quinta-feira, 26 de setembro de 2013

“O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann” – Karl Marx


Resenha Livro # 75 “O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann” – Karl Marx – Ed. Paz e Terra – 7ª Edição



A presente edição da editora Paz e Terra oferece-nos a tradução, coordenada pelo marxista carioca Leandro Konder, de dois conjunto de textos de fundamental importância. O 18 de Brumário trata do Golpe de Estado dado por Luís Bonarparte (sobrinho de Napoleão I) em 02.12.1852. O fato em si reveste-se de importância menos no que se refere às especificidades da história política francesa do séc. XIX e mais pelo sentido histórico que toda aquela movimentação política representou e que casualmente estabeleceu um regime político que verdadeiramente (e não apenas aparentemente) “pairasse” sobre as classes sociais. O que interessa acima de tudo é colocar em relevo o método científico de Marx em sua análise da história e nesta perspectiva o leitor se deparará com uma breve e poderosa síntese do desenvolvimento da luta de classes na França, desde a queda de Luís Felipe nas jornadas revolucionárias de 1848, passando pela eleição do sobrinho de Napoleão em 10.12.1848, a dissolução posterior da Assembleia Constituinte e o Golpe de Estado (18 de Brumário), fazendo com que a história se repetisse, primeiro como tragédia (Napoleão I) e depois como farsa (Napoleão III). À farsa, segue-se a narração de uma comédia e Marx verdadeiramente pinta Luís Bonaparte como uma caricatura do tio.

A segunda parte do livro traz ao público as cartas enviadas por Karl Marx ao seu amigo alemão Kugelmann entre 28 de Dezembro de 1862 e 10 de Agosto de 1874. Lênin foi um dos primeiros a chamar a atenção para a importância do estudo destas correspondências. Além de informações pessoais acerca das dificuldades financeiras e problemas de saúde que acompanharam Karl Marx durante boa parte de sua vida adulta, as cartas revelam alguns detalhes importantes acerca dos trabalhos dirigidos por Marx à frente da Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional), a luta contra as manobras e divisionismo dos aliados de Bakunin dentro da associação, além de outras impressões breves da conjuntura política europeia da segunda metade do séc. XIX. Certamente, a carta que mais nos causa comoção foi escrita no calor dos acontecimentos da Comuna de Paris, quando Marx saúda a disposição revolucionária daquele movimento, censurando-o apenas no sentido de, por honestidade excessiva, não ter desferidos os golpes mortais e necessários a tempo contra a reação.

Muitas das cartas tratam das dificuldades na elaboração e posterior publicação e divulgação de sua obra magna, “O Capital”. Como se sabe, este grande projeto de análise da economia política sobre bases críticas não pôde ser efetivamente concluída por Marx. Dos quatro volumes da obra, apenas o 1º foi publicado quando Marx ainda estava vivo: as demais, incluído o chamado volume “inédito”, foram organizados e lançados após a morte do autor sob os auspícios de seu amigo Engels e da filha mais velha de Marx (Jenny Marx).

18 de Brumário

“Os homens fazem sua própria história, mas não fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”.

Marx escreveu sua história política da França ainda no calor dos acontecimentos. Nesse sentido, chega a ser assombroso como é capaz de colocar em justos termos o movimento histórico, os posicionamentos das classes sociais (burguesia, proletariado, grandes proprietários de terra e campesinato) e suas respectivas frações (burguesia industrial, burguesia financeira, lumpem-proletariado, etc.) sempre em movimento, pintando um quadro dinâmico em que os acontecimentos ou fatos históricos estão necessariamente dotados de sentido. O que isso significa? Trata-se de um relato do golpe de estado de Luís Bonaparte partindo-se das premissas do materialismo histórico, ou seja, neste ensaio importa, mais do que os eventos narrados em-si, os pressupostos teórico-metodológicos aplicados na interpretação da história que, ao ser dotada de sentidos, deixa de ser uma mera sistematização de datas, fatos e pessoas, sem o necessário esforço crítico de interpretar os sentidos históricos dos acontecimentos e mesmo para onde a história deve seguir o seu rumo.

Os homens fazem a história, mas não a fazem como querem. Desde este ponto, Marx afasta-se de certa perspectiva idealista (muito voga na filosofia alemã em decorrência de Hegel) segundo a qual as ideias conduzem as mudanças materiais. Os homens certamente não escolheram as condições históricas legadas pelo passado e pode-se dizer que têm portanto uma autonomia relativa frente aos rumos dos acontecimentos. Entretanto, a história persiste sendo feita pelos homens: se assim não fosse, Marx não seria marxista, ao não oferecer a possibilidade das classes surgirem como sujeitos históricos (avançando de classe-em-si à classe-para-si), bem como eliminando qualquer possibilidade da iniciativa histórica destes sujeitos, particularmente no que se refere aos eventos revolucionários.

Outro ponto do 18 de Brumário que remete à teoria ou filosofia da história e que costuma ser bastante observado pelo público é justamente a famosa frase com que abre seu trabalho.

“Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira como tragédia e a segunda como farsa”.

Esta passagem sintetiza o próprio significado do golpe de estado no contexto tanto da Revolução Francesa de 1879 como do fracasso das jornadas revolucionárias após 1848. O sobrinho Napoleão foi certamente uma espécie de “desvio de rota” e pode ser tratado como uma farsa ou, talvez, como comédia. Não há em Luís Bonaparte a grandeza pessoal, bem como os feitos históricos de seu tio, que, até Waterloo, praticamente dominou toda a Europa continental. Entretanto, os traços de personalidade não subsidiários na análise marxista. A farsa aqui se dá em torno dos desdobramentos finais da luta de classes na França. Luís Bonaparte foi eleito após as jornadas revolucionárias de 1848 pela maioria camponesa da França – um setor político atrasado, ainda apegado às tradições, ao conservadorismo e que esperava ver na figura do sobrinho a mesma grandeza perdida da França na era de Napoleão I.

O resultado do golpe de estado pode ser explicado como uma situação muito atípica e particular em que, na luta de classes, todas as principais classes e frações saem de alguma forma derrotadas. Nem a burguesia industrial ou financeira e muito menos o proletariado urbano residual tinham condições de impor a sua política, o seu representante político. Assim, o bonapartismo em Marx surge como uma força política que paira por assim dizer sobre todas as classes. E na prática, Marx bem caracteriza a base política de Luís Bonaparte, basicamente comporta pela enorme burocracia estatal que vive às custas da corrupção e da arrecadação brutal de tributos, o lupem-proletariado e os setores mais atrasados do campesinato – e aqui é bom destacar que Marx, como posteriormente Lênin, não joga o camponês num único campo exclusivamente reacionário, lembrando que ao lado destes, havia também setores mais pauperizados com vocação para a luta social.

Aqui seria importante um parênteses. Já tivemos a oportunidade de lermos em alguns materiais da organização política trotskysta “Negação da Negação” uma caracterização inusitada dos governos Lula como regimes bonapartistas. Certamente tal “bonapartismo” só pode partir de critérios estranhos ao pensamento de Marx. Não há como comparar as situações extremamente particulares na França (o medo de uma nova onda revolucionária e uma burguesia completamente hesitante além de uma maioria de base social dentre os camponeses, a burocracia e o lumpesinato) com o que foi o Brasil durante os dois mandatos do governo do PT. É certo que é parte do próprio discurso ideológico de sustentação do estado a ideia de que o mesmo “pairasse” sobre as classes sociais.

