sábado, 8 de agosto de 2020

Joseph Stálin: Quebrando Mitos


                                Joseph Stálin: Quebrando Mitos 

 

                                         Stálin e sua filha Svetlana

 

Quando Stálin foi eleito secretário geral do Partido Comunista Russo pelo Comitê Central em 3.4.1922 ele já era um velho e experimentado dirigente revolucionário.

 

Seus primeiros contatos com as ideias marxistas se deu de forma clandestina no Seminário Espiritual de Tíflis, instituição da qual foi expulso em abril de 1899 pelo seu comportamento rebelde.

 

Já a partir de 1900 é procurado pela polícia tzarista por sua atividade revolucionária, ingressando por quase duas décadas na clandestinidade.

 

Fazendo jus à caracterização de um velho bolchevista, no ano de 1901, Stálin é eleito para o comitê de Tifílis do Partido Operário Social Democrata Russo, que havia sido fundado em 1898 por Lênin, Plekhanov e outros.

 

Sua primeira dentre várias prisões na Sibéria ocorreria já em abril de 1902.  

 

Segundo o depoimento de Joseph E. Davies (“Como Eu Vi Stálin”, 1943), se por um lado a polícia política tzarista era eficiente para espionar e prender opositores, o regime era desestruturado e desorganizado ao ponto de permitir a fuga com relativa facilidade dos presos remetidos para a Sibéria. Consta episódios cômicos da velha guarda bolchevique exilada na Sibéria, lendo capítulos do Capital para soldados tzaristas que reagiam com bocejos de sono.

 

Além disso, nestes exílios longínquos, Stálin e outros militantes tinham acesso à literatura marxista também com alguma facilidade – o futuro dirigente georgiano intercalava a militância clandestina na prisão com a leitura de obras marxistas e a prática de esportes.

 

No contexto da primeira Revolução Russa de 1905, Stálin organizou e dirigiu milícias operárias para combater os Centúrias Negras. Já em 1906 Stálin era inequivocamente a principal liderança bolchevique na Georgia, sua terra natal. Também ficou conhecida na história a participação do futuro marechal vermelho em ações diretas como assaltos a banco e roubos armados para providenciar fundos ao partido.

 

Neste sentido relata o embaixador Joseph E. Davies:

 

“Entre os métodos violentos a que recorreram os radicais, estava o de obter dinheiro para fins partidários por meio do roubo. O mais famoso desses roubos a mão armada foi levado a efeito pelo próprio Stálin. No dia 26 de Junho de 1907, houve uma súbita explosão de tiros de revólver e bombas no principal boulevard de Tiflis, homens e cavalos ficaram mortos no asfalto e $ 175.000,00, dinheiro do Estado, tinham desaparecido de um auto. Esse processo era conhecido por “expropriação” ou “ex” simplesmente, e já tinha sido praticado, com êxito outras ocasiões. (...) Stálin, que era membro de alta categoria do partido, representou o mesmo papel de um general numa batalha; planejou e preparou o ataque, e levou-o a efeito com oito camaradas, dois dos quais era mulheres e pertencia ao Partido Social Democrático”.

 

Em 1912 Stálin assume a direção do jornal PRAVDA (“A Verdade”) e um ano depois escreve o seu livro mais importante, trabalho elogiado por Lênin à Gorki, chamado “O Marxismo e o Problema Nacional”. Sobre este mesmo tema podemos fazer menção ao artigo “A Revolução de Outubro e a Questão Nacional”, trabalho redigido para o PRAVDA e publicado em 19.11.1918. Aqui, Stálin demonstra como a questão nacional assume diferentes contornos a depender das etapas burguesa e proletária da revolução Russa.

