiteração é que os aumentos de
produtividade e da renda nacional não são revertidos para o conjunto da
população: se destinam ora aos produtores, ora ao setor ligado ao comércio
internacional. Quando muito o estado de limita ao controle do câmbio e à
facilitação da importação de equipamentos, insumos e outros bens de produção.
Como
foi dito, o livro foi escrito em meados do século passado, quando o Brasil
ainda não completara sua transição demográfica, uma das mais rápidas do mundo,
do campo para as cidades. O problema do desenvolvimento se colocava então a
partir da superação de uma herança agrário-exportadora, com o escopo de
incrementar por um lado a produtividade do trabalho e por outro o próprio
crescimento econômico como um todo. Criar as bases de uma economia cada vez
menos dependente do mercado externo e reduzir ao máximo a concentração de
renda. Mesmo com mudanças então bastante imponderáveis para um observador de 60
anos atrás como a chamada globalização econômica, a brutal flexibilização das
relações de trabalho, a disseminação da informalidade, a economia de serviços
já superando a economia industrial, em que pese todos estes elementos
imponderáveis, a conclusão final do livro é de uma lamentável atualidade:
“Sendo
assim, o Brasil por essa época ainda figurará como uma das grandes áreas da
terra em que é maior a disparidade entre o grau de desenvolvimento e a
constelação de recursos potenciais”.
*
Monocultura
e Industrialização
“O
sistema de monocultura é, por natureza, antagônico a todo processo de
industrialização. Mesmo que, em casos especiais, constitua uma forma racional
(do ponto de vista econômico) de utilização dos recursos da terra, a
monocultura só é compatível com um alto nível de renda per capita quando a
densidade demográfica é relativamente baixa. Ali onde é elevada essa densidade
- o que ocorre na faixa úmida do Nordeste – a monocultura impossibilita
alcançar formas superiores de organização da produção. Com efeito, nas regiões
densamente povoadas uma elevada densidade de capital por homem - condição
básica para o aumento de produtividade - só se consegue com a industrialização.
Ora, a industrialização vem sempre acompanhada de rápida urbanização, que só
pode se efetivar se o setor agrícola responde com uma oferta adequada de
alimentos. Se a totalidade das boas terras agrícolas está concentrada em um sistema
ancilosado de monocultura, a maior procura de alimentos terá de ser atendida
com importações. No caso do Nordeste, a maior procura urbana tende a ser
satisfeita com alimentos importados da região sul, o que contribui para agravar
a disparidade entre salário nominal e produtividade em prejuízo da região mais
pobre”.
[1]
Na capitania de São Vicente (São Paulo) da era colonial algumas peças de roupa
importada tinham mais valor do que uma casa.
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