"Escritos de Marighella no PCB” – Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG)
Resenha Livro #129 - “Escritos de
Marighella no PCB” – Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG) – Coleção Biblioteca
Comunista – Fundação Dinarco Reis
Coube
ao Partido Comunista Brasileiro, por meio da sua Fundação Dinarco Reis, lançar
este conjunto de escritos políticos do militante comunista Carlos Marighella.
Justa homenagem desde que o inimigo número um da ditadura militar dedicou boa
parte de sua vida militante ao partido, ainda que seja mais frequentemente
lembrado como dirigente da guerrilha urbana, após o rompimento com o PCB que,
como se sabe, não optou por esta via tática durante a ditadura militar.
Carlos
Marighella iniciou sua militância na juventude comunista quando estudante de
engenharia na Bahia, Salvador, no ano de 1933 – na verdade, um ano antes já
havia sido preso numa manifestação de rua contra a intervenção getulista na
Bahia.
Os textos
selecionados são praticamente todos do período em que esteve no PCB.
“Da Assembleia Constituinte e O Partido Comunista”
de 1946 discute a constituinte que deveria fazer uma nova constituição após o
fim do estado novo com a consequente dissolução da carta constitucional
fascista de 1934. Fato pouco comentado
nos livros de história é que os comunistas tiveram participação com deputados
nesta assembleia constituintes, sendo Carlos Marighella um de seus
representantes – o chefe da bancada foi Luiz Carlos Prestes.
Um dos textos
mais preciosos desta coletânea corresponde justamente ao discurso pronunciado por
Marighella em nome da bancada comunista em 04 de Junho de 1946 cujo título é “A
Religião, o Estado, A Família”. Temos aqui uma oportunidade interessante de
observar como os comunistas brasileiros de meados do séc. XX já defendiam
bandeiras progressistas àquela época, diante de temáticas que ensejam até hoje
perigosos retrocessos diante de bancadas parlamentares religiosas/conservadoras.
Os comunistas
defendiam a separação entre Igreja e Estado apontando um dado curioso: a
constituição de 1891 feita pelos militares republicanos fortemente
influenciados pelo positivismo acabava sendo mais progressista que a carta
constitucional de 1934. Isso se observa quanto à exigência do ensino leigo
(1891) enquanto posteriormente passa-se a reconhecer o ensino religioso (1934)
pelo estado. Ambiguidades semelhantes se observam quanto ao casamento civil e
religioso.
O que devemos destacar ademais é como os comunistas destrinchavam os
assuntos não só do ponto de vista teórico (marxismo-leninismo), mas do ponto de
vista jurídico, disputando desde a tribuna de debates da constituinte cada
possibilidade/brecha legal possível. Até a bíblia foi citada no discurso!
Neste pronunciamento
os comunistas defendem ainda o direito ao divórcio (sendo aqui discutida a
evolução histórica da família), a liberdade de todos os credos religiosos e o
ingresso da mulher na vida econômica (“É necessário pois colocarmos a mulher no
verdadeiro papel digno que lhe compete não somente dentro da família mas também
a fazendo participar da produção social”).
Da leitura dos
textos de Marighella, pode-se extrair igualmente algumas linhas gerais da
orientação tática e estratégica e algumas nuanças/mudanças tanto do PCB quanto
do próprio Marighella entre meados dos 1940 com o fim do estado novo e 1966,
com a Carta de Desligamento da Comissão Executiva do Partido Comunista
Brasileiro.
De uma forma
Geral, a política do PCB nos anos do governo Dutra é de combate àquele que
ficou para história como um dos governos mais entreguistas e pró-imperialistas
do país – talvez até mais do que os governos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso.
Há de se lembrar
que o período histórico em nível mundial é o do pós- II Guerra Mundial e a
eleição de Dutra significa um alinhamento incondicional ao campo imperialista
norte-americano em contraponto ao campo soviético dentro dos primórdios da
Guerra Fria. Não é à toa que seria este mesmo governo que colocaria posteriormente
o PCB na ilegalidade sob o pretexto de não ser um partido nacional mas uma
legenda estrangeira soviética.
A orientação política
principal do PCB é a luta anti-imperialista traçada contra o inimigo principal,
os Estados Unidos e os seus prepostos aqui no Brasil. Tratava-se de uma luta
pela paz e pela democracia contra a guerra e contra o imperialismo; contra o latifúndio
sendo a todo momento por Marighella reiterada a necessidade de se organizar a
aliança operário-camponesa; pela conformação de uma frente ampla, de massas que
inicialmente as organize para lutar por suas reivindicações mais imediatas (“Comitês
de Panela”, luta pela terra, esgoto, saúde, etc).
Ademais, a luta
do PCB é uma luta de libertação nacional e por isso deve reunir os setores
nacionalistas em campanhas contra a espoliação dos recursos naturais ou contra
o envio de soldados brasileiros às guerras imperialistas (Coréia).
Posteriormente,
com o golpe militar de 1964, Marighella em sua carta de desligamento da direção
do partido observa diversos desvios importantes dentre os quais se destaca o
reboquismo dos comunistas e do proletariado a uma burguesia vacilante
representada por Goulart que não reagiria ao golpe de estado; à uma confiança
equivocada no dispositivo militar diante de uma não compreensão marxista do que
significa as forças armadas nos quadros do estado burguês; finalmente, ilusões
de classe que levaram o partido a deformações importantes, como o apoio
eleitoral à líderes burgueses como Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e
(Pasmem!) o populista direitista Adhemar de Barros.
Estas auto
críticas prenunciariam a ruptura de Marighella com o PCB (1966)– após sua
viagem à Cuba que em 1959 assistira a uma revolução popular triunfar e ascendera
os ânimos dos revolucionários por toda América Latina, Marighella defende a
tática da luta armada contra a ditadura.
A tese da luta
armada tinha a sua razão de ser e é explicitada na sua carta de desligamento:
de fato uma luta pacífica aos moldes do pré-1964 como defendia o PCB não faria
cair a ditadura militar pelo motivo evidente da participação direta do
imperialismo da queda de Jango: os EUA que já atuavam no Vietnã e viam o Brasil
como um aliado estratégico não permitiriam uma nova cuba no coração da América Latina
de forma pacífica de forma que necessariamente a derrubada da ditadura se
desenrolaria num conflito armado. Certamente, esta tese de Marighella estava correta:
o problema estava na análise da co-relação de forças, não observando as
peculiaridades do Brasil e buscando adequar a exitosa revolução cubana (que se
dá numa Ilha numa conjuntura política em que os próprios EUA apoiavam a
deposição de Batista num dado momento) com a situação brasileira - quando o imperialismo enviou navios de guerra para dar suporte militar para a queda de Goulart, contando com prévio dispositivo militar, treinamento de forças paramilitares de direita. etc.
Marighella foi
morto em 4 de Novembro de 1969 pela repressão. Deve ser saudado sempre por
todos os comunistas brasileiros não só por sua coragem e ação, mas também pela
sua intervenção política, desde a tribuna como deputado, até como dirigente do
PCB nas publicações do partido. Daí a importância dos “Escritos” publicados
pela Biblioteca Comunista do Partido Comunista Brasileiro.
Livro 1º
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