Mas não é apenas isso o que caracteriza o bonapartismo. É bastante discutível, por outro lado, qualificar a base social beneficiada pelo bolsa família e pelas políticas de crédito como “lupemproletariado”. E mais importante de tudo, o Lulismo implicou em verdadeira capitulação do governo e do Partido dos Trabalhadores aos interesses do capitalismo financeiro e ao imperialismo (para quem Lula é ou era “o cara”). Ou seja, os trotskystas da “Negação e da Negação” estão inteiramente equivocados em qualificar o governo Lula ou o governo Dilma como “bonapartista”. Poderia-se argumentar que a expressão bonapartismo aqui decorreria de sua utilização por Leon Trótsky. Frente à flagrante pequenez deste autor e da qualidade duvidosa das obras teóricas de tal “marxista”, optamos aqui por manter a ortodoxia e ficarmos com o conceito de bonapartismo consagrado por Marx em 18 de Brumário. Em tempos de “ecletismos” cuja resultante, no marxismo, é a desfiguração da perspectiva revolucionária, torna-se ainda mais importante seguir o exemplo de Lênin que definitivamente demonstrou na prática a importância da ortodoxia no marxismo.   

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

“Tratado de Materialismo Histórico” – N. Bukharin


Resenha Livro #74 “Tratado de Materialismo Histórico” – N. Bukharin – Ed. Laemmert – 1970



Bukharin escreveu este tratado de filosofia marxista no início dos anos 1920. Antes de abordarmos a obra, é importante discorrer sobre quem é o seu autor. Nascido em Moscou, filho de professores do ginásio, Bukharin foi importante político, teórico e dirigente revolucionário. Formou-se em Economia e, durante a juventude, participou ativamente da primeira revolução Russa de 1905, considerada por Lênin como “ensaio geral” da Revolução de Outubro de 1917. Em 1906 ingressou no Partido Operário Social- Democrata Russo e a partir de 1912 aproximou-se politicamente de Lênin, ainda que ocasionalmente tenha entrado em atrito com o grande dirigente da revolução – em geral, seu nome é associado ao agrupamento dos “comunistas de esquerda”. Participou ativamente da insurreição de Outubro como dirigente do levante em Moscou e posteriormente ocupou cargos políticos importantes, como redator-chefe do órgão de imprensa do partido bolchevique (“Pravda”, a verdade, em Russo) e posteriormente membro da direção nacional (politburo) do Partido Comunista da União Soviética. Teve importante papel na história da revolução russa  como mentor junto de Lênin da NEP, Nova Política Econômica, que reintroduziu alguns elementos da economia de mercado, na perspectiva de combater a fome e desenvolver a produtividade de um país extremamente atrasado economicamente. Como membro eminente e respeitado do partido bolchevique, certamente provocava preocupação, após a morte de Lênin em 1924,  como eventual rival na disputa pela liderança do partido e do estado soviético.  E foi assim que em 1937 foi preso a mando de Stálin e morto no ano posterior.

Segundo o próprio Bukharin, o seu Tratado corresponde a uma continuação de uma obra anterior, mais conhecida, denominada “O ABC do Comunismo”. Nestes dois trabalhos o autor apresenta o compromisso de oferecer os elementos da teoria marxista de maneira a mais didática e clara possível. Não deixa de ser sugestivo que no “Tratado”, obra que esmiúça diversos aspectos do materialismo histórico e da filosofia marxista de maneira geral, Bukharin sempre busca demonstrar o seus raciocínios teóricos por meio de exemplos práticos, relacionados ao contexto de vida do trabalhador ou do camponês. Assim, mesmo se tratando de um tema intrincado, os exemplos ilustrativos acerca das diferenças entre materialismo e idealismo ou acerca dos fatores fundacionais da sociedade e do seu movimento histórico, fazem com que boa parte dos temas pudessem ser assimilados pelo mais simples mujique.

Um tratado de materialismo dialético não só deve oferecer uma visão panorâmica da filosofia marxista, com suas diversas dimensões na história, na sociologia e na economia política, mas contrapor a perspectiva marxista tanto às análises dos pensadores burgueses quanto de pensadores relativamente próximos do marxismo, mas que ora falsificam ora não compreendem a real dimensão e alcance do materialismo histórico. No que se refere aos pensadores burgueses, suas análises são particularmente ilustrativas quando Bukharin analisa a questão da ideologia e da psicologia das classes: às análises segue-se os interesses de perpetuação da lógica capitalista, o que implica na naturalização das relações de dominação e na negação da revolução e da ditadura do proletariado.

 Há de se constatar que a concepção de “Ideologia” em Bukharin não podia ser a mesma daquela que ficaria consagrado pelo marxismo a partir da obra “A Ideologia Alemã”. Isto porque esta obra filosófica de Marx apenas foi publicada em 1932, após a redação e publicação do “Tratado”. Assim, enquanto em Bukharin a ideologia corresponde a uma sistematização mais ou menos organizada da percepção de mundo, da cultura e da ética correspondente às distintas classes, em Marx a ideologia passa a ser um esquema de dominação: a ideologia como uma “nuvem de fumaça” em que os interesses particulares da classe dominante são dados como se fossem interesses gerais de toda a sociedade. Em Bukharin a ideologia mantém uma íntima relação com a chamada psicologia de classe, correspondendo a uma sistematização maior e mais racionalizada das psicologias das distintas classes. Assim, haveria tanto uma ideologia burguesa, quanto uma ideologia proletária. E qual é a origem da ideologia e da psicologia das classes? Responde Bukharin:

“Dissemos que a psicologia das classes é determinada pelo conjunto das condições de vida de cada classe, condição que tem a sua base na situação econômica de cada classe. (...) É absolutamente justo que o interesse de classe determina essencialmente a luta de classe. Mas a psicologia de classe não se limita a isso. Já vimos mais acima que, na época de decadência do império romano, filósofos da classe dirigente pregavam o suicídio e que esta propaganda obtinha sucesso porque concordava com a psicologia desta classe dirigente, que era uma psicologia desta classe dirigente, que era uma psicologia de homens saciados e por conseguinte fartos de viver. Podemos perfeitamente explicar a formação de semelhante psicologia; vemos que ela tem sua raiz no parasitismo de uma classe dominante que nada fazia, e cuja existência inteira se limitava a consumir sem cessar, a experimentar de tudo até se enfastiar”.

