“Casa de Pensão” foi livro publicado em 1884, correspondendo a um
dos mais conhecidos romances do escritor naturalista Aluísio de Azevedo, junto
a “O Mulato” (1881) e “O Cortiço” (1890).
O escritor maranhense, nascido em 1857, é provavelmente o mais importante expoente
daquela escola literária no Brasil, que teve origem na frança a partir dos
romances de E. Zola.
Basicamente, o naturalismo tem como ponto de partida as
ideias cientificistas muito em voga na Europa e no Brasil em fins do séc. XIX. Na
literatura estas ideias fazem contraponto ao subjetivismo da escola romântica e
buscam sempre explicar a conduta das personagens a partir das orientações dos
instintos, dos traços biológicos ou mesmos de caracteres raciais ou ambientais. Há nos
romances de Aluízio de Azevedo o determinismo, que significa basicamente a
ideia de que o homem não está capacitado a agir pelo livre arbítrio mas está
sempre sujeito de forma incondicional às forças do meio, dos instintos sexuais
e de impulsos de certa forma incontroláveis.
Há de se constatar que será justamente em fins do séc. XIX
que uma série de acontecimentos históricos coincidem com esta projeção no âmbito
da história das ideias.
O recrudescimento do imperialismo europeu e a partilha da Ásia
e da África por países de unificação tardia como Alemanha e Itália em fins do XIX e início do XX
(fenômenos que iriam posteriormente engendrar a 1ª Guerra Mundial) seriam
ideologicamente justificados por teorias racistas, como as ideias de Spencer e
seu darwinismo social. Enquanto o Darwinismo advoga a seleção natural e a
sobrevivência da espécie mais forte, o Darwinismo social faz uma analogia com
as “raças” apontando os brancos como os mais adaptados e assim como autorizados
a dominar negros, asiáticos, etc. Aluísio de Azevedo não demonstra um racismo
tão explícito, todavia, tal visão social de mundo racista está bastante
presente em fins do séc. XIX e, vale destacar, é uma decorrência da ligação entre a biologia e ciências sociais.
Esta coincidência entre as ideias da ciência e da biologia e
da vida social seriam também observadas de uma certa forma nos romances
naturalistas, não necessariamente num viés escancaradamente racista, mas
definitivamente caracterizada pela: (i) objetividade na descrição dos personagens;
(ii) pelo determinismo, ou seja, pelo homem condicionado pelo meio e muitas
vezes vítima de seu próprio instinto; (iii) pela temática da crítica social e
dos costumes, o que já vinha sendo prenunciado pela 3ª fase do Romantismo (a 1ª
fase trata do nacionalismo e do indianismo, e a 2ª fase refere-se ao byronismo
e especificamente à temática amorosa).
No que se refere à linguagem ou à forma descritiva, Aluísio
de Azevedo assimila um tom objetivo procurando repercutir de forma fiel os
diálogos das personagens, incluindo as interjeições (“arres”, “ixes”, etc),
remetendo a narrativa naturalista a uma fonte histórica preciosa para aqueles
que desejam conhecer a sociedade, a cultura, o universo estudantil e boêmio do
Rio de Janeiro de fins do séc. XIX. Em outras palavras, por se pautar pela
objetividade, o romance naturalista tanto corresponde à peça literária quanto à
uma fonte histórica, ainda que baseada em ficção.
A história da "Casa de Pensão" refere-se à história de Amâncio
de Vasconscelos, maranhense, filho de comerciantes ricos, que vem à corte (Rio
de Janeiro) estudar medicina e aqui, pela primeira vez, aos vinte anos, longe
da disciplina familiar, viria a buscar pela primeira vez uma vida de liberdade.
A sua expectativa na corte está muito longe de avançar nos seus estudos – esta é
a última das preocupações de Amâncio, ainda que consiga com muito esforço ser
aprovado no primeiro ano de curso. O jovem estudante vivera uma infância
marcada pela rígido controle disciplinar e falta de afeto do pai, apenas
compensado pelos cuidados da mãe.
Amâncio chegou ao Rio de Janeiro, provavelmente como muitos
outros jovens, muito mais interessado nos bailes, nos passeios públicos, na
boemia e especialmente nas formosas damas da corte. E assim a narrativa se
desenvolve, com o estudante se instalando primeiro na casa do comerciante
Campos, amigo de seu pai, o velho Vasconcelos, e posteriormente, na pensão de
Coqueiros.
As aventuras e desaventuras amorosas de Amâncio e seu
trágico fim ficam por conta do leitor. Por suposto esta resenha não detalhará o
enredo da história para cativar a leitura de “Casa de Pensão”. Terá uma boa
oportunidade de conhecer particularidades da sociedade carioca de fins do séc.
XIX que passam despercebidas dos livros de história mais tradicionais por não se referirem aos
denominados “grandes eventos” (fatos políticos) mas à história do cotidiano – o
dia a dia na casa de pensão, os almoços e jantares familiares, os
relacionamentos amorosos bem como as traições conjugais, as pandegas dos estudantes, os
processos judiciais e suas repercussões nos pasquins e jornais populares, e um
longo etc.
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