sábado, 16 de fevereiro de 2013

"As Origens do Fascismo" - José Carlos Mariátegui


Resenha # 51 - “As Origens do Fascismo” – José Carlos Mariátegui – Luiz Bernardo Pericás

 

Sobre o autor

José Carlos Mariátegui foi um jornalista e ativista marxista peruano. Filho de mãe índia e de pai branco funcionário público, começou a trabalhar ainda jovem, em 1909, como ajudante e entregador do periódico La Prensa. Pouco tempo depois, começou a escrever os seus próprios artigos. Já próximo de ideias socialistas, funda em 1919 o Jornal La Razón, que toma partido em favor dos operários peruanos em sua luta pela redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias e em favor dos estudantes da Universidade de San Marcos e de sua luta por uma Reforma Universitária no país.

Naqueles anos, a conjuntura política do Peru estava marcada por crise que criaria condições para uma reviravolta na vida de Mariátegui. Augusto Leguía toma o poder por meio de um golpe de estado e instaura uma ditadura naquele país, fazendo como que o La Razón colocasse-se no campo de oposição política. Com o risco de ser preso, é oferecida ao jovem periodista a possibilidade de ir viver na Europa para trabalhar como “agente de propaganda” do governo – este convite do governo foi aceito por Mariátegui mesmo com as críticas de opositores mais radicais que viam ali uma capitulação. O fato é que nos três anos e quatro meses em que viveu no Velho Continente, Mariátegui teve oportunidade de observar de perto as rápidas transformações sociais por que passava a Europa do contexto histórico posterior à 1ª Guerra Mundial, além de ter tido contato com novas ideias, culturas e movimentos artísticos (dedicando um escrito particular sobre o Futurismo e a política).

Participou em 1921 do Congresso do Partido Socialista Italiano. Conheceu intelectuais, artistas e ativistas políticos que passariam a influenciar o seu pensamento: em particular Georges Sorel. (Marxista heterodoxo, influenciado por Proudhon, Sorel foi teórico francês da linha do sindicalismo revolucionário, muito popular na Itália dentro da Confederação Geral do Trabalho). E, em menor medida, seria influenciado por Antônio Gramsci. (Não se sabe ao certo se Mariátegui chegou a conhecer pessoalmente o revolucionário italiano que iria depois dirigir a ala revolucionária do Partido Socialista Italiano que se converteria no Partido Comunista Italiano. De qualquer forma, Mariátegui se refere ao movimento fascista e sua inserção na legalidade como um “transformismo”, fazendo menção portanto a uma categoria de análise gramsciana).

Sobre a obra

Talvez o título “As Origens do Fascismo” não represente muito fielmente o conteúdo da obra organizada pelo professor Luiz Berdardo Pericás. O livro representa uma coletânea de artigos e ensaios jornalísticos, escritos na Itália e publicados em órgãos da imprensa Peruana: El Tiempo, La escena contemporânea, Variedades, etc. Os textos versam principalmente sobre a conjuntura política da Itália entre 1919 e 1923 – por tal intervalo de tempo coincidir com a gestação do fascismo, sua tomada do poder em 28 de Outubro de 1921, sua consolidação no poder e sua “crise” com o assassinato do deputado socialista Matteotti pelos camisas negras, por estas razões explica-se as “Origens” do título da obra. Por outro lado, os assuntos tratados pelos artigos não versam apenas sobre o problema do fascismo. Mariátegui demonstra ter uma sensibilidade incomum ao abordar temas como o futurismo, as características do Partido Socialista Italiano ou ao traçar rápidas descrições de personagens políticos importantes, como os liberais Giolitti primeiro ministro italiano antes da tomada do poder político pelos fascistas e Francesco Saverio Nitti, primeiro ministro da Itália entre 1919 e 1920. A sensibilidade é perceptível no texto a partir da capacidade de Mariátegui de destacar detalhes dos movimentos políticos e das principais forças políticas da Itália, eventualmente não percebidos pelo senso comum, e por ser capaz de traçar um belo raio x do ascenço fascista desde suas origens – capacidade ímpar para um estrangeiro há pouco tempo instalado no país. Mariátegui parece conhecer bem os principais fatos políticos e os seus respectivos personagens, o que provavelmente só foi possível por meio de sua curiosidade jornalística e de contatos pessoais.

A conjuntura política italiana daquele momento era explosiva. A Itália participara da 1ª Guerra Mundia, sem contudo obter as vantagens materiais das demais potências vencedora. A divisão política do país entre apoiadores ou não da entrada na guerra teria implicações posteriores: Mussolini, por exemplo, que inicialmente foi um militante da esquerda do Partido Socialista Italiano, rompe justamente com partido por defender enfaticamente a entrada da Itália na Guerra. De outro modo, a política internacional do pós-guerra também dividia as forças políticas de Itália, incluindo as distintas frações burguesas. Um setor da burguesia moderado, liderado por Giolliti defendia uma política colaboralcionista, que se colocasse pela paz naquele contexto histórico, participando de forma colaborativa com os demais países.