 

Em fevereiro de 1917 o movimento nacionalista russo assumia uma caráter de luta contra o regime tzarista, não resolvendo, mas agudizando os conflitos nacionais:  

 

“O movimento nacional nas regiões periféricas tinha um caráter de movimento burguês. As nacionalidades da Rússia, durante séculos oprimidas e exploradas pelo antigo regime, pela primeira vez tiveram a sensação de sua força e se lançaram à luta contra seus opressores. Liquidação da opressão nacional era a palavra de ordem do movimento. Com a rapidez de um relâmpago, nas regiões periféricas da Rússia multiplicaram-se instituições nacionais. (...) Tratava-se de libertar-se do tzarismo, causa fundamental da opressão nacional, e de formar estados nacionais burgueses. O direito das nações à autodeterminação era interpretado como o direito da burguesia nacional das regiões periféricas a tomar o poder em suas mãos e a utilizar a Revolução de Fevereiro para formar um Estado nacional “próprio”.

 

Contudo, já no contexto da Revolução de Outubro, qual seja, na etapa socialista da revolução, alguns governos nacionais burgueses das regiões periféricas se ergueram junto à  contrarrevolução. Conflitos neste sentido ocorreram na Polônia, na Finlândia e na Ucrânia. O que Stálin realça e conclui é que não é possível ao final a libertação nacional sem o rompimento com o imperialismo e com a dominação burguesa. Neste sentido, a questão nacional do ponto de vista revolucionário envolve a luta contra o imperialismo e pela libertação das colônias.

 

É certo que o internacionalismo dos bolcheviques teve de ser repensado à luz da ruína da expectativa de uma revolução socialista vitoriosa no ocidente. Alguns biógrafos e comentadores, incluindo o diplomata Joseph E. Davies, defendem que Stálin, ao contrário de Lênin e Trótsky, não alimentou grandes esperanças de que o socialismo sairia vitorioso na Alemanha e demais países adiantados, já cogitando de forma prematura a necessidade da URSS evoluir com as suas próprias pernas.

 

Esta pode ser uma forma inicial de se compreender a tão mal falada tese do “revolução de um só país”. Outro mito a ser quebrado. É certo que a oposição entre esta tese e o internacionalismo proletário que decorre pelo menos desde 1848 com o Manifesto Comunista foi, na maioria das vezes, muito mal colocada. Não existe nacionalismo grão russo em Stálin ou se quisermos em Lênin, que, ainda em atividade pelo menos até 1922, teve notícia da derrota da revolução alemã e da necessidade de uma mudança de expectativa.

 

Socialismo num só país significa fortalecer as bases da construção do socialismo na Rússia e desde lá estabelecer um polo que pudesse disseminar a revolução mundial – lutar pela vitória do socialismo na Rússia não se contrapõe na luta pela disseminação mundial da revolução, mas, pelo contrário, se complementa. Vejamos o que diz Stálin em seu “Balanço do XIII Congresso do PC da Rússia” de 17 de Junho de 1924:

 

“Acusam-nos de desenvolver na Europa Ocidental a propaganda contra o capitalismo. Devo dizer que essa propaganda não nos faz falta. A própria existência do Poder Soviético, o seu desenvolvimento, os seus progressos materiais, o seu indubitável fortalecimento constituem a propaganda mais eficiente entre os operários que tenha vindo ao país soviético e observado a nossa ordem de coisas proletária, terá podido ver o que representa o Poder Soviético e do que é capaz a classe operária, quando se encontra no Poder. É justamente esta a verdadeira propaganda, uma propaganda de fatos, que tem eficiência muito maior entre os operários do que a propaganda verbal dos jornais. Acusam-nos de fazer propaganda no Oriente. Isto também são tolices. Não temos necessidade de propaganda no Oriente. Basta que qualquer cidadão de um país dependente ou de uma colônia venha ao país soviético e veja como negros, brancos, russos e não russos, homens de todas as raças e nacionalidades, impulsionam, estreitamente unidos, a obra do governo de um grande país, para convencer-se de que este é o único país onde a fraternidade dos povos não é uma frase mas uma realidade”.