Este importante conceito de psicologia de classe terá no “Tratado” desdobramentos importantes nas distintas passagens em que Bukharin analisa o movimento e a luta das classes na história. Ainda sendo certo que Marx e Engels iniciam seu manifesto dizendo ser a história da humanidade, a história da luta de classes, deve o intérprete crítico analisar tal passagem desde o ponto de vista do que a historiografia francesa chamará de história de média e longa duração. Todavia, alerta Bukharin, existem em primeiro lugar momentos de paz social e equilíbrio ou estagnação social; existem momentos em que classes com interesses antagônicos unem-se em torno de um inimigo comum, sendo este o caso do terceiro estado da Revolução Francesa, dentro do qual estava a classe dos burgueses e a incipiente classe proletária. Ademais, Bukharin certamente está a frente de um certo marxismo eminentemente teleológico e dogmático segundo o qual o desenvolvimento das forças produtivas diante dos limites institucionais, jurídicos e políticos do capitalismo fatalmente levaria à luta vitoriosa do proletariado. Esta luta encarniçada entre burgueses e proletários não tem seu resultado pré fixado pela história: e o próprio Marx o afirma, quando diz que a luta de classes pode levar a aniquilação mútua das classes e/ou a um processo de decadência/retrocesso histórico. Mesmo a vitória do proletariado implica numa destruição parcial das forças produtivas frente à guerra civil (situação sentida de maneira premente na Rússia durante o chamado “Comunismo de Guerra”).
Em síntese, o “Tratato” merece ser lido com atenção diante de seu grandioso projeto de sistematizar a filosofia marxista desde um método que irá analisar teoricamente e por meio de exemplos práticos muitas das dimensões decorrentes do materialismo histórico. Discute-se o que são classes sociais e como se diferenciam de grupos e profissões, discute-se o que é a sociedade e qual é a sua origem e seu fundamento histórico (correspondendo ao grau de desenvolvimento das forças produtivas e seu correspondente modo de produção). Discute-se o papel do indivíduo na história, a questão do partido e seu vínculo com a classe, para além de sua importância prática. Faz-se uma análise crítica acerca das relações entre estrutura e superestrutura, demonstrando-se como o marxismo, ao contrário do que prega seus difamadores burgueses, não descarta a importância da política, da cultura, da arte ou da religião, mas coloca tais elementos em seu devido lugar, explicando-os desde relações causais decorrentes do mundo do trabalho e da economia política. Por todos estes debates introduzidos por Bukharin, certamente o seu “Tratado” mereceria uma nova edição no país, de forma a melhor contemplar a tarefa da formação política dos marxistas revolucionários brasileiros.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

“V. I. Lênin- Pequena Biografia” – Edições Avante


Resenha Livro # 73 “V. I. Lênin – Pequena Biografia” – Cadernos de Iniciação Ao Marxismo Leninismo - Edições Avante! Nº14



Esta pequena síntese da vida, da produção intelectual e da atividade política de Lênin foi preparado pela “Edições Avante!”. Trata-se de editora ligada ao PCP, Partido Comunista Português.

Por suposto, a análise desta e de qualquer obra referente à vida do dirigente da Revolução Russa de 1917 deve partir de um olhar crítico. Como se sabe, não existe neutralidade quando lidamos com os distintos ramos de conhecimento das ciências humanas. O olhar crítico ou a crítica radical (que vai até a raiz das questões analisadas) encontra nos pressupostos teórico-metodológicos do marxismo o seu melhor ponto de apoio. No caso concreto, uma análise crítica da obra acerca do controvertido e muitas vezes mal compreendido Lênin deve ter como ponto de partida a posição prática das distintas vozes narrativas no âmbito da Luta de Classes.

Assim, como pudemos estudar na análise da obra “Marxismo no Ocidente”, escrita nos anos 1960, durante a fase de maior tensão entre as duas potências (URSS e EUA) na Guerra Fria, aquele livro redigido por distintos expoentes acadêmicos do mundo capitalista só podia partir de grosseiras falsificações, sendo muito fácil observar a intenção permanente de desmoralizar a principal liderança do movimento comunista mundial depois de Marx e Engels. Naquela obra, Lênin é pintado como um homem “maníaco” – um “obsessivo”, um louco, autoritário, grosseiro nos tratos pessoais, indiferente aos conselhos de seus companheiros de partido e, pior, dos operários e camponeses. Já neste trabalho da Edição Avante! é possível encontrar uma versão um pouco mais verossímil da figura de Lênin – afinal, fica muito difícil de acreditar como um “maníaco-obsessivo” granjou o respeito, admiração e carinho de enormes massas proletárias e camponesas, sinalizada, por exemplo, nos momentos em que teve graves problemas de saúde (após tomar 3 tiros com balas envenenadas por uma agente da reação) ou mesmo após sua morte, em 1924, quando todo o país comoveu-se e peregrinações vieram de todo canto a Moscou vê-lo. Aliás, o Mausoléu do Lênin continua até os dias de hoje disponível para visitas gratuitas, na Praça Vermelha. Mesmo após a brutal restauração capitalista daquele país, ainda hoje ainda é possível ver nos metrôs de Moscou e nas ruas de São Petersburgo monumentos e referências a V. I.   E como se diz ainda hoje, “Lênin viveu, Lênin vive, Lênin viverá”.

Infância e juventude

V. I Uliánov (Lênin) nasceu em 1870 numa pequena cidade camponesa às margens do rio Volga. Seu pai, Ilia Nikoláevitch, veio de uma pobre família camponesa, mas com grande esforço conseguiu alcançar e concluir os estudos secundários e superiores e tornou-se professor e educador geral de Simbisrk e outras pequenas cidades, onde abria e ajudava a organizar novos estabelecimentos de ensino, atuando como diretor. A vida no campo correspondeu a uma fase de aprendizagem para Lênin, aprendizado que levaria para o resto da vida. Após a conclusão do curso de Direito, pôde atuar junto aos trabalhadores pobres do campo, orientando-os e aprendendo sobre as suas condições de vida. Este aspecto da vida de Lênin é importante, pois teria desdobramentos importantes na luta revolucionária e posteriormente na consolidação do Socialismo. Ao contrário de León Trótsky, que nunca foi capaz de entender completamente as especificidades da luta de classes na Rússia, Lênin sempre soube que uma revolução socialista num país como a Rússia czarista (de industrialização recente, ainda que em ritmo acelerado) só poderia triunfar com o apoio das massas de camponeses pobres. Tróstky, caracterizado pelo próprio Lênin em sua carta testamento como um militante bruocrático apenas voltado ao trabalho meramente administrativo, não soube entender a importância do campesinato para a revolução. E de fato foi a aliança efetiva entre o proletariado urbano os camponeses pobres a força social e imbatível que derrotou a contra-revolução, apoiada com tropas e armas por diversas potências ocidentais, como Estados Unidos da América, França, Inglaterra, entre outros. Após a vitória da Revolução de Outubro, os camponeses seriam novamente requisitados, desta vez para garantir os mantimentos nos fronts da guerra revolucionária e na cidade, sendo, até a NEP, necessárias expedições de bolcheviques da cidade ao campo para, pela força das armas, garantir a distribuição do trigo, frente aos especuladores.

O chefe da Revolução de Outubro

Algo interessante desta obra da editora Avante! é a preocupação em relacionar a história e trajetória de Lênin com sua respectiva evolução intelectual. Cada uma das principais obras de Lênin, da polêmica com os “Amigos do Povo” (1884), aos pronunciamentos junto aos congressos do Partido Comunista Russo após a consolidação da vitória pelos bolcheviques (1919-1924), sua produção intelectual vai sendo confrontada com as exigências de cada conjuntura histórica.

