domingo, 12 de dezembro de 2010

Marxismo e Alienação - Leandro Konder



Resenha livro #8 - Marxismo e Alienação - Leandro Konder - Ed. Expressão Popular


O problema da alienação: ponto de partida do autor

Logo no começo do seu estudo, Leandro Konder alerta que sua intenção não é a de fazer resgate geral de todas as acepções do conceito de alienação: estudar a história do termo e seu sentido dentre as diversas tradições teóricas é tema extenso e implicaria num ensaio fragmentado. Alienação tem diversas fontes e sentidos antagônicos entre si. A idéia aparece na teologia cristã, em expressões da economia política clássica (Ricardo, Smith) e no jusnaturalismo, com a idéia da alienação da liberdade para realização do contrato social (Rousseau).

Em Hegel, pela primeira vez, a alienação deixa de aparecer como uma idéia ilustrativa e com sentido mais particular e torna-se um conceito ordenado dentro de uma teoria geral: “O conceito hegeliano de alienação é o legítimo pai do conceito marxista. E o conceito marxista, seu descendente imediato, embora tivesse de desenvolver em oposição a ele, só o pode superar integrando a si todos os elementos vivos do conceito hegeliano”.

Nas ciências humanas, tornou-se dominante a orientação marxista dentro do que se entende por alienação. De maneira que, hoje, falar em alienação significa remeter aos problemas referentes à sociedade capitalista analisada pelo filósofo alemão. Leandro Konder parte desta premissa para escrever o seu livro: apropria-se da categoria já em sua fase madura, consolidada pelo marxismo, e avança, descrevendo as formas em que alienação se manifesta dentro da história contemporânea, da arte, das religiões antigas e modernas. Há, particularmente, o esforço em traduzir a realidade imediata (o movimento comunista brasileiro, manifestações da arte no Brasil e no mundo, as intervenções imperialistas na América latina, o problema do stalinismo) de maneira a ir identificando em que medida a alienação constrange ou dificulta todo movimento (mais ou menos avançado) de superação do capitalismo.

Este esforço é emblemático: sugere a preocupação mais prática do autor, de maneira a inserir o livro dentro de um quadro de disputa política no interior do movimento comunista e da luta anticapitalista geral. As críticas à alienação dentro da recepção dogmática do marxismo no âmbito do subdesenvolvimento e a analise da “ideologia do colonialismo” como manifestação da alienação coordenada pelo imperialismo são exemplos desta dupla dimensão política da obra – escrita em 1965.

A narrativa é bastante acessível e muito bem escrita. Por não se centrar exclusivamente ao aspecto teórico e buscar sempre ir identificando na história exemplos do estranhamento humano particular da sociedades de classe, a leitura ganha em originalidade de fontes e referências, que passam pelos romances de Franz Kafka, obras de arte, música e filosofia existencialista de Sartre.

O Conceito Marxista: desafios

Alienação e Marxismo de Leandro Konder vai tratando das diversas manifestações da alienação, entendida como fenômeno extra-econômico. De fato, o problema da alienação liga-se à forma como o trabalho se manifesta no capitalismo: a apropriação privada dos meios de produção e a transformação da força de trabalho em mercadoria implica numa alienação (afastamento) entre aquele que produz e aquilo que é produzido – aquilo que é criado pelo homem “se aliena dele, torna-lhe estranho e volta-se contra ele” (MARX). Ainda no terreno econômico, o trabalha alienado cria condições para uma percepção distorcida ou estranhada dos objetos de consumo – o mecanismo da alienação econômica opera no sentido de naturalizar relações sociais e históricas de produção, o que, no capitalismo, implica na percepção “fetichista” da mercadoria a que Marx refere-se nos primeiros capítulos do Capital. O que parece ser central no livro de Leandro Konder é a tentativa de superar senso comum que restringe alienação à alienação econômica correspondente ao fetichismo da mercadoria e conversão do trabalho em meio. Parte-se daquelas premissas econômicas e de algumas discussões gerais sobre consciência e ideologia (introdução) para, finalmente, ir traçando um panorama geral de manifestações extra-econômicas da alienação no âmbito do capitalismo – os capítulos vão, cada um, abordando a História, a Arte, a Religião, a Política e o Subdesenvolvimento – estes dois últimos vão centrando atenção na manifestação da alienação no âmbito do movimento comunista internacional e brasileiro.