 

Stálin faleceu em 5.3.1953.  Três anos depois, na ocasião do XX Congresso do Partido, teria início uma operação de longo prazo de restauração capitalista na URSS concluída entre 1988-1991. A primeira etapa do projeto anti-comunista era nada mais nada menos do que a campanha antiestalinista. O fato é que, se houve um momento em que os capitalistas estiveram em apuros no último século, isto ocorreu em 1945 com o fim da Segundo Guerra Mundial, com o gigantesco respeito granjeado pelo exército vermelho perante o proletariado mundial diante da destruição militar do nazi-fascismo. Num período mais recente, com o enfraquecimento do discurso anticomunista e uma nova bibliografia da URSS oriunda da abertura de arquivos, cresce o interesse pelas ideias e pela obra de Joseph Stálin.

 


sábado, 1 de agosto de 2020

150 ANOS DO NASCIMENTO DE VLADIMIR ILITCH LÊNIN




“Temo que as Marcas ao mausoléu

Com o estatuto de reverências

Inundem com o doce fel

A simplicidade de Lênin” (Vladimir Maiakovski - 1924)

 

Em 22.4.2020 completou-se 150 anos do nascimento de Lênin, teórico e dirigente do partido bolchevique, principal liderança do agrupamento comunista no contexto das revoluções de fevereiro e outubro de 1917 na Rússia.

 

Estamos de acordo com Gyögy Lukács que considerou Lênin “o único teórico à altura de Marx até agora produzido no interior da luta de libertação proletária[1]”, assertiva que subsiste até os dias de hoje.

 

Os relatos daqueles que conhecerem Lênin revelam um estudioso e militante revolucionário incansável, disciplinado e ortodoxo no marxismo.

 

Nesse sentido, Lênin dedicou boa parte de sua militância em polêmicas em face de revisionistas que deturparam o conteúdo revolucionário do pensamento de Marx.

 

A polêmica com Kautsky no “A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky” escrito em novembro de 1918 é representativa da defesa do marxismo ortodoxo por Lênin. A deturpação do conceito de ditadura do proletariado pelo ideólogo da social democracia alemã essencialmente retira do estado e da democracia, entendida na sua forma “pura”, o conteúdo de classe da política. Como se a assunção formal de democracia, na forma de “uma cabeça um voto”, tivesse que ver com a forma de democracia proletária suscitado por Marx e Engels em seus textos sobre o problema de transição, nitidamente sobre a Comuna de Paris. Se Marx e Engels censuram a comuna foi por ela não ter radicalizado no sentido de esmagar a resistência burguesa com maior violência. Marx por exemplo condenou a Comuna por sua hesitação em não expropriar o Banco de França, e não pelos excessos de violência revolucionária do movimento.

 

Nesse sentido, preleciona Lênin:

 

“Marx e Engels analisaram muito pormenorizadamente a Comuna de Paris e mostraram que o seu mérito consistiu na tentativa de quebrar, demolir a “máquina de Estado pronta”. Marx e Engels atribuíram tal importância a esta conclusão que em 1872 apenas introduziram esta emenda no programa “obsoleto” (em algumas partes) do Manifesto Comunista. Marx e Engels mostraram que a Comuna suprimiu o exército e o funcionalismo, suprimiu o parlamentarismo, destruiu a “excrescência parasitária que é o Estado”, etc., mas o sapientíssimo Kautsky, tendo enfiado o barrete de dormir, repete aquilo que os professores liberais disseram mil vezes: as fábulas sobre a “democracia pura”.

 

O trabalho teórico de Lênin foi de temas em maior nível de abstração, como seus cadernos filosóficos acerca da filosofia de Hegel, até as polêmicas em torno de questões objetivas, como o papel do campesinato na revolução e a natureza política da Guerra Imperialista.