Após o triunfo da etapa burguesa da revolução em Fevereiro, Lênin, que estava no exílio na Finlândia, se organiza para voltar à Rússia e dirigir pessoalmente a revolução socialista. E, a despeito da vacilação de alguns, mesmo no interior do partido bolchevique, a palavra de ordem colocada por Lênin era “todo poder aos soviets”, contra o governo provisório burguês. Viu antes de muitos a possibilidade do triunfo da revolução socialista e lançava-se inteiramente na luta política, contra a vacilação e insegurança de certos setores do partido, no sentido dos revolucionários prepararem-se o quanto antes para a insurreição: dizia que naquela conjuntura revolucionária não havia tempo para meias palavras e por isso combatia com todas as suas forças os setores vacilantes. Após o assalto ao poder em Outubro de 1917, viria a guerra civil e a dura fase do Comunismo de Guerra. A luta revolucionária só viria a ser concluída em 1919, com a vitória final das massas trabalhadoras e camponesas contra a reação, burguesia e o imperialismo.  

Sínteses

Logo no início de sua obra “O Esquerdismo, a Doença Infantil do Comunismo”, Lênin começa dissertando como, apesar de certas particularidades, a experiência da revolução russa oferecia ensinamentos universais, aplicáveis, portanto, aos demais países. A revolução estourou não, conforme previam Marx e Engels, nos países centro do capitalismo, mas na sua periferia, em um de seus elos mais fracos. Este fato inusitado por explicável, acima de tudo, lançava luz aos revolucionários dos demais países, especialmente frente à capitulação da II Internacional à Guerra Imperialista. Nesse sentido, é impossível compreender as lições de Outubro sem se ater às intervenções de Lênin – foi ele quem dirigiu o partido, desde as fases de luta contra o tzarismo até após o triunfo e consolidação da revolução. E este caderno da Edições Avante! pode ser um bom ponto de partida para um estudo sistematizada da vida e do legado intelectual de V. Ilich Lênin.         

domingo, 8 de setembro de 2013

"A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” – Friederich Engels

Resenha Livro #72 “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” – Friederich Engels – Ed. Centauro



Este estudo de Engels parte das análises mais avançadas até então (1884) das sociedades primitivas (destacando-se os estudos do norte-americano Morgan) para construir uma poderosa síntese da origem do estado, bem como da propriedade privada e da família monogâmica. Partindo de um ponto de vista marxista da análise da evolução histórica, as grandes transformações que impulsionam o desenvolvimento do homem diz respeito  essencialmente ao grau e capacidade de domínio da natureza pelo homem. Assim, dos estágios pré-históricos da cultura até a civilização vai-se revelando um gradual e ascendente controle do homem sobre seus meios de produção e reprodução natural.
No estado selvagem, a fase inferior corresponde aos homens que ainda viviam nas árvores e se serviam de frutos, nozes e raízes como alimento; a fase média do período selvagem envolve já o emprego do fogo e a pesca, fenômenos complementares, já que o “peixe só pode ser plenamente empregado como alimento graças ao fogo”. Engels identifica nesta fase a ocorrência de antropofagia: ademais, o consumo de carne implicava no desenvolvimento da inteligência e outros atributos, pelo incremento da dieta. A fase inferior da barbárie é contada a partir da invenção  do arco e da flecha “graças aos quais os animais caçados vêm a ser um alimento regular e a caça uma das ocupações normais e costumeiras” (P. 28) “O arco e a flecha foram, para época selvagem, o que a espada de ferro foi para a barbárie e a arma de fogo para a civilização: a arma decisiva” (P.29)
A fase inferior da barbárie passa pela introdução a cerâmica, com sua utilização nas construções e como substituto da madeira,  arriscando o grupo menos a incêndios.  A fase superior da barbárie inicia-se com a fundição de ferro e o emprego da pá e do machado de ferro no cultivo do solo. É só com o ferro que é possível empregar a exploração da terra em grande escala, pela primeira vez. Assim, com a agricultura há um aumento ilimitado à época de meios de subsistência, implicando em aumento populacional. Uma síntese geral até a civilização é apresentada mais a frente por Engels: “Estado selvagem: período em que predomina a apropriação de produtos da natureza, prontos para serem utilizados; Barbárie: Período em que aparecem a criação de gado e a agricultura e se aprende a incrementar a produção da natureza com o trabalho humano. Civilização: Período da indústria propriamente dita e da arte”.
Ao lado do desenvolvimento histórico decorrente da maior capacidade de controle e apropriação dos meios de vidas da natureza pelo homem, modificam-se de forma correspondente as organizações pré e sociais propriamente ditas, bem como a transformação da família.
Nas chamadas famílias consanguíneas há o predomínio do casamento entre irmãos e parentes colaterais e posteriormente com as famílias punaluana casamentos coletivos também dentro de grupos consanguíneos. Há todo um programa marxista do debate sobre opressões de gênero neste estudo de Engels, justamente quando discutirá a evolução familiar. Afinal, observa-se que as sociedades marcadas pelo casamento grupal, típicas daquele comunismo primitivo, implicava papeis muito superior aos das mulheres da civilização. A monogamia é apenas a última forma familiar, correspondendo à consolidação do domínio do homem sobre a mulher e, no âmbito da produção, a constituição da propriedade privada.
Nas famílias mais primitivas os casamentos coletivos e os hábitos sexuais que envolviam diversas formas de poligamia tornavam incertas as origens paternas dos filhos. Como o parentesco só era possível de ser percebido pela linhagem feminina, foi por meio desta linhagem que se consolidava a gens, implicando em um reconhecimento social muito maior da mulher. Dentro das questões sucessórias, bem como para a articulação das gens, a mulher cumpria um papel de centralidade, falando Engels de um “Direito Materno” que gradualmente, conforme a família caminhasse para as fechadas unidades monogâmicas, foi transformando-se em “Direito Paterno”.
Engels vai até as origens do termo família de forma a expor as suas contradições decorrentes da sua conformação na história.
“Em sua origem, a palavra família não significa o ideal – mistura de sentimentalismo e dissensões domésticas – do filisteu e nossa época; - a princípio, entre os romanos, não se aplicava sequer ao par de cônjugues e aos seus filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico e família é o conjunto de escravos pertencentes ao mesmo homem.  Nos tempos de Gaio, a família “id est patrimoniu” (isto é, herança) era transmitida por testamento. A expressão foi inventada pelos romanos para designar um novo organismo social, cujo chefe mantinha sob seu poder a mulher, os filhos e um certo número de escravos, com o pátrio poder romano e o direito de vida e morte sobre todos eles. ‘A palavra não é, pois, mais antiga que o férreo sistema familiar das tribos latinas, que nasceu ao introduzirem-se a agricultura e a escravidão legal, depois da cisão entre os gregos e latinos arianos’. E Marx acrescenta ‘a família moderna contém, em germe, não apenas a escravidão (servitus) como também a servidão, pois, desde o começo, está relacionada com os tempos da agricultura. Encerra, em miniatura, todos os antagonismos que se desenvolvem, mais adiante,  na sociedade em seu estado”.
Tanto o desenvolvimento geral das forças produtivas sociais quanto as distintas formas de arranjos familiares, correspondentes aos grandes períodos da pré-civilização caminham num sentido de aumento gradual da desigualdade na distribuição dos excedentes. Ao lado da agricultura e dos excedentes, vem o desenvolvimento do comércio e com ele, a criação de uma nova classe social, os comerciantes. O dinheiro é criado e a distribuição e circulação de pessoas e bens põe por terra o antigo regime gentílico. Se dentro das ordens mais primitivas havia algum igualitarismo, como revela Engels ao descrever sociedades indígenas norte-americanas, povos celtas e bárbaros em geral, que mantinham, dentro do arranjo gentílico, formas hirperdemocráticas de poder, com participação irrestrita dos membros sociais e ausência de um poder coercitivo externo à sociedade (polícia).
Já o estado aparece na medida em que a crescente desigualdade vai se expressando com o fim da apropriação comunista primitiva e o início da apropriação privada das terras e  demais riquezas , consolidando uma classe dominante e exploradora, e uma classe explorada – inicialmente, o escravismo, posteriormente a servidão e finalmente o assalariamento. O estado nasce da necessidade de conter a luta de classes e surge, emerge como algo “acima das classes” – o que é uma ilusão, ilusão que atende os interessas da classe exploradora e que detém o controle do estado. Um instrumento de dominação de uma classe pela outra, isto é, em síntese, o estado na perspectiva de Marx e Engels. Uma lição importante ao analisarmos as sociedades pré-estatais é a de justamente afastar a tese da inafastabilidade de um poder externo e controlador da sociedade, a tese hobbesiana na inevitabilidade do estado. Já Engels se opõe a esta perspectiva na sua conclusão do livro:
“Portanto, o Estado não tem existido eternamente. Houve sociedades que se organizaram sem ele, não tiveram a menor noção do estado ou do seu poder. Ao chegar a certa fase do desenvolvimento econômico, que estava necessariamente ligada à divisão da sociedade em classes, essa divisão tornou o Estado uma necessidade. Estamos agora nos aproximando, com rapidez, de uma fase de desenvolvimento da produção em que a existência dessas classes não apenas deixou de ser uma necessidade, mas até se converteu a um obstáculo à produção da mesma. As classes vão desaparecer, e de maneira tão inevitável como no passado surgiram.  Com o desaparecimento das classes, desaparecerá inevitavelmente o Estado. A sociedade, reorganizando de uma forma nova a produção, na base de uma associação livre de produtores iguais, mandará toda a máquina do Estado para o lugar que lhe há de corresponder: o museu de antiguidades, ao lado da roca de fiare do machado de bronze”. (P. 180)            


