Resenha Livro #123 “50 Anos de Comunismo Soviético: Uma
Avaliação” – Louis Fischer – Ed. Tridente
O
escritor e jornalista norte-americano Louis Fischer é conhecido no Brasil em
detrimento de sua biografia de dois volumes da vida de V. Lênin. Especialista
em assuntos soviéticos, viajou para a URRS em 1922 onde viveu durante quatorze
anos como correspondente do jornal “The Nation”. Durante este período escreveu
livro sobre a questão do petróleo na região balcânica (Oil Imperialism: The
International Struggle for Petroleum (1926) e sobre a política externa
russa The Soviets in World Affairs (1930).
Ainda
na Europa, Fischer cobriu como jornalista a Guerra Civil Espanhola e
permaneceria no Velho continente até 1938. Retornaria posteriormente à Rússia
em 1956 e 1961, produzindo livros e reportagens sobre assuntos soviéticos e
sendo reconhecido, nos EUA, como um dos principais especialistas sobre
política, relações internacionais e cultura soviéticas, tendo lecionado na
conceituada Universidade de Princeton.
Nesta
coletânea de artigos, Fischer aparece menos como o historiador que faz uma
esmiuçada pesquisa da trajetória de vida de V. Lênin (A Vida de Lênin (1964) e
mais como um jornalista ou cronista que relata e opina acerca da sociedade
soviética, procurando fazer um balanço dos 50 anos de vida da Revolução Russa. Ou
seja, revela mais as suas opiniões pessoais e políticas.
O livro foi escrito no final dos
anos 1960, durante o governo de Kosygin, sendo necessária a contextualização.
A revolução de 1917 pode ser
dividida em dois momentos fundamentais: a derrubada da monarquia absolutista em
fevereiro, com a ascensão de Kerensky e, logo em outubro, um novo levante que
derruba o governo provisório e instaura o partido bolchevique, o regime socialista
propriamente dito.
Temos então gradualmente um
processo de centralização do poder político concomitante às exigências
decorrentes da conjuntura interna (fome, más colheitas no campo, desorganização
na produção, sabotagem e contra-revolução) e da conjuntura externa
(especialmente o problema da I Guerra e o fracasso da Revolução na Alemanha e
demais países no ocidente, o que poderia vir a remediar e tirar do isolamento
aquela experiência revolucionária embrionária). Este processo de centralização política tem
como ponto culminante a fase de Joseph Stálin, com a coletivização da
agricultura, medida destinada à forçar a criação de cooperativas no campo e
combater a especulação dos Kulags (grandes e médios camponeses), além do
incentivo à industrialização, particularmente visando à defesa do estado
soviético, o que seria decisivo nos anos subsequentes com a II Guerra Mundial.
Fischer escreve seus artigos no
final dos anos 1960, já após o denominado processo de desestalinização , decorrente das denúncias de N. Khrushchev
acerca dos métodos utilizados por Stálin para impor sua política no XX
Congresso em 1956.
Como se sabe, todas as revoluções
tiveram em seu período a sua fase correspondente de “terror”, momento de
intensificação das rivalidades políticas. Aqui, Fischer sucumbe ao discurso
ideológico (muito em voga ao seu tempo, correspondente à Guerra Fria) e
demonstra estar contra autoritarismo não só do stalinismo mas de toda a experiência
revolucionária. E o faz pessoalizando, numa fase de tremendas lutas políticas
de vida e morte no processo da revolução russa, na figura exclusiva de Stálin.
Chega individualizar tão
grosseiramente o fenômeno histórico que não podemos deixar de observar como se
assemelham as análises de um observador liberal (Fischer) com a teoria
subjetivista trotskysta segundo a qual a origem do “terror” tem como ponto de
partida a “crise de direções”.
Vejamos as premissas teórico
metodológicas de Louis Fischer no que tange o papel do indivíduo na história:
“A doutrina comunista que afirma não serem as pessoas que fazem a
História, as sim as “circunstâncias objetivas”, “as forças de produção”, e a “luta
das classes”, foi refutada pelo meio século de experiência soviética. Stálin
pesou muito na balança. A suspeita, o prazer de vingança, a inclinação para a
crueldade, o desejo do poder, o ódio e a vontade de ver-se glorificado
destorceram vinte e cinco anos de história soviética, e tiraram a vida de
milhões [1]de
pessoas, roubando a mais outros milhões de pessoas os próprios ideais, (....).
Esse é um fato objetivo. Stálin foi um ditador monstro por ter a ditadura à sua
disposição. Mas os excessos que acrescentou à ditadura eram contribuição
própria, resultado do caráter e psicologia pessoais”.
Marx dizia que os homens fazem a
história, mas não a fazem como querem e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. No que se refere ao papel do
indivíduo na história, nunca ele terá um papel maior ou mais exatamente um
papel que condicione a luta de classes como sugere a passagem supracitada de Louis
Fischer, mas exatamente o contrário: se o indivíduo se projeta na história, é
só na medida em que esta projeção é um reflexo da teoria geral da luta de
classes, não havendo aqui espaços para divagações acerca da psicologia
individual e muito menos moral do indivíduo em questão. O que chamamos a
atenção aqui é para a coincidência entre o ponto de vista liberal-burguês e o
ponto de vista trotskysta, em que pese este último reconhecer formalmente a
teoria da luta de classes.
Outro aspecto interessante é que se
passaram quase “50 anos dos 50 anos” e basicamente não se alterou em nada o
senso comum acerca do que significou Stálin e o stalinismo e de maneira mais
geral o significado da experiência soviética desde o ponto de vista
liberal-burguês: tratar-se-ia supostamente sempre de um modelo fadado ao
autoritarismo, à violação das liberdades individuais, das ideias artísticas, da
violência às oposições políticas. Todavia, com o fim da URSS, a única
alternativa societária restante, o capitalismo liberal, não oferece às novas
gerações as perspectivas de futuro que então eram pensadas pelos jovens
entrevistados por Fischer na URSS: ou seja, uma vida que vá além de receber
ordens de seu superior, constituir família e consentir ao status quo. Os levantes na Europa e nos EUA no movimento OCCUPY e
msmo no Brasil em 2013 revelam este mesmo mal estar que Louis Fischer obseva
nos jovens da URRS dos anos 1960.
Se antes se falava da miséria do
comunismo realmente existente, hoje observa-se a crise histórica do
capitalismo, o que exige dos comunistas uma grande tarefa: estudar
profundamente não só a teoria mas a história do movimento revolucionário ao
longo do séc. XX de forma a apontar para novos rumos que longe de significarem
um revisionismo (um novo “capitalismo com face humana”) implique no
renascimento do comunismo (aqui entendido em termos hegelianos, ou seja,
enquanto projeto universal e atemporal, desde Spartacus até 2014).
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