terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

"Teoria da Organização Política V. II" Ademar Bogo (Org.)



Resenha Livro #50 “Teoria da Organização Política” Volume II. Ed. Expressão Popular. Ademar Bogo (Org.).



 “Teoria da Organização Política” (V. II) corresponde à compilação de escritos de dirigentes revolucionários do século XX, tendo por fio condutor a questão de como organizar a classe trabalhadora e seus aliados para a derrubada do capitalismo e a construção do Socialismo. Nesta seara, discute-se a relação entre partido político e as massas, as características essenciais do partido revolucionário em cada conjuntura e a combinação da luta anti-imperialista com a luta por um novo tipo de sociedade (ideias presentes particularmente nos escritos de Mariátegui, Che, Ho Chi-minh e Agostinho Neto). Destacamos dois nomes presentes em “Teoria da Organização Política V. II”, um peruano e um brasileiro.

José Carlos Mariátegui

Filho de pai espanhol e funcionário público e mãe índia, Mariátegui nasceu em 1894 no interior do Peru. Em 1909 passa a trabalhar como funcionário de um jornal diário e dois anos depois escreve seu primeiro artigo, tornando-se, com o passar do tempo, jornalista.  Em 1919 é enviado pelo governo do Peru à Itália para atuar como agente de propaganda: na Europa, tem contato com o marxismo e com as ideias de A. Gramsci, participando do congresso do Partido Socialista Italiano (1921). Em 1929 publicou sua principal obra (a única traduzida no Brasil): “Sete ensaios de interpretação da realidade peruana”. Nos escritos de Mariátegui observa-se em primeiro lugar uma preocupação incomum na literatura marxista com a questão da cultura e, especificamente, da identidade latino-americana como elementos prementes da luta revolucionária. Em outro sentido Mariátegui se coloca como alguém à frente de seu tempo: já na década de 1920 denuncia as ilusões de setores da esquerda com as burguesias nacionais e as pequeno-burguesias, como supostos aliados da luta anti-imperialista. “Nem a burguesia, nem a pequena burguesia no poder podem realizar uma política anti-imperialista”. Em primeiro lugar porque Mariátegui não superestima ou romantiza a luta anti-imperialista, enquanto certos setores falam em uma “segunda independência”, situando a burguesia nacional dentro desta luta. Para Mariátegui o anti-imperialismo não é um fim em si mesmo, mas um momento da revolução socialista. “Em suma, somos anti-imperialistas porque somos marxistas, porque somos revolucionários, porque contrapomos ao capitalismo o socialismo como sistema antagônico”. 

O outro elemento central no pensamento de Mariátegui é o papel da cultura e do imaginário social quanto à composição, aos movimentos e aos conflitos das classes sociais. Assim, enquanto na China, a aliança com a burguesia nacional forjou-se por meio de uma luta comum contra o invasor japonês, na América Latina “a aristocracia não se sente solidária com o povo por não ter história e nem uma cultura comum”. O mito da “segunda independência” desconsidera o fato de não haver contradições de fundo entre as burguesias nacionais e o imperialismo – as elites dominantes veem-se antes como parceiras do antigo colonizador do que colaboradoras das lutas populares. Tal concepção mostrar-se-ia correta pela forma mais dolorosa possível na América Latina – a confiança do movimento de massas em lideranças da burguesia “nacionalista” ou pequeno-burguesa negligenciou a fraqueza destas direções frente ao inimigo imperialista e sua preferência em ceder o poder à reação do que apostar suas forças na revolução operário-popular. Em termos práticos, esta política levou à vitória dos diversos golpes militares na América Latina e a implementação das mais brutais ditaduras. Quanto ao elemento cultural, ele também está presente, em Mariátegui, nas suas considerações, no Peru, acerca das massas indígenas, que deveriam ser protagonistas no processo de revolucionário naquele país.

