Resenha # 51 - “As Origens do Fascismo” – José Carlos
Mariátegui – Luiz Bernardo Pericás
Sobre o autor
José Carlos Mariátegui foi um jornalista e ativista marxista
peruano. Filho de mãe índia e de pai branco funcionário público, começou a
trabalhar ainda jovem, em 1909, como ajudante e entregador do periódico La Prensa. Pouco tempo depois, começou a
escrever os seus próprios artigos. Já próximo de ideias socialistas, funda em
1919 o Jornal La Razón, que toma
partido em favor dos operários peruanos em sua luta pela redução da jornada de
trabalho para 8 horas diárias e em favor dos estudantes da Universidade de San
Marcos e de sua luta por uma Reforma Universitária no país.
Naqueles anos, a conjuntura política do Peru estava marcada
por crise que criaria condições para uma reviravolta na vida de Mariátegui.
Augusto Leguía toma o poder por meio de um golpe de estado e instaura uma
ditadura naquele país, fazendo como que o La
Razón colocasse-se no campo de oposição política. Com o risco de ser preso,
é oferecida ao jovem periodista a possibilidade de ir viver na Europa para
trabalhar como “agente de propaganda” do governo – este convite do governo foi
aceito por Mariátegui mesmo com as críticas de opositores mais radicais que
viam ali uma capitulação. O fato é que nos três anos e quatro meses em que
viveu no Velho Continente, Mariátegui teve oportunidade de observar de perto as
rápidas transformações sociais por que passava a Europa do contexto histórico
posterior à 1ª Guerra Mundial, além de ter tido contato com novas ideias,
culturas e movimentos artísticos (dedicando um escrito particular sobre o Futurismo e a
política).
Participou em 1921 do Congresso do Partido Socialista
Italiano. Conheceu intelectuais, artistas e ativistas políticos que passariam a
influenciar o seu pensamento: em particular Georges Sorel. (Marxista heterodoxo,
influenciado por Proudhon, Sorel foi teórico francês da linha do sindicalismo
revolucionário, muito popular na Itália dentro da Confederação Geral do
Trabalho). E, em menor medida, seria influenciado por Antônio Gramsci. (Não se
sabe ao certo se Mariátegui chegou a conhecer pessoalmente o revolucionário
italiano que iria depois dirigir a ala revolucionária do Partido Socialista
Italiano que se converteria no Partido Comunista Italiano. De qualquer forma,
Mariátegui se refere ao movimento fascista e sua inserção na legalidade como um
“transformismo”, fazendo menção portanto a uma categoria de análise gramsciana).
Sobre a obra
Talvez o título “As Origens do Fascismo” não represente muito
fielmente o conteúdo da obra organizada pelo professor Luiz Berdardo Pericás. O
livro representa uma coletânea de artigos e ensaios jornalísticos, escritos na Itália
e publicados em órgãos da imprensa Peruana: El
Tiempo, La escena contemporânea, Variedades, etc. Os textos versam
principalmente sobre a conjuntura política da Itália entre 1919 e 1923 – por tal
intervalo de tempo coincidir com a gestação do fascismo, sua tomada do poder em
28 de Outubro de 1921, sua consolidação no poder e sua “crise” com o
assassinato do deputado socialista Matteotti pelos camisas negras, por estas
razões explica-se as “Origens” do título da obra. Por outro lado, os assuntos
tratados pelos artigos não versam apenas sobre o problema do fascismo.
Mariátegui demonstra ter uma sensibilidade incomum ao abordar temas como o
futurismo, as características do Partido Socialista Italiano ou ao traçar
rápidas descrições de personagens políticos importantes, como os liberais
Giolitti primeiro ministro italiano antes da tomada do poder político pelos
fascistas e Francesco Saverio Nitti, primeiro ministro da Itália
entre 1919 e 1920. A sensibilidade é perceptível no texto a partir da capacidade
de Mariátegui de destacar detalhes dos movimentos políticos e das principais forças
políticas da Itália, eventualmente não percebidos pelo senso comum, e por ser capaz de traçar um belo raio x do ascenço fascista
desde suas origens – capacidade ímpar para um estrangeiro há pouco tempo
instalado no país. Mariátegui parece conhecer bem os principais fatos políticos
e os seus respectivos personagens, o que provavelmente só foi possível por meio
de sua curiosidade jornalística e de contatos pessoais.
A conjuntura política italiana daquele
momento era explosiva. A Itália participara da 1ª Guerra Mundia, sem contudo
obter as vantagens materiais das demais potências vencedora. A divisão política
do país entre apoiadores ou não da entrada na guerra teria implicações
posteriores: Mussolini, por exemplo, que inicialmente foi um militante da
esquerda do Partido Socialista Italiano, rompe justamente com partido por
defender enfaticamente a entrada da Itália na Guerra. De outro modo, a política
internacional do pós-guerra também dividia as forças políticas de Itália,
incluindo as distintas frações burguesas. Um setor da burguesia moderado,
liderado por Giolliti defendia uma política colaboralcionista, que se colocasse
pela paz naquele contexto histórico, participando de forma colaborativa com os
demais países.
