Resenha Livro #124 “A Revolução Mexicana: Antecedentes,
Desenvolvimento e Consequencias” – Rodolfo B. Bustos, Rafael A. Medina e Marco
Antonio Loza – Ed. Expressão Popular – Coleção Assim Lutam Os Povos
A Ed. Expressão Popular, preocupada em resgatar e manter viva
a tradição e memória da luta dos povos latino-americanos, fez bem em publicar
esta “História da Revolução Mexicana” escrita a três mãos pelos acadêmico Rodolfo
B. Bustos, Rafael A. Medina e Marco Antonio Loza.
Cada autor tratará de um momento particular daquele processo
revolucionário complexo e que perpassa longos dez anos (1910-1920). A trama se
subdivide em antecedentes históricos que remontam necessariamente ao período
pré-colombiano, à história da revolução propriamente dita e ao seu legado.
A conquista da América Espanhola, ao contrário do que
ocorreu no Brasil, se apoiou literalmente sobre uma guerra que envolvia o
domínio de povos relativamente organizados – a civilização asteca subdividida
em comunidades que ofereciam maiores e menores resistências ao invasor europeu.
Por isso quando se observa aquele movimento revolucionário que teve como
dirigentes e participantes criollos e
indígenas ciosos em recuperar terras saqueadas pelos espanhóis, entende-se que
o ponto de partida para se estudar a revolução necessariamente é o passado
colonial.
Antecedentes
A existência de uma
civilização pré-colombiana asteca na região onde hoje se situa o México deve
ser considerada quando se reflete sobre a Revolução Mexicana pois a linha comum
entre o passado e o presente aqui é o domínio/posse da terra, suas formas de
exploração impostas pelo conquistador europeu e a luta de resistência pelos
elementos nativos.
A disputa situa-se entre o modo de organização e produção
comunitária em contraposto às distintas formas de exploração capitalista da
terra, baseadas no latifúndio, ora na escravidão do indígena (denominada “encomienda”) ora numa forma velada de
super-exploração baseada na contratação da mão de obra e na remuneração por
meio de “vales” que mal serviam para sustentar ou manter vivo os aborígenes –
estes literalmente morriam de tanto trabalhar e eram abandonados em estradas ou
nos matos como objetos descartáveis.
Durante o período colonial, os índios estavam sujeitos a
castigos físicos pelos capatazes quando não cumpriam as metas e não conseguiam
fugir das fazendas pois eram vigiadas e
normalmente viviam isolados em fazendas distantes nas montanhas e vales. A
destruição dos laços comunitários,
culturais e de sobrevivência (todos eles milenares) dos nativos que viam-se
expulsos das suas terras a partir da expansão dos latifúndios de açúcar,
algodão e tabaco seriam elementos que tornariam posteriormente a revolução
mexicana basicamente uma revolução camponesa. As bandeiras da reforma agrária,
a distribuição das terras conforme os antigos critérios pré-colombianos e o
atendimento da função social dos recursos naturais são reflexos daquela linha
comum entre um passado de opressão e uma luta social que até os dias de hoje se
mantém acessa.
Este elo entre o passado e presente explica a existência de um
capítulo dedicado aos antecedentes longínquos e mais imediatos da Revolução em que
se descreve a sociedade pré-colombiana e seu forte vínculo com a terra,
elemento sem o qual não se compreende aquela que seria uma revolução
essencialmente camponesa. A tragédia da Revolução Mexicana, todavia, seria
justamente a de não conseguir unir a suas demandas com os elementos
progressistas da cidade, qual seja, com o proletariado urbano, que naquele
contexto revolucionário, aliou-se aos setores da pequena-burguesia
constitucionalista.
Desenvolvimento
Há um capítulo denominado desenvolvimento em que se narra os
eventos da Revolução Mexicana em si, a começar por seus principais pontos
cronológicos, o que é bastante elucidativo para o leitor brasileiro, não
habituado à sequencia de fatos políticos que contextualizam aquele grande
evento da história política mexicana.
Os marcos principais são a queda de uma ditadura de um
caudilho chamado Porfírio Días e o fim da revolução, que se expressa com a
morte da sua principal referência de luta ao sul do país, Emiliano Zapata –
Pancho Villa morreria alguns anos depois, mas já sem a mesma relevância
política do exército sulista de Zapata.
Mais importante, todavia, do que ter acesso à sucessão dos
fatos políticos é buscar compreender como se deu todo o processo da Revolução
Mexicana e buscar extrair sentidos políticos daquele movimento.