De maneira geral, identificamos no autor preocupação análoga ao seu estudo “A Derrota da Dialética” – o trabalho teórico passa a ser central dentre os marxistas, de forma a oxigenar a teoria, resgatando aquilo que há de original e criativo, superando ortodoxias presas aos modelos esquemáticos e economicistas– que, particularmente no caso do stalinismo, significava aparelhamento da teoria à prática política autoritária. O destaque dado a alienação dentro do movimento comunista é parte daquilo que dá sentido ao texto: a desalienação.

Um estudo necessário

Entendemos que Marxismo e Alienação atende as expectativas do próprio autor, qual seja: trabalhar a idéia da alienação como forma de favorecer sua superação. A desalienação não é um processo automático, exige interferência humana e esta é uma colaboração bastante interessante para cursos de formação política, discussões em grupos e novas elaborações teóricas decorrentes de certas provocações do texto. (O autor faz em diversas passagens sugestões de estudos e pesquisa, deixa algumas portas abertas para eventuais interessados).

O tema é bastante amplo, envolve erudição ao contemplar as variadas dimensões em que a alienação ocorre (nos livros, filmes, na psicologia, na religião, na política dos socialistas). Destacaríamos aqui, em particular, o problema da arte. Fonte de manifestações dos preconceitos e percepções ideológicas dominantes de cada respectivo momento histórico, a arte, ao contrário da ciência, também opera num certo nível intuitivo que, historicamente, sinaliza, nas chamadas grandes obras, elementos do futuro. A idéia de artistas visionários diz respeito ao seu papel histórico, como indivíduos cuja percepção é privilegiada e capaz de enunciar alguns aspectos das transformações gerais da sociedade em curso. A Metamorfose de Kafka ou Angústia de Graciliano Ramos remetem a certo mal estar decorrente da fragmentação de sentido humano frente à mercantilização progressiva das relações. Já em “O Processo” (Kafka) são os aparatos burocráticos que vão sinalizando uma sociedade baseada em formas mais ou menos sutis de controle – não se identifica ao certo a origem da opressão mas já se sinaliza tendências de controle político. Esta dupla dimensão da arte – produto do seu tempo e manifestação do porvir – pode fazer com que ela (a arte) assuma um papel importante (e negligenciado) dentre aqueles que se colocam no campo das lutas contra o capital. Dar um sentido humano para as manifestações de arte, potencializar o seu compromisso com o seu tempo e atentar-se para os conflitos de classe e para o desenvolvimento da história de uma maneira geral é um ponto de partida para uma arte, ainda alienada, mas com vocação desalienante. Identificamos no debate arte e alienação uma porta particularmente especial para novas reflexões a partir do Alienação e Marxismo. Desde aqui, identificamos atualidade e enormes possibilidades de leituras e trabalhos associados ao texto.


Sinopse

MARXISMO E ALIENAÇÃO: contribuição para estudo sobre o conceito marxista de alienação. Livro escrito em 1965, tratando-se do primeiro livro lançado pelo autor. Recentemente o livro foi reeditado pela Ed. Expressão Popular. Leandro Konder é professor do Departamento de Educação da PUC-RJ desde os anos 1980 . É um dos principais divulgadores do marxismo no Brasil, tendo especial papel na introdução da obra de Lukács. Tem 21 livros publicados, detre os quais A derrota da dialética, Flora Tristan – Uma vida de mulher, uma paixão socialista, Walter Benjamin – O marxismo da melancolia, Fourier – O socialismo do prazer – Vida e obra, O que é dialética, O futuro da filosofia da práxis.

Um comentário:

  1. Parabéns Paulo. Muito boa resenha. Não seria interessante possibilitar o envio por email?
    Abs,

    Julio Dias

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