Luiz Carlos Prestes

Se por um lado Prestes é um conhecido personagem da história brasileira do séc. XX – do movimento tenentista e da Coluna Prestes até a sua adesão ao Partido Comunista – pouco se discute e se lembra dos seus escritos e de sua colaboração teórica.

Prestes foi durante 30 anos dirigente do PCB, atuando como secretário-geral. Via de regra, deixou-se centralizar pelas orientações da III Internacional Comunista, o que o levou a alguns equívocos, decorrentes das diferenças de condições objetivas e subjetivas para a luta revolucionária, dentro da experiência soviética e brasileira. Assim, no Manifesto de 5 de Julho da Aliança Nacional Libertadora, quando aborda a unificação nacional e a luta contra o imperialismo e o “feudalismo” (sic) no Brasil, deposita confiança numa suposta “parte da burguesia nacional não vendida ao imperialismo”. A própria caracterização do Brasil como um país ainda com resquícios “feudais” dava suporte ao “etapismo”, concepção segundo a qual o Brasil deveria primeiro passar por uma revolução que resolvesse as suas tarefas democrático-burguesas, eliminando o feudalismo, para depois passar à ofensiva socialista. Esta estratégia (sem delimitações de classe e ancorada na ilusão de uma frente política com a Burguesia) corroborou para a tragédia do golpe militar 1º de Abril de 1964: a falta de confiança no movimento de massa e a permanência de uma direção pequeno-burguesa e vacilante criou as condições para a dispersão dos movimentos sociais após o golpe.

Quanto aos escritos de Prestes, particularmente interessante é a sua Carta Aos Comunistas (1980). Trata-se de um documento elaborado quando da volta de Prestes do exílio. Aborda a crise política do PCB do final dos anos 1970. O partido deixava de exercer um papel de vanguarda e, sob o efeito de forças externas que visavam aniquilar o comunismo no Brasil, deixava-se domesticar, transformando-se num partido reformista. Prestes responsabiliza a direção do partido pela sua atual situação: a direção não preparou os comunistas para enfrentar a ditadura e não tomou sequer providências para defender seus militantes da repressão. Além disso, a direção era incapaz de se debruçar sobre a realidade brasileira (problema que, como vimos, também se reproduziu quando Prestes dirigia o partido) e não exercitava a "auto-crítica".

Enfim, “o oportunismo, o carreirismo e compadrismo, a falta de uma justa política de quadros, a falta de princípios e a total ausência de democracia interna no funcionamento do partido” são os principais problemas do PCB, relatados por Prestes. A carta situa-se nos marcos da realização do VII Congresso do Partido Comunista Brasileiro. Posteriormente, este partido foi terminantemente extinto, criando-se em seu lugar o direitista PPS. Mais recentemente e a partir de um esforço militante digno de respeito por parte de todos os comunistas brasileiros, o PCB foi re-construído e atua hoje no campo de oposição de esquerda aos governos social-liberal de Lula/Dilma.

Em fevereiro de 1980 Prestes rompe pela com o PCB. A esta altura, sua crítica ao partido diz respeito à sua adaptação à realidade institucional, perdendo de vista a perspectiva revolucionária:


"Nós, comunistas, não podemos abdicar de nossa condição de lutadores pelo socialismo, restringindo-nos à suposta “democracia” que nos querem impingir agora os governantes, nem às conquistas muito limitadas alcançadas pela atual “abertura”, que na prática exclui as grandes massas populares. Não podemos concordar com uma situação que assegure liberdades apenas para as elites, em que a grande maioria da sociedade continua na miséria e sem a garantia dos mais elementares direitos humanos. Um partido comunista não pode, em nome de uma suposta democracia abstrata e acima das classes, abdicar do seu papel revolucionário e assumir a posição de freio dos movimentos populares, de fiador de um pacto com a burguesia, em que sejam sacrificados os interesses e as aspirações dos trabalhadores.”


A crítica ao reformismo é atual e aplicável aos partidos de “esquerda” voltados a administração do capital no país.      

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