Inicialmente, cabe colocar que a revolução se apoiou
essencialmente no campo: observou-se no México daqueles anos uma revolta
camponesa que derrubou uma ditadura que perdurava há décadas no poder e manteve
todo o sistema político numa fragilidade constante diante de enfrentamento em
armas entre diversas facções rivais . Como todo processo revolucionário,
pode-se observar um acirramento da luta de classes em que a pequena-burguesia e
a burguesia nacional, inicialmente sob Medeiros e posteriormente sob outras
lideranças até a formal institucionalização da revolução (que seria consolidada
inclusive por meio de um partido político, o PRI), tomariam a direção do
processo revolucionário. Havia ademais uma classe operária no México que estava
se organizando, iniciava sua organização sindical e propunha suas primeiras
greves. Todavia, faltou à ela o que foi possível de se concretizar na revolução
russa de 1917 e que levaria a esta última à vitória com a decisiva tomada do
poder político: uma aliança estratégica entre operários e camponeses.
Se o ponto de partida da revolução em armas do México era os
camponeses, estes não ofereciam um programa nacional e muito menos apresentavam
como consigna a tomada do poder, o que facilitou a movimentação de setores
burgueses no sentido de dirigir e consequentemente desarmar e derrotar a
revolta no campo. No máximo, os camponeses do sul, sob a direção de Zapata,
propugnaram o Plano Ayala, que
estabeleceu as bases do agrarismo, em que se encontra condensada o programa
político dos camponeses em luta no México, vindo a influenciar posteriormente a
progressista constituição de 1917, introduzindo de forma pioneira desde o seu
artigo 6º a ideia de função social dos “terrenos, matas e águas”.
Este plano todavia estava muito aquém de um projeto
nacional, de uma proposta de unificação que seria tomada por setores burgueses
denominados “constituicionalistas” e que iriam, ao final, dirigir os
trabalhadores da cidade e levar a cabo a constituição de 1917. A Constituição em
seus artigos 23 e 127 consignava os direitos reclamados pelos
trabalhadores e a repartição da terra,
conforme o Plano Ayala, fazendo com que o movimento guerrilheiro passasse a
ficar cada vez mais isolado. Ademais, a própria existência de um movimento guerrilheiro
começou a criar problemas na cidade com a falta de abastecimento de alimentos e
matérias primas, aumentando o isolamento entre os dois setores mais explorados
da sociedade mexicana.
Assim, como razões da derrota, temos:
“A ruptura e a
dificuldade de reconciliação entre operários e camponeses surgiram da própria
luta. As incursões zapatistas no centro e villistas no Norte do país criaram
situações difíceis para a indústria. A falta de matéria-prima e a destruição de
máquinas que as guerrilhas camponesas causaram criou condições difíceis para as
populações pobres das cidades, que viviam do trabalho em fábrica e demais
empresas. Ao mesmo tempo, a agricultura de subsistência que os camponeses
desenvolveram durante a luta, embora lhes permitisse dar de comer a sua própria
família, ainda que escassamente, transtornou a economia e as redes de
abastecimento das zonas urbano industriais. Ironicamente, a falta de visão das
duas frentes, a camponesa e a operária, favoreceu seu enfrentamento, debilitou
as forças revolucionárias e beneficiou a ascensão dos setores liberais
burgueses”.
Em que pese portanto a derrota política final da Revolução
Mexicana, consignada com a morte de seu principal líder, aquele movimento
conseguira mudar para sempre a fisionomia política do país. Com certeza nenhuma
nação pode passar imune após uma experiência que envolva massas revolucionárias
formando contingentes armados utilizando a violência contra as classes
dominantes, até ao ponto de 1914 quando os exércitos de Pancho Villa ocupa a
Cidade do México, centro político do país, além de distribuírem terras e formarem
autogovernos por todo território mexicano.
Todavia, a derrota da Revolução Mexicana inicia-se quando o
movimento é apropriado por caudilhos militares de origem pequeno-burguesa que
passam a favorecer os interesses da ascendente burguesia. Os historiadores
refletem acerca de dois legados essenciais da revolução mexicana: a
consolidação do regime presidencialista mexicano e em particular a constituição
de 1917, esta sim, uma das mais avançadas da época e precursora do conceito de
função social da propriedade. O governo do General Lázaro Cardenas,
caracterizado como populista, promoveria uma reforma agrária distribuindo 18 milhões de hectares de terra, num
nível e numa intensidade que dificilmente teria ocorrido sem as lutas sociais anteriores
– e observando a título de comparação a realidade brasileira, ainda não
passamos por processo parecido em...2014.
Nesse sentido, não se pode dizer que aquela experiência revolucionária
tenha sido em vão em que pese o seu desfecho ter sido desvirtuado pelas
lideranças burguesas com a morte de suas mais combativas lideranças. A
Revolução Mexicana nada mais é do que mais um capítulo do livro extenso de
lutas de resistência do povo latino-americano, e esta experiência histórica
deve ser estudada por todos de forma a aprendermos com seus erros, bem como para
reivindicarmos sua tradição: com as devidas particularidades, as similitudes
nas histórias de resistência da América Latina sugerem a pertinência da
construção de instrumentos comuns de organização de luta, obviamente, num
momento mais avançado na luta anti-imperialista, contra o capitalismo e pelo
socialismo.
Emiliano Zapata - Dirigente Rebelde dos Exércitos Sulistas da Revolução Mexicana
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