quarta-feira, 4 de setembro de 2013

“A Revolução Antes da Revolução” – Friederich Engels


Resenha Livro # 71 – “A Revolução antes da Revolução – As guerras camponesas na Alemanha. Revolução e Contra-Revolução na Alemanha” –Friederich Engels - Ed. Expressão Popular

 


A “Revolução antes da Revolução” é um bom título para os ensaios de F. Engels organizados pela editora Expressão Popular.  O título parece sintetizar o significado das insurreições camponesas do séc. XVI e dos levantes dos anos 1848-1849 na Alemanha, no que se refere às relações entre uma revolução da burguesia e uma futura revolução do proletariado.

Desde o ponto de vista marxista, a história dos homens é a histórica da luta de classes: as revoluções implicam numa agudização radical dos conflitos entre as classes sociais e podem ser explicadas por fatores objetivos e subjetivos. Os fatores objetivos das revoluções correspondem às relações entre o desenvolvimento das forças produtivas frente ao modo de produção historicamente determinado, com suas respectivas instituições e expressões do poder político que passam a andar em descompasso com o desenvolvimento da sociedade e da economia. Os fatores subjetivos envolvem o grau de maturidade histórica e organização das classes, desde a coesão e conformação da independência da classe (a sua “autonomia”), até a existência de homens e mulheres capazes de dar uma direção consequente e resoluta aos dilemas da crise revolucionária. “Revolução antes da Revolução” diz respeito ao exame, por parte de Engels, de revoluções e levantes em que a classe trabalhadora, ainda que participante dos levantes, especialmente em 1848, não tinha ainda o grau necessário de experiência e maturidade política, bem como uma organização independente para se apoiar, de forma a ir além dos interesses da burguesia em sua luta contra o Feudalismo. Os trabalhadores se armaram e estiveram por de trás da burguesia em sua luta revolucionária – e, conforme os interesses entre capital e trabalho também são antagônicos, a ascensão burguesa passa a ser acompanhada da luta contra seus antigos aliados.

Engels com enorme maestria analisa a história dos levantes e insurreições ora camponesas, ora burguesas, desde a perspectiva dos interesses de classe em jogo e da composição de forças e organização das mesmas, o que viria a decidir a sorte daqueles dois movimentos revolucionários. O livro contêm dois trabalhos distintos de Engels. A primeira parte do livro aborda as revoluções e levantes camponeses nos territórios alemães no séc. XVI. Àquela altura, o capitalismo ainda vivia a sua fase comercial (ou seja, não industrial). A manufatura e a classe dos artesãos nas cidades faziam as vezes de um embrionário proletariado que passaria a se conformar como classe especialmente após a revolução industrial. Ademais, o movimento camponês do início da era moderna tinha forte conotação religiosa – por detrás da crítica protestante de Lutero e do ainda mais radical Thomas Müntzer, surgiam as demandas contra o esmagamento do camponês por tributos e pela igualdade entre os homens. Este último, de teólogo reformador, virou líder revolucionário e apoiador dos anabaptistas, a “ala radical” da reforma protestante, tendo se virado inclusive contra Lutero, aqui considerado como “moderado”.

Engels, como historiador, não comete o erro de analisar o passado e seus personagens desde o ponto de vista do que aquele movimento revolucionário e aqueles pensadores entendiam de si próprios, mas interpreta o passado a partir do que os agentes e movimentos efetivamente fizeram.  Levando em consideração não a justificativa religioso mas os aspectos políticos daquela conjuntura. Atrás das teses religiosas estavam cobertos discursos e ações voltadas ao igualitarismo, ao fim da riqueza concentrada no 1º estado, a construção de uma sociedade igual materialmente, enfim, a derrota do feudalismo. Portanto, ainda que tal perspectiva surgisse no levante camponês com um viés religioso, o que é decisivo, aqui, são os interesses de classe em disputa, bem como o ponto de partida de uma longa batalha na Europa contra o feudalismo.

E foi ainda contra o feudalismo, o poder concentrado da burocracia real, as tarifas alfandegárias e as dificuldades de fazer circular suas mercadorias que a burguesia, tendo atrás de si, agora, o proletariado urbano, se envolve na revolução que ocorreria na Alemanha 300 anos depois dos levantes camponeses. Enquanto a Revolução Francesa de 1789 e as revoluções industriais inglesas já haviam implicado na eliminação dos entraves para o desenvolvimento do capitalismo, bem como da burguesia como classe dominante, na Alemanha, havia um enorme atraso entre as instituições políticas e o desenvolvimento das forças produtivas, contradição a partir da qual emergem as lutas políticas burguesas. Um ponto importante a ser considerado, todavia, é que a contra-revolução foi exitosa e derrotou todas as insurreições na Prússia e na Áustria (principais estados alemães de então) e a derrota sinalizava já o duplo caráter da revolução burguesa: ainda que houvessem interesses de classe pressionando pela unificação alemã, por um regime parlamentar e constitucionalista, pelo fim dos tributos abusivos e pela abertura comercial, ao chegar ao poder (como ilustrou bem na história a “Assembleia de Frankfurt”), a burguesia e os pequenos comerciantes passam a ter uma posição vacilante, quando não contra-revolucionária: atrás de si havia agora (ao contrário do séc. XVI) a classe trabalhadora em armas, o que poderia significar um passo em frente na luta revolucionária a partir do atendimento dos interesses dos trabalhadores que estão em oposição aos interesses econômicos burgueses. Não só a vacilação, bem como inúmeros exemplos de traição de elementos burgueses à luta revolucionária facilitaram o trabalho da repressão da reação feudal. E a repressão das forças reacionárias, ligadas ao primeiro estado, é descrita por Engels revelando a brutalidade com que os revolucionários foram submetidos. Ao re-tomar as cidades, a reação matava a maior parte dos rebeldes, amputava dedos e membros de alguns e mandava outros para o exílio e prisão (este último caso, aliás, foi o de Bakunin, citado por Engels).

