domingo, 19 de outubro de 2014

“Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” – Friedrich Engels


Resenha Livro #130 - “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” – Friedrich Engels – Coleção Teoria – Editorial Estampa Lisboa




                “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” corresponde a um folheto retirado de um livro maior, mais extenso, de F. Engels, grande parceiro intelectual e militante de Karl Marx, denominado “O Anti Dühring”.

Talvez muitos pensem que o socialismo, a concepção política do socialismo tenha surgido a partir das ideias políticas de Karl Marx e Engels, principalmente a partir do Manifesto Comunista de 1848. Na verdade, já a partir da revolução francesa foi-se desenvolvendo ideias de reformas sociais que assinalaram a concepção de socialismo, isso especialmente na França e na Alemanha.

                Dr. Eugen Dühring, esclarece Engels no prefácio da edição inglesa da brochura “Do Socialismo”, foi professor da Universidade de Berlin, “(que) anunciou de súbito e com bastante alarido a sua conversão ao socialismo e apresentou-se ao público alemão com uma teoria socialista minuciosamente elaborada, e um plano completo e prático para a reorganização da sociedade. Lançou-se, naturalmente, contra os seus predecessores, distinguiu em especial Marx, sobre quem derramou a sua cólera”.

                Ou seja, “O Anti-Dühring” é uma longa resposta ao polemista professor alemão, levando-se em consideração o próprio papel de Engels após a morte de Marx como divulgador de suas ideias bem como executando a tarefa de esclarecer distorções do pensamento marxiano.

Engels nestes três capítulos discute a evolução histórica do socialismo utópico ao socialismo científico no séc. XIX e desde já fica assinalado algo que remete a algo caro da teoria marxista, o materialismo histórico, o fato das ideias serem sempre uma projeção das condições materiais e nunca o contrário. Dito isso, o que se observa é que a o utopia dos socialistas como Saint-Simon e outros corresponde justamente ao não desenvolvimento completo das próprias contradições do capitalismo, dos antagonismos de classe, do desenvolvimento das forças produtiva - o socialismo utópico é reflexo de uma etapa ainda embrionária do desenvolvimento da classe operária bem como do próprio capitalismo. 

Os socialistas utópicos franceses sintomaticamente vivenciaram um período histórico de transição, onde a revolução industrial ainda não era uma realidade conclusa e desta maneira eles só podiam ver o fenômeno do capitalismo e sua evolução histórica parcialmente – logo a resposta/solução para os dilemas dos embrionários conflitos de classe também eram parciais. Os socialistas utópicos projetavam uma sociedade a partir de uma concepção individual.  Nascia ali o cooperativismo e havia experimentações que não logravam êxito.

De toda forma, esta correspondência dentre uma gradual evolução do pensamento socialista e o desenvolvimento do capitalismo também se refere, analisa Engels, à ascensão da burguesia como nova classe dominante: por isso seu ponto de partida da análise é a Revolução Francesa (1789) e de certa maneira o seu “fracasso” em equacionar a questão social, as visíveis contradições entre suas palavras de ordem igualitárias e a realidade dura dos primeiros centros industriais europeus de meados do XIX repleto de trabalho infantil e feminino, enormes exércitos de reservas, crises econômicas cíclicas, miséria e pobreza, provocou muitos a pensar e discutir soluções para a questão social.

Esta é basicamente a origem do socialismo, como dito, inicialmente numa linha utópica.   O termo utópico deriva dos marxistas, ou seja, é em Marx e por meio do marxismo que se chega à conclusão de que aqueles socialistas eram utópicos.(u + topos = não lugar, lugar que não existe).

É importante frisar que o utópico não diz respeito por exemplo à falta de pragmatismo e objetividade de um Robert Owen, em que aparentemente temos o exato oposto de um “utópico”, especialmente na primeira fase de seus experimentos. Os socialistas utópicos buscavam como Owen criar sociedades igualitárias modelos e havia toda uma engenharia social e técnica que deu especificamente a este industrial inglês num primeiro momento bastante credibilidade entre os capitalistas e até mesmo a nobreza inglesa. Diz, porém, Engels, “Contudo, a partir do momento em que (Owen) formulou suas teorias comunistas tudo mudou. Existiam três obstáculos, segundo Owen, que lhe impediam o caminho da reforma social: a propriedade privada, a religião e a forma atual do casamento. Não ignorava o que lhe estava reservado se os atacasse. Seria por todos expulso da sociedade oficial e perderia a sua posição social”.

Via de regra, os socialistas utópicos não falam em Revolução, mas pensam na implantação de uma sociedade igualitária de forma pacífica e gradual, sendo possível produzir experiências igualitárias de tipo laboratoriais como as fábricas de Owen. Estas de qualquer forma foram importantes na história como referência e forma de conquista de direitos trabalhistas na Inglaterra – Owen concedia educação plena aos filhos dos seus empregados e consta que nos períodos de crise era o único que mandava os empregados para casa e eles ainda continuavam recebendo salário.

 Será pois a partir da evolução das forças produtivas, do desenvolvimento e generalização da revolução industrial, do alargamento da classe proletárias e com ela o conflito entre as forças produtivas (trabalhadores e meios de produção) e o regime de produção (apropriação privada dos meios de produção, capitalismo) que engendrará as bases econômicas para o pensamento do socialismo científico. Neste momento evidencia-se por exemplo os antagonismos de classe e o sujeito revolucionário corporifica-se (enquanto, como vimos no socialismo utópico, existe uma colaboração de classes do tipo filantrópica como plano para redução das desigualdades). 

Karl Marx e Engels são os fundadores do socialismo científico, como se sabe. Encerraremos a resenha com uma passagem em que se expressa como o elemento científico está realmente presente, não só em palavras, mas enquanto projeto político, o que parece, neste tempos de hegemonia pós-moderna, algo perdido no marxismo.     

Ela representa já o que o socialismo científico busca, qual o seu escopo: uma organização não mais anárquica na produção e o fim da sociedade cingida em classes sociais.  É preciso resgatar esta bandeira que Engels apresenta, não como Utopia, mas como uma necessidade urgente, diante dos riscos que o capitalismo representa para o futuro.

“As forças ativas da sociedade, enquanto não as conhecemos e não as dominamos, atuam como as forças da natureza: de modo cego, violento e destruidor. Mas uma vez conhecidas, logo que se saiba compreender a sua ação, suas tendências e efeitos, está em nosso poder submetê-las cada vez mais à nossa vontade, e através delas, atingir os nossos fins. É o que ocorre, em especial, com as gigantescas forças modernas da produção. Enquanto houve resistência obstinada à compreensão do seu caráter – e a essa compreensão opõem-se tenazmente o modo de produção capitalista e os seus defensores – essas forças atuarão, apesar de tudo, contra nós, como expusemos minuciosamente. Mas uma vez apreendidas na sua natureza, essas forças converter-se-ão de senhoras demoníacas que eram, em servas submissas. É a mesma diferença que existe entre o poder maléfico da eletricidade nos relâmpagos e o pode benéfico da força elétrica dominada no telégrafo e no arco elétrico; a diferença entre o fogo destruidor e o fogo posto a serviço do homem. “ Friedrich Engels

Livro 2º    

                 

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