O deputado Gabriele d'Annunzio, precursor e fonte de influência sobre a ideologia fascista, liderou um exército de 2000 voluntários e tomou a cidade de Fiume. Fundou-se um movimento d’annunziano, cuja perspectiva era a da expansão das fronteiras itálicas. Em contraponto aos colaboracionistas, os fasci defendiam uma política externa claramente imperialista e exigiam tratados internacionais que colocassem a Itália numa melhor posição, após a primeira guerra mundial. Numa conjuntura de crise, guerras e revoluções, a orientação burguesa colaboracionista tinha apelo muito menor do que a demogogia e o chauvinismo fascista.

Sobre o Fascismo

Para Mariátegui o Fascismo não pode ser considerado um conjunto teórico de ideias sistematizadas, tal qual o marxismo ou o liberalismo. Via, em primeiro lugar, o fascismo como um movimento do tipo miliciano e militar, um movimento contra-revolucionário cujo propósito seria o de salvaguardar o país da ameação da revolução operária. (Nesse sentido, Mariátegui chama atenção para a total capitulação da burguesia italiana ao fascismo, encarando-o como uma ofensiva preventiva contra a revolução proletária). Ademais, o fascismo seria a continuação do  d’annunzionismo, ainda que o d’annunzismo não fosse fascista. Mussolini imitou de D’Annunzio: o modo de governo em Fiume, a economia do estado corporativo, emotivos rituais nacionalistas, a saudação romana, seguidores devotados com camisas negras, respostas brutais e uma forte repressão contra a dissidência.

Segundo Mariátegui, “o fascismo podia vencer na guerra; não podia vencer na paz. O fascismo não é um partido; é um exército. É um exército contra-revolucionário, mobilizado contra a revolução proletária num instante de febre e belicosidade, pelos diversos grupos e classes conservadoras. O fascismo é, por conseguinte, um instrumento de guerra.”.

Quanto à violência, Mariátegui descreve a ação de grupos milicianos de camisas negras que, portando porretes, invidiam e destruiam cooperativas de trabalho, jornais socialistas, sindicatos e comunas dirigidas por socialistas. Benedito Crocce – importante filósofo da história e opositor do fascismo  – teve sua biblioteca destruída pelos fascistas. Mas foi como o assassinato do deputado socialista Giacomo Matteotti que o fascismo entraria em crise. Setores burgueses, que antes viam naquele movimento um obstáculo para o ascenço operário, passam a retirar o seu apoio ao governo do Partido Nacional Fascista. A opinião pública exige esclarecimento e a punição dos assassinos e os “métodos” do fascismo passam a ser questionados por setores que até então apoiavam ou não combatiam os fasci. Neste momento, pode ser que Mariátegui tenha subestimado a capacidade do fascismo de se manter no poder, o que ocorreria até o final da 2ª Guerra Mundia, quando Mussolini foi executado pela população.

Mariátegui via naquela “crise”, indício de que o fascismo não perduraria no tempo sem que houvesse algum tipo de “normalização institucional”, de forma a trazer de volta o apoio da burguesia constitucional e liberal. Haveria assim uma pressão pela legalização daquele movimento que nasceu operando por meio de práticas ilegais e violentas. Naquela conjuntura histórica Mariátegui não teve tempo de ver ascender o nazismo na Alemanha, o que corroboraria para o fortalecimento e permanência do fascismo no poder. De outra monta, Mariátegui negligenciou a capacidade de mobilização do fascismo, por meio de seus mitos, do seu nacionalismo exacerbado, da sua retórica, do seu anti-internacionalismo e anti-comunismo, da sua pregação a uma volta ao passado do Império Romano, reivindicando um caráter de potência imperialista à itália. Ainda que faltasse substância teórica aquele movimento, ainda que o fascismo não tivesse uma delimitação de classe, abrangendo operários, predominantemente a pequeno burguesia e frações dos grandes capitalistas, o mesmo foi capaz de sobreviver por mais tempo do que Mariátegui previa. Entretanto, tal como Walter Benjamim, Mariátegui conseguiu perceber um traço marcante do fascismo: este é o resultado de uma revolução derrotada. Aqui, há uma conclusão simples e atual: o fascimo é a reação absoluta ao ascenço operário. Derrotado este, vitorioso aquele.  

Mariátegui subestima o fascismo? Perspectivas do fascismo segundo Mariátegui (1924)

“A ditadura fascista, consequentemente, terá uma fisionomia menos carcteristicamente fascista a cada dia. Sustentada pela sólida maioria parlamentar que ganhou nas últimas eleições, adquirá um perfil análogo ao de outras ditaduras desta Itália da Unidade e da dinastia de Saboya. Crispi, Pelloux, o próprio Giolitti governaram a itália ditatorialmente. Suas ditaduras estiveram desprovidas de todo gesto demagógico e se conformaram com um papel e um caráter burocrático. A ditadura de Mussolini, estrondosa, retórica, olímpica e d’annunziada em suas origens, como convém nesta época tempestuosa, acabará por contentar-se com as modestas proporções de uma ditadura burocrática. Perderá pouco a pouco sua ênfase heóica e sotaque épico. Empregará para conservar o poder os recursos e expedientes oportunistas da velha democracia”.

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