“As Aventuras de Tibicuera” – Érico Verissimo
Resenha Livro - “As Aventuras de Tibicuera” – Érico Verissimo – Companhia
das Letras – 6ª Reimpressão.
“O nosso espanto foi enorme. Abria-se na nossa frente a grande baía.
Dentro dela, balançando-se de leve, estavam pousadas umas doze ou treze
embarcações como nunca tínhamos visto em toda a nossa vida. Nós cortávamos os
rios e o mar nas nossas igaras, barcos compridos e rasos, feitos em geral de
troncos de árvores. Mas agora era diferente.... Tratava-se de barcos altos,
compridos, largos, todos cheios de mastros, cordas, panos, bandeiras... Eu
estava de boca aberta. Olhava muito admirado para as bandeiras coloridas que
ondulavam ao vento no cordame dos navios. E só cem anos depois é que eu iria
aprender que aquela era a frota portuguesa que descobria o Brasil! Naquela hora
não existia Brasil, mas sim a nossa terra, por nós chamada Pindorama – terra boa
e grande, onde nossa tribo e muitas outras corriam livres, acampando aqui e
ali, caçando, pescando, dançando, guerreando.”.
“As Aventuras de Tibicuera” (1937) é um dos muitos livros destinados
ao público infantojuvenil escrito pelo romancista gaúcho Érico Verissimo.
O romance faz uma síntese da história do Brasil, desde os anos
anteriores à chegada dos Portuguesas, partindo de uma tribo tupinambá, em que
nasceu o protagonista Tibicuera, cujo nome significa “cemitério”:
“Nasci na taba duma tribo tupinambá. Sei que foi numa meia-noite
clara, de lua cheia. Minha mãe viu que eu era magro e feio. Ficou triste mas
não disse nada. Meu pai resmungou:
- Filho fraco. Não presta para a guerra.”.
Da chegada dos Portugueses, passa-se aos primeiros momentos da
colonização, a evangelização dos índios conduzida pelos jesuítas, que ensinam
Tibicuera a ler e escrever, possibilitando escrever suas memórias.
Sua vida de 400 e tantos anos não decorre de uma fantasia, que em
literatura se trata como “realismo fantástico”, mas da noção indígena de que existe
um fio condutor, uma sequencia e permanência
entre a vida e existência de Tibicuera, seus filhos, netos, bisnetos,
tataranetos, que, sucessivamente, participam dos grandes eventos do Brasil: a guerra
de expulsão dos holandeses, a inconfidência mineira, as guerras de
independência do Brasil, as revoltas regenciais, a campanha abolicionista, a
proclamação da república.
Esta história panorâmica desmente um certo senso comum (sem nenhum
fundamento na realidade) de que o povo brasileiro é pacato e pacífico e, por
conseguinte, não engajado em lutas sociais com horizontes revolucionários.
Se a característica fundamental do índio Tupinambá é o seu traço
guerreiro, sua disposição para a luta e para a guerra, temos que a história do
protagonista é um constante engajamento em torno das mais diversas lutas de resistência
do Brasil.
O próprio Tibicuera confessa a todo momento gostar de guerras, ainda
que em certos momentos se aborrecesse dos conflitos e buscasse a paz dos livros
e das bibliotecas.
O protagonista conheceu pessoalmente Tiradentes e Zumbi dos Palmares, com
quem lutou e apenas não tombou heroicamente, para poder sobreviver e contar as
suas memórias, que são a história do Brasil:
“O quilombo dos Palmares era formado por vários núcleos. Passei entre
os pretos daqueles aldeamentos alguns anos bem felizes. Havia ali muita ordem e
muita paz. Eu gostava de ver as danças, as cantigas, as festas dos quilombolas.
Eles se enfarpelavam da maneira mais curiosa, pintavam-se de jeito muito
engraçado, de sorte que era um espetáculo divertido vê-los em dia de festa.
Às vezes, certas noites, eu ficava de papo para o ar, olhando para as
estrelas, pensando na vida e ouvindo a cantiga arrastada, preguiçosa e
tristonha dos filhos da África. Quando eles paravam, ficava só o cochicho do
vento que contava às palmeiras segredos de outros mundos.”.
Nos momentos de paz, leu os românticos e conheceu no Rio de Janeiro
Machado de Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos!
SOBRE O AUTOR
Érico Veríssimo nasceu em Cruz Alta no Rio Grande do Sul no ano de
1905.
Quando jovem, foi bancário e sócio de farmácia.
Sua estreia literária foi na Revista do Globo, com o conto “Ladrão de
gado”. A partir de 1930, já radicado em Porto Alegre, tornou-se redator da
revista, iniciando sua carreira de romancista, com trabalhos que se caracterizam
por um realismo regionalista, tratando especialmente da história do Rio Grande
do Sul, ainda que não se limitando a temas nacionais.
Neste sentido, escreveu livros como “O senhor embaixador” (1965) ambientado
num hipotético país do Caribe que lembra Cuba. Ou, podemos citar ainda “O
prisioneiro”, uma parábola sobre a intervenção dos Estados Unidos no Vietnã.
O escritor faleceu em Porto Alegre no ano de 1905.
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