“História
da Cidade de São Paulo” - Afonso de E.
Taunay
Resenha
Livro - “História da Cidade de São Paulo” -
Afonso de E. Taunay – Poeteiro Editor Digital
“Em
ambiente tão singelo era natural que a vida dos primeiros paulistanos fosse a
mais uniforme e tediosa.
A
esta uniformidade só interrompiam, espaçadamente, os grandes acontecimentos
familiares, nascimentos, esponsais, moléstias e falecimentos ou então a
ocorrência de festas sacras.
Vivia
a vila quase sempre erma. Nas vizinhanças das festividades públicas povoava-se
com a chegada dos proprietários dos estabelecimentos agrícolas circunvizinhos.
A
vida fazendeira daqueles pequenos agricultores e pequenos criadores corria no
ramerrão quotidiano do plantio e da colheita, do pastoreio e da contenção do
pessoal servil”.
Há
alguns anos surgiu a notícia de que um grupo do provável quilate anarquista
pichara um monumento de bandeirantes na região do Ipiranga em São Paulo.
Tintaram de rosa a estátua de belo relevo com homens montados a cavalo em
movimento. Talvez os nossos colegas não sabiam que o monumento foi idealizado
por um artista ligado diretamente ao movimento modernista de 1922 que pode ser
considerado sob diferentes pontos de vista exceto como conservador. Foi antes
uma vanguarda de artistas que prenunciaram uma proposta de arte formalmente
brasileira, não só com temas pitorescos do país. Arte nacional quanto ao
conteúdo, mas buscando distinguir-se igualmente na forma, com um escopo mais
amplo de busca das raízes do país e da identidade nacional. O artista em
questão foi amigo de Paulo Prado e Mário de Andrade. Já os ataques ao monumento
bandeirante revelaria o mesmo irracionalismo que o de queimar edições do
Macunaíma sob o argumento da obra ser racista.
Seja
como for, esta transloucada ação no Ipiranga deveria ao menos ser um bom
pretexto para o estudo mais detido da história de São Paulo e, se quisermos, do
problema dos bandeirantes. É certo que a coroa serviu-se dos trabalhos do
bandeirante paulista Domingos Jorge Velho para aniquilar o Quilombo dos Palmares. Mas
os mesmos bandeirantes abriram caminho para a interiorização da ocupação do
país, com frentes pioneiras desbravando Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso em
busca do ouro e diamantes, isto a partir de fins do séc. XVII.
Na
São Paulo colonial, ilhada como esteva diante da serra do mar, os colonizadores
se serviram antes da mão de obra indígena do que da mão de obra africana que
predominaria nos engenhos de açúcar de Pernambuco e Bahia. Houve aqui conflitos
importantes entre colonizador e os jesuítas que buscavam assentar os índios em
povoações e aldeamentos com regras que buscavam nem sempre com sucesso
estabelecer normas de conduta ilibadas.
Quando
o Papa Urbano VII determina a ilegalidade da escravidão os conflitos irão se
avolumar até o ministro todo poderoso do monarca português D. José, o famoso
Marques de Pombal, deliberar pela expulsão dos jesuítas do Brasil. Tal
determinação culminaria nas chamadas Guerras Guaraníticas que unificaria
jesuítas e índios de um lado e as coroas ibéricas de outro.
O
que é certo é que os bandeirantes foram de certa forma retratados por uma certa
historiografia mais tradicional ao patamar de entes representativos dos
paulistas e paulistanos: varonis, corajosos, ambiciosos de aventura, ciosos de
independência e autonomia. Esta interpretação tem algum fundo de verdade :
foram muitos os momentos em que a gente da terra solenemente ignorava as
determinações da coroa em benefício dos interesses locais.
“Em
São Paulo escrevia o Governador-Geral, Câmara Coutinho, a D. Pedro II: “não só
não se deu execução a baixa da moeda, mas não quiseram aceitar nem me
responderam”. Em outra ocasião afirmou: “a vila de São Paulo já há muitos anos
que é república de per si, sem observância de lei nenhuma assim divina como
humana”.