 

Ainda do século XIX, Lênin, ligado ao então minoritário agrupamento marxista na Rússia, polemiza com os populistas, posteriormente organizados no partido dos socialistas revolucionários nos primeiros anos de 1900. É o caso de “Quem São Os Amigos do Povo” publicado em 1894. Os populistas viam na mir, na tradicional comunidade agrária russa, o embrião do socialismo. Os populistas não viam o desenvolvimento do capitalismo na Rússia como um processo necessário do desenvolvimento histórico, mas como uma anomalia que poderia ser contida pela ação política. Nesse sentido, os populistas, ao contrário dos marxistas, não viam o proletariado urbano como o setor social protagonista da revolução. Lênin desenvolveu trabalhos analisando o desenvolvimento do capitalismo na Rússia, bem como polemizou com os socialistas revolucionários suscitando o protagonismo operário na Revolução. Muitos trabalhos de Lênin se voltam para a questão agrária, especialmente destacando a diferenciação de classe entre os camponeses, dos camponeses pobres e assalariados, aliados naturais dos trabalhadores urbanos, aos latifundiários associados aos capitalistas.   

 

Na obra “O Que Fazer” (1902), Lênin desenvolveu uma teoria de organização partidária diferente da desenvolvida ao tempo de Marx e Engels. Em Lênin se trata já de um partido de vanguarda, do núcleo mais decidido e mais avançado politicamente, que introjeta a consciência política social democrata “de fora para dentro”. A necessidade da organização política diz respeito a não se limitar à consciência política espontânea oriunda das lutas sindicais, que jamais conseguirá ir além da luta por demandas pontuais. A teoria da organização política de Lênin nos demonstra que se os revolucionários “economistas” atuarem como o melhor dos melhores sindicalistas, será uma tragédia para a revolução, já que a renúncia da luta política permitirá que o czarismo se perpetue ad infinitum.  

 

As análises de Lênin sobre a natureza política da Guerra Imperialista também são fundamentais para aqueles que querem estudar o pensamento do dirigente da revolução russa. Os cadernos de Lênin mostram que ele leu 148 livros e 213 artigos em inglês, francês, alemão e russo para esclarecer o seu pensamento sobre o imperialismo contemporâneo. O imperialismo em Lênin se refere ao desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo em escala global e ao uso da força para manter a desigualdade.

 

A era do imperialismo é a era de crises, guerras e revoluções.

 

A Guerra Imperialista em curso é uma decorrência da nova etapa do capitalismo imperialista, baseando na hegemonia dos monopólios e na partilha do mundo pelas potências da época, nitidamente Inglaterra, França e Alemanha. A Rússia, subordinada aos interesses do capital anglo-francês, permaneceu na Guerra mesmo após a Revolução de Fevereiro quando o governo provisório ratificou os tratados secretos firmados pelo Czar. Os bolcheviques travaram uma luta duríssima em face das demais organizações socialistas da Europa que adotaram uma linha ora o social-chauvisnismo ora centrista, que apenas se colocava contra a guerra nos discursos, enquanto na prática defendiam seus respectivos governos na guerra.  

 

No que se refere ao temperamento de Lênin, consta que era tanto um revolucionário incansável quanto um estudioso em tempo integral. Casado desde jovem com Nadejda Krupskaia, não teve filhos. Gostava de crianças e tinha predileção por gatos. Era extremamente organizado, mantinha sua mesa de trabalho sempre em ordem e os lápis sempre afiados. Gostava de praticar esportes, como natação, caminhadas e ciclismo e consta que no exílio em Paris, cidade que Lênin não gostava, foi atropelado enquanto pilotava sua bicicleta.

 

Lênin, com sua verve irônica e seu marxismo ortodoxo, certamente ridicularizaria os agrupamentos da esquerda pequeno burguesa que hoje em dia defendem políticas identitárias. Em uma carta, manifestou desconfiança com grupos que já ao seu tempo falavam de liberação sexual: dizia que as pessoas que estavam preocupadas com estas questões eram tão obsessivas como um faquir em face de seu próprio umbigo.

 

Em maio de 1922 Lênin sofre o primeiro AVC que o deixou com a fala debilitada. Em dezembro de 1922 um segundo AVC. Faleceu em 21 de Janeiro de 1924, após algum tempo já debilitado, no distrito de Gorki Leninskiye.



[1] LUKÁCS,. G. Lênin. Um estudo sobre a unidade de seu pensamento. São Paulo. Boitempo, 2012. P. 33.