O deputado Gabriele d'Annunzio,
precursor e fonte de influência sobre a ideologia fascista, liderou um exército
de 2000 voluntários e tomou a cidade de Fiume. Fundou-se um movimento d’annunziano,
cuja perspectiva era a da expansão das fronteiras itálicas. Em contraponto aos
colaboracionistas, os fasci defendiam uma política externa claramente imperialista
e exigiam tratados internacionais que colocassem a Itália numa melhor posição,
após a primeira guerra mundial. Numa conjuntura de crise, guerras e revoluções,
a orientação burguesa colaboracionista tinha apelo muito menor do que a
demogogia e o chauvinismo fascista.
Sobre o Fascismo
Para Mariátegui o Fascismo não
pode ser considerado um conjunto teórico de ideias sistematizadas, tal qual o
marxismo ou o liberalismo. Via, em primeiro lugar, o fascismo como um movimento
do tipo miliciano e militar, um movimento contra-revolucionário cujo propósito
seria o de salvaguardar o país da ameação da revolução operária. (Nesse sentido,
Mariátegui chama atenção para a total capitulação da burguesia italiana ao fascismo,
encarando-o como uma ofensiva preventiva contra a revolução proletária).
Ademais, o fascismo seria a continuação do d’annunzionismo, ainda que o d’annunzismo não
fosse fascista. Mussolini imitou de D’Annunzio: o modo de governo em Fiume, a
economia do estado corporativo, emotivos rituais nacionalistas, a saudação
romana, seguidores devotados com camisas negras, respostas brutais e uma forte
repressão contra a dissidência.
Segundo Mariátegui, “o fascismo
podia vencer na guerra; não podia vencer na paz. O fascismo não é um partido; é
um exército. É um exército contra-revolucionário, mobilizado contra a revolução
proletária num instante de febre e belicosidade, pelos diversos grupos e classes
conservadoras. O fascismo é, por conseguinte, um instrumento de guerra.”.
Quanto à violência, Mariátegui
descreve a ação de grupos milicianos de camisas negras que, portando porretes,
invidiam e destruiam cooperativas de trabalho, jornais socialistas, sindicatos
e comunas dirigidas por socialistas. Benedito Crocce – importante filósofo da
história e opositor do fascismo – teve sua
biblioteca destruída pelos fascistas. Mas foi como o assassinato do deputado
socialista Giacomo
Matteotti que o fascismo entraria em crise. Setores burgueses,
que antes viam naquele movimento um obstáculo para o ascenço operário, passam a
retirar o seu apoio ao governo do Partido Nacional Fascista. A opinião pública
exige esclarecimento e a punição dos assassinos e os “métodos” do fascismo
passam a ser questionados por setores que até então apoiavam ou não combatiam
os fasci. Neste momento, pode ser que Mariátegui tenha subestimado a capacidade
do fascismo de se manter no poder, o que ocorreria até o final da 2ª Guerra Mundia,
quando Mussolini foi executado pela população.
Mariátegui via naquela “crise”,
indício de que o fascismo não perduraria no tempo sem que houvesse algum tipo
de “normalização institucional”, de forma a trazer de volta o apoio da
burguesia constitucional e liberal. Haveria assim uma pressão pela legalização
daquele movimento que nasceu operando por meio de práticas ilegais e violentas.
Naquela conjuntura histórica Mariátegui não teve tempo de ver ascender o
nazismo na Alemanha, o que corroboraria para o fortalecimento e permanência do
fascismo no poder. De outra monta, Mariátegui negligenciou a capacidade de
mobilização do fascismo, por meio de seus mitos, do seu nacionalismo
exacerbado, da sua retórica, do seu anti-internacionalismo e anti-comunismo, da
sua pregação a uma volta ao passado do Império Romano, reivindicando um caráter
de potência imperialista à itália. Ainda que faltasse substância teórica aquele
movimento, ainda que o fascismo não tivesse uma delimitação de classe,
abrangendo operários, predominantemente a pequeno burguesia e frações dos
grandes capitalistas, o mesmo foi capaz de sobreviver por mais tempo do que
Mariátegui previa. Entretanto, tal como Walter Benjamim, Mariátegui conseguiu
perceber um traço marcante do fascismo: este é o resultado de uma revolução
derrotada. Aqui, há uma conclusão simples e atual: o fascimo é a reação
absoluta ao ascenço operário. Derrotado este, vitorioso aquele.
Mariátegui subestima o fascismo? Perspectivas do fascismo segundo
Mariátegui (1924)
“A ditadura fascista,
consequentemente, terá uma fisionomia menos carcteristicamente fascista a cada
dia. Sustentada pela sólida maioria parlamentar que ganhou nas últimas
eleições, adquirá um perfil análogo ao de outras ditaduras desta Itália da
Unidade e da dinastia de Saboya. Crispi, Pelloux, o próprio Giolitti governaram
a itália ditatorialmente. Suas ditaduras estiveram desprovidas de todo gesto
demagógico e se conformaram com um papel e um caráter burocrático. A ditadura
de Mussolini, estrondosa, retórica, olímpica e d’annunziada em suas origens,
como convém nesta época tempestuosa, acabará por contentar-se com as modestas
proporções de uma ditadura burocrática. Perderá pouco a pouco sua ênfase heóica
e sotaque épico. Empregará para conservar o poder os recursos e expedientes
oportunistas da velha democracia”.
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