Em
que pese a escravização do índio, há de se constatar uma situação muito mais
complexa do que a mera relação unilateral de opressão. Houve muita miscigenação
entre brancos e índios na São Paulo colonial fazendo com que a vila (1560) e
cidade (1711) tivessem como língua corriqueira o próprio Tupi. Os índios foram
engajados em operações militares, principalmente na região sul, na Colônia do
Sacramento. Os índios eram senhores dos domínios do interior e auxiliavam os
colonizadores no desbravamento de novas rotas e na busca de riquezas – eram
também protagonistas da história e jamais um mero elemento paisagístico.
Consta
que o primeiro homem branco a estabelecer-se em São Paulo acima da serra do mar
tenha sido João Ramalho por volta de 1515. Não se sabe se este era degredado,
fugitivo ou um naufrago. Estabeleceu relações amistosas com os índios tupis,
casou-se com a filha de um chefe indígena e contribuiu decisivamente para os
primeiros assentamentos coloniais em São Paulo.
A
história da cidade de São Paulo de Affonso Taunay ainda é tributária de um
certo positivismo metodológico: suas fontes principais são as oficiais, as atas
da câmara, os testamentos e os inventários. Isto não impede o autor de
descrever aspectos não só político-administrativos da cidade, mas inventariar
sobre a imprensa em São Paulo, os costumes, a educação jesuítica, a
extraordinária influência cultural da Faculdade
de Direito sobre a cidade, entre outros.
Sua
história percorre todo o período colonial, com virtual estagnação de uma cidade
ilhada do mundo por seu relevo geográfico, passando pelos percalços
relacionados ao aumento do custo de vida e a redução demográfica face à
descoberta do ouro. Os costumes destas eras mais distantes revelariam um povo
arredio a estrangeiros o que se mostra pelo pouquíssimo número de hospedarias
até meados do séc. XIX. As mulheres muito raramente saiam às ruas, na maioria
das vezes em razão de eventos religiosos, acompanhadas e conduzidas pelo homem
da casa e sempre cobertas de pano escuro.
As
coisas mudariam a partir da cultura do café em meados do XIX do Vale do Paraíba
até São Paulo englobando cidades de importância até hoje como Campinas e Itu.
Ao mesmo tempo, é em fins do séc. XIX que surge a iluminação pública, parques,
cafés, as melhorias da edilidade com a construção
de viadutos, o melhoramento do caminho do mar facilitando as comunicações com o
porto de Santos, o bonde elétrico que percorre bairros já então em consolidação
como Santa Efigênia, Brás e Luz.
Em São
Paulo o movimento abolicionista teve largo alcance, contando com o entusiasmado
apoio da mocidade acadêmica da Faculdade de Direito e expoentes como Castro
Alves e Luiz Gama. O mesmo pode se dizer do movimento republicano com a sua
famosa Convenção de Itu de 1870.
Mas certamente a base material que poderá
explicar o grande desenvolvimento e protagonismo de São Paulo dentro da nação
foi a iniciativa de vanguarda de atrair imigrantes estrangeiros para o trabalho
livre em face das paulatinas leis da abolição do tráfico (1850) à abolição da
escravatura (1888). Principalmente a partir de 1870 foram milhares e depois
dezenas de milhares de imigrantes, na maioria italianos, alemães, espanhóis e
portuguesas, que se direcionavam às lavouras de café. Naquele primeiro momento
o café vivia um momento de alta valorização no mercado mundial possibilitando a
acumulação de capital e o desenvolvimento da indústria que foi igualmente
pioneira em São Paulo. Após relativa
desvalorização em fins do XIX a conhecida convenção de Taubaté buscou restaurar
o valor do produto no mercado.
Gostaríamos
que os nossos amigos pichadores do Monumento do Ipiranga ou da Igreja da Sé
tivessem contato com a história da cidade de São Paulo principalmente para
entenderem que o esquecimento e a aniquilação da memória (que se dá com a
danificação dos monumentos) pavimentam a repetição das mesmas arbitrariedades
que julgam estarem combatendo.
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