A vacilação e traição da burguesia às revoltas dos anos de 1848 na Alemanha foram fatais a todo o movimento, dada a conjuntura revolucionária. A guiza de conclusão, reproduzimos aqui uma bela passagem de Engels, comentando acerca de tal conjuntura e dos efeitos das vacilações burguesas. Aqui, o companheiro de Marx fala sobre a “arte da insurreição”.

“Ora, a insurreição é uma arte, tanto quanto a guerra ou qualquer outra, sujeita a certas regras de procedimento que, se forem descuradas, produzirão a ruína do partido que as descurar. Essas regras, deduções lógicas da natureza dos partidos e das circunstâncias com que tem de se lidar num tal caso, são tão claras e simples que a curta experiência de 1848 tornaram os alemães bem familiarizados  com elas. Em primeiro lugar, nunca provocar uma insurreição a não ser que se esteja completamente preparado para encarar suas consequências. (....) Em segundo lugar, uma vez iniciado o movimento insurrecional, agir com a maior determinação e na ofensiva. A defensiva é a morte de todo levantamento armado; está perdido antes de ele próprio se medir com o inimigo. Surpreender os antagonistas enquanto suas forças estão dispersas, preparar novos êxitos, ainda que pequenos, mas diários; manter o moral ascendente que o primeiro levantamento vitorioso forneceu; reunir, desse modo, do nosso lado, aqueles elementos vacilantes que sempre seguem o impulso mais forte e que sempre procuram o lado mais seguro; obrigar os inimigos a se retirarem antes de poderem reunir as suas forças contra nós; das palavras de Danton, o maior mestre da política revolucionária até hoje conhecido: “de l’audace”, “de l’audace”, encore de l’audace (Audácia, audácia e mais audácia – francês)”.     

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Por que não sou Feminista?

Artigo #1 - Por que não sou feminista?



O modo de produção capitalista cria condições para a reprodução e perpetuação de opressões contra tudo o que difere do padrão heteronormativo, do gênero masculino e do fenótipo branco. A superexploração da mulher negra dentro dos trabalhos mais precarizados e informais diz respeito, nesse sentido, ao fato do capitalismo servir-se de uma sociedade cingida por preconceitos raciais e de gênero para oferecer postos de emprego com os mais baixos salários e piores condições de trabalho aos setores marginalizados que destoam do padrão heteronormativo, masculino e branco. No âmbito dos mais precários postos de trabalho nas empresas de telemarketing ou nas redes de fast-food, uma rápida observação desde fora já bem revela a composição dos trabalhadores: jovens, alguns homossexuais, muitos negros e muitas mulheres. No caso particular do gênero, qualquer análise objetiva da realidade envolverá o reconhecimento de que o machismo é um momento constituinte da exploração capitalista, bem como fomentado pela Indústria Cultural, pela divisão sexual do trabalho, pela educação familiar e escolar ou mesmo pela maior parte das religiões. O machismo por sua vez produz a violência contra a mulher, violência física, sexual ou moral. Reproduz desigualdades mesmo no âmbito do mercado de trabalho. Para as mulheres, menores salários e maiores dificuldades de ascensão aos cargos de direção em todos os âmbitos possíveis: empresas, órgãos públicos, sindicatos e partidos políticos, mesmo de esquerda.

Numa breve síntese podemos afirmar que o machismo (apesar de ser um fenômeno histórico pré-capitalista) é um momento constituinte da sociedade do capital. Lutar contra o capitalismo implica, portanto, lutar contra o machismo. E lutar contra o machismo implica no fortalecimento da luta anti-capitalista.

Ocorre que as palavras são polissêmicas: “machismo” e “feminismo” vão ter significações distintas, para um homem machista, para um homem não machista, para uma mulher machista e para uma mulher não machista. A diferença de conotação envolve igualmente a visão social de mundo dos diferentes interlocutores.

A oposição entre machismo e feminismo

Lutar contra o machismo não implica adesão ao feminismo, entendido aqui como corrente política profundamente heterogênea que oferece diversas táticas para ou atenuar ou romper com a desigualdade de gênero.

Em primeiro lugar, é necessário ressaltar que existem diversos feminismos. Do neoliberal PSDB ao ultraesquerdista-trotskysta PCO, quase todos os partidos políticos possuem um setor de mulheres. Cada qual com táticas e estratégias distintas, às vezes antagônicas. O recorte de classes passa a ser um primeiro critério divisor do feminismo: o feminismo burguês em suas mais distintas variantes propõe medidas paliativas de combate à opressão, sem fazer com que tal militância envolva uma busca até as origens da desigualdade de gênero: o modo de produção capitalista. Outro feminismo, igualmente inconsequente, estabelece as relações entre as contradições vividas pelas mulheres e o capitalismo, buscando a superação da desigualdade por meio de grandes reformas legais e institucionais que ainda preservem o capitalismo – feminismo pequeno-burguês de matriz reformista.   Finalmente, há o feminismo revolucionário, corrente política que entende ser a plena superação da opressão das mulheres produto tanto das batalhas cotidianas contra o machismo quanto, e principalmente, pelo fim da sociedade do capital, fonte originária desta e das demais desigualdades.

Os comunistas se identificam não com todo feminismo, mas com este último feminismo em particular, o feminismo revolucionário. Entendem assim que o problema da luta de classes perpassa a opressão de gênero, de modo que, por suposto, há um enorme, gigantesca distância do “feminismo” em Rosa Luxemburgo ou em Margareth Thatcher.

Aqui iniciamos o início de nossa polêmica. Todo comunista deve lutar taticamente contra o machismo, o racismo e a homofobia: lutar contras as opressões é lutar contra um sistema de exploração classista que se serve das opressões para fazer perpetuar a super-exploração do trabalho, justificar ideologicamente as desigualdades naturalizadas pela sociedade capitalista e até mesmo criar alguns “padrões” de conduta e de fenótipo a serem atingidos – com o apoio da Industria Cultural, os “padrões” acompanham industrias de cosméticos, academias de musculação, revistas e produtos culturais da televisão e cinema, etc.

Entretanto, entendemos que lutar contra o machismo não torna um indivíduo “feminista”. Mais. Não ser feminista não significa adesão ou conivência com o machismo. Como se sabe, o feminismo é uma corrente política multicolor e nenhum comunista (homem ou mulher) está obrigado a escolher uma filiação do feminismo em particular para estar contra o machismo – mesmo porque a arma da crítica já está à disposição dos marxistas, seus pressupostos teórico-metodológicos e seus horizontes políticos são mais do que suficientes para a crítica de gênero tornando mesmo a existência de algumas teorizações “ecléticas” verdadeiras formas de apagar o horizonte de classes da abordagem feminista. Tal ponto (o de não haver necessidade de ser feminista para estar contra o machismo) passa a ganhar relevância no Brasil já que, segundo nossas observações, nenhuma variante do feminismo dentro das organizações políticas brasileiras faz uma discussão verdadeiramente marxista sobre o tema, infelizmente.

Apoiando-nos nas alas revolucionárias do feminismo, o que podemos enxergar é uma verdadeira confusão e balbúrdia. Para correntes ultra-esquerdistas como a Negação da Negação, não haveria espaço para uma militância contra as opressões diante da óbvia prevalência da questão da luta de classes. Esquece tal setor que o capitalismo é racista, machista e homofóbico e que a luta contra as opressões é uma luta anticapitalista: contra as opressões, os trabalhadores avançam sobre a burguesia e apenas com a vitória final do trabalho sobre o capital (comunismo) haverá uma sociedade não mais cingida em classes sociais e dividida por raça, gênero e orientação sexual. Outra corrente supostamente revolucionária (PSTU) tem uma prática política ainda mais lamentável. Utilizam-se criminosamente da histórica luta das mulheres para caluniar e difamar militantes homens de outras organizações. Defendem escrachos de homens militantes, criando mais divisão e desconfiança com relação à pauta das mulheres, principalmente entre os “escrachados” que deveriam ser “educados”, principalmente quando estão na mesma fileira de classe dos trabalhadores. (Gostaria mesmo de ver a mesma valentia com que certas “feministas” fazem escrachos a estudantes univeritários em territórios livre de ameaça, com a disposição de ir para a periferia e intervir em casos infinitamente mais graves de machismo, como a violência física contra a mulher, praticada cotidianamente por homens da classe trabalhadora). Ocorre que estas feministas do morenismo nunca estiveram, não estão e provavelmente jamais estarão preocupados em combater de fato o machismo – inclusive dentro de suas próprias fileiras e junto a restrita base proletária deste partido. Seu feminismo é pequeno-burguês, tende e jogar homens contra mulheres e dentro do movimento, é antes uma ferramenta divisionista voltada ao jogo da pequena política de gabinete (difamar adversários) e, claro, a auto-construção partidária. Tudo, absolutamente tudo, menos combater o machismo.

Qual Feminismo?

Paulo Freire dizia acertadamente que o oprimido deve ser protagonista na sua luta pela sua emancipação e também pela liberação do opressor de sua condição. Da mesma forma como o proletariado é o sujeito histórico que derruba a classe que o explora (burguesia), as mulheres deverão estar a frente da luta por sua emancipação. Considerando que o autor destas linhas é homem, branco e heterossexual, certamente não sairá deste pequeno texto crítico a fórmula ideal das táticas e do horizonte de luta do feminismo. Esta é uma tarefa exclusiva das mulheres. O que nos cabe aqui é apontar dois pequenos pontos, reiterados pelos feminismos reformistas e revolucionários, com os quais não estamos de acordo.

(i) A guerra de sexos. Para certo feminismo pequeno-burguês, não há ou há quase nenhuma delimitação de classe na análise, interpretação e avaliação de métodos de luta. Trata-se de um feminismo pequeno burguês que, ao não identificar o capitalismo como inimigo central,  volta-se a uma batalha ilusória entre homens (sempre “vilões”) e mulheres (sempre “vítimas”). Para sustentar seus mitos, tentam embalar sua militância com pequenas ou minúsculas supostas manifestações de machismo, transformando episódios banais em objeto de denúncia, escrachos, etc. Uma cantada, uma poesia ou mesmo um xaveco mais tosco transformam-se numa escandalosa ação intencional e premeditada de diminuir a mulher. Esta ou aquela música ou este e aquele conjunto musical apenas são escutados sob sigilo e toda manifestação de arte também passa a ser objeto de críticas duvidosas. Este feminismo pequeno-burguês chega ao ridículo de polemizar com homens que em reuniões políticas públicas erguem o tom de voz – ou seja, a forma como o militante se expressa passa a ser objeto de controle feminista, restando aos homens de voz grave que “falam grosso”, ou calar-se ou quem sabe sugerir que tais “feministas” providenciem remédios que atenuem os efeitos de sua testosterona na voz. Defendemos contra estas feministas que qualquer militante organizado em movimento social ou partido político de esquerda deva ter a liberdade para se expressar da forma como quiser, seja em verso, prosa, com voz em barítono ou não.

(ii) o mito do padrão de beleza. Uma grande falsificação presente em praticamente todas as correntes feministas diz respeito ao fato da mulher ser a maior e exclusiva vítima dos padrões estéticos engendrados pela Indústria Cultural. Algumas responsabilizam os homens (e não a Industria Cultural, a Família, a sociedade capitalista...) pelas mortes por bulimia, anorexia e doenças relacionadas. Em primeiro lugar, contra tais argumentos, respondemos que os homens também são vítimas dos padrões de beleza engendrados pela televisão, cinema, industria de cosméticos, etc. Da mesma forma que existe um padrão feminino (branca, cabelos lisos, magra, etc.), também existe um padrão masculino (branco, cabelos lisos, músculos grandes, etc.). Logo, os problemas emocionais decorrentes dos padrões estéticos também estão presente nos homens: e assim, as academias de musculação estão cheias e já foi noticiado que garotos chegam a usar anabolizante de cavalos para “melhorar a aparência”. Todo o sofrimento decorrente da criação de padrões de beleza inacessíveis para a maioria das pessoas, afeta igualmente homens e mulheres, de formas distintas mas resultando igualmente em sofrimento, isolamento, depressão e atitude anti-sociais.

Por isso Comunista e Não Feminista!

Frente ao problema do machismo e a ausência de alguma corrente feminista que tenha um programa anti-capitalista, revolucionário, comunista e não-oportunista no Brasil, o que é possível dizer é que hoje é possível um comunista brasileiro dizer-se não feminista. Entretanto, não ser feminista não significa adotar uma postura machista. O não feminismo é a não filiação às distintas correntes do feminismo. O não feminismo significa a não confiança nas interpretações dos distintos movimentos de mulheres do que seja “machismo”.  O não feminismo comunista significa a não confiança nas interpretações dos distintos movimentos de mulheres acompanhado de uma preocupação exclusivamente tática acerca da opressão de gênero, aportando para esta questão com a condição de que tal movimento nos aproxime de nosso horizonte estratégico comunista, e não que nos turbe a visão criando uma falsa guerra de sexos que divide a classe trabalhadora e fortalece os nossos adversários.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

“O Marxismo No Mundo Moderno” (Vários autores - Org. Milorad Drachkovitch)


Resenha Livro #70 – “O Marxismo No Mundo Moderno”- (Vários Autores) – Zahar Editores



                Ler e estudar rigorosamente as ideias de Marx e dos distintos marxismos envolverá necessariamente o contato com dois gêneros de obras.

O primeiro gênero corresponderia às “fontes primárias”, provavelmente a leitura mais difícil e que envolverá uma série de esforços extras do estudioso. As fontes primárias do historiador ou cientista social correspondem aos textos originais. As dificuldades aqui vão desde o problema da tradução – que, particularmente no âmbito do marxismo, quase nunca são desinteressadas politicamente, até o problema de edições incompletas. É necessário também contextualizar as fontes primárias sob duas perspectivas. Primeiro destacando-se o cenário histórico e conjuntural dentro do qual o texto foi escrito. Em segundo lugar, destacando o lugar ocupado pela obra dentro da evolução intelectual do autor. No caso de Marx, por exemplo, em uma leitura cuidadosa do Manifesto Comunista (1848), trata-se de relacionar a obra com a militância de Marx e Engels no quadro dos movimentos revolucionários que marcaram a Europa daquele período, para além da construção da I Internacional. De outra monta, um estudo analisado da “Guerra Civil em França” (1871) e os distintos volumes do “Capital” deveria destacar não só o cenário político que contextualiza as publicações, mas o fato de Marx, aqui, já estar em sua fase de maturidade intelectual, menos influenciado pela filosofia clássica alemã e mais influenciado pela economia política inglesa.

O segundo gênero de leituras marxistas pode ser desde já sub dividido em pelo menos 3 espécies distintas[i].  Trata-se aqui das fontes “secundárias”, obras escritas ou por marxistas ou por não marxistas, acerca das ideias de Karl Marx e dos marxismos. Um bom critério para a diferenciação entre uma interpretação marxista e não marxista está estabelecida nas teses de Feuerbach (1845). Ser marxista em primeiro lugar significa, consoante expressão da sociologia alemã, uma “visão social de mundo”. (Weltanschauung). Trata-se nesta perspectiva de reivindicar determinados pressupostos teórico-metodológicos que parte das inovações filosóficas e críticas de Marx e seus seguidores. Ademais, as obras escritas por marxistas são necessariamente textos produzidos por indivíduos que não só adotam a visão social de mundo marxista mas procuram intervir, particularmente no âmbito da batalha das ideias, em favor do trabalho em contraponto ao capital. Nesta perspectiva, poderíamos dizer que Lênin foi um grande marxista deste genero que destacamos, tanto no que se refere aos pressupostos teóricos de suas análises quanto ao fato de ser um militante socialista – consoante a última tese feuerbachiana, o marxista não só interpreta, mas transforma o mundo.

Uma segunda espécie de leitura marxista pode ser chamada  de interpretação não marxista crítica. Dentre as resenhas apresentadas neste blog, um exemplo desta espécie é o manual de marxismo do professor francês André Piettre. Interessa-nos as críticas ao marxismo vindas desde fora do marxismo, especialmente quando formuladas desde bases críticas e com honestidade intelectual.

Uma terceira e última espécie de leitura marxista está enquadrada no “Marxismo no Mundo Moderno”. Trata-se de uma coletânea de oito ensaios sobre marxismo escritos por professores universitários de França e Inglaterra em meados dos anos 1960 – concomitante à guerra fria, este tipo de literatura poderia ser caracterizada como leituras “anti-marxistas”. Há nos ensaios, em maior ou menor intensidade, um objetivo comum de caracterizar todas as experiências socialistas do séc. XX como regimes “totalitários”, em clara oposição ao ocidente capitalista “livre”. Não à toa, os ensaios a todo momento reiteram a luta pela hegemonia soviética dentre o campo socialista (até a ruptura com a China) e cita diversos exemplos de como a URRS ocupava um papel de dominação dentro do campo socialista, ainda que em grau menor após a desestalinização (1956), sem fazer menção aos diversos golpes militares encampados pelo imperialismo norte-americano na América Latina, além das intervenções bélicas na Ásia a favor do “Ocidente”. Trata-se, aqui, portanto, de uma leitura que envolve o contato com fontes hostis às ideias de Marx (batizadas a todo momento como “profissão de fé”, “dogma”, “religião” etc.), bem como a tentativa de deslegitimar os marxismos subsequentes por meio de um tipo de falsificação em que as fontes intelectuais de direita são particularmente especializadas: a busca das origens dos desvios, do “totalitarismo” ou do “autoritarismo” socialista a partir de seus principais líderes e seus traços individuais. Não é à toa que o próprio livro e sua divisão em capítulos dá-se em função de indivíduos que se projetaram como líderes das diversas experiências revolucionárias com conotação socialista do séc. XX. Assim, há capítulos específicos do “leninismo”, do “stalinismo”, do “kruschevismo”, do “titoísmo” (Marechal Tito da Iuguslávia) e “castrismo”. Lênin é pintado como um homem semi-louco, extremamente sectários, com uma autoconfiança inabalável. Stálin como um político profissional sem escrúpulos e princípios. E Kruschev é sintomaticamente pintado com cores menos ofensivas, correspondendo ao seu papel histórico de mudança no regime soviético num sentido de menor hostilidade com relação ao “ocidente”.

Acreditamos que existe interesse por parte dos marxistas de hoje voltarem-se também para a literatura anti-marxista, especialmente neste caso, já que temos boas razões para acreditar que a produção deste livro mobilizou importantes intelectuais anti-marxistas. Os autores  foram professores de Havard (Merle Fainsod e Adam Ulam), Stanford (Theodore Draper) e Universidade de Paris (Raymond Aron). Ou seja, ainda que as análises anti-marxistas sirvam-se de algumas fontes duvidosas e de alguns expedientes discutíveis do ponto de vista teórico-metodológico (como a incessante busca das origens dos sistemas autoritários na psicologia individual dos líderes revolucionários, sem se ater ao fato da interpretação das subjetividades ser também por si incrivelmente subjetiva), ainda assim, a sua leitura ajuda em primeiro lugar a nos situar em que bases estavam a batalha das ideias durante os anos 60 do século passado no mundo. Outrossim, os marxistas estão comprometidos, mais do que qualquer corrente filosófica, com a verdade histórica  e neste sentido, algumas das críticas ocidentais mostraram-se relativamente acertadas. O problema da restauração capitalista (ainda parcial e incipiente) já está contido nas análises sobre N. Kruschev e o capítulo final destinado “às Perspectivas do Comunismo Pluralista”. O problema da política externa desde o âmbito do campo socialista, com as tensões e posterior ruptura sino-soviética também são analisadas no livro, sendo certo que a divisão do movimento comunista mundial ainda nos deve ser fonte de ensinamentos históricos.

Portanto, preparar-se para lutar intelectualmente a favor dos trabalhadores e do povo, em prol do comunismo no séc. XXI, envolve uma atitude não sectária com os livros e obras anti-marxistas. Como procuramos mostrar neste artigo, a leitura de marx e os marxismos implica em distintos gêneros e espécies de textos. Devemos cortejá-los todos nos dias de hoje com o olhar atento da crítica radical (oferecida pela teoria marxista) e sempre buscando a coerência junto aos nossos compromissos históricos: independência de classe, suporte à luta dos trabalhadores pela revolução anticapitalista e socialista.     



[i] Por suposto nossa proposta de ilustração das distintas possibilidades de leitura de Marx e marxismos parte de critérios nossos, inteiramente submetidos às críticas dos nossos